Vamos abandonar por momentos o mundo das caixas de ritmos e entrar no dos samplers, máquinas que também desempenharam um papel fulcral na música sobre a qual este site versa. Ao contrário dos sintetizadores, o sampler não produz o seu próprio som, ou seja, depende de material pré-gravado para o seu funcionamento (seja ele em fita, chip, disquete, disco rígido ou pen-drive). A filosofia base é só uma: armazenar amostras de som numa memória para reproduzir à posteriori, não obstante toda a manipulação que esse pedaço de áudio possa sofrer no interior da máquina. Grava; reproduz. É assim que funciona.
Já aqui falámos de máquinas de ritmo construídas a partir de samples digitais de baterias reais, como servem de exemplo a Linn LM-1 (1980) e a Oberheim DMX (1981), contudo, a técnica de sampling já vem de trás e encontra em aparelhos como o Computer Music Melodian (1976) e o Fairlight CMI (1979) importantes percursores – lá chegaremos em episódios futuros. Se quisermos ser realmente minuciosos quanto ao ponto zero na cronologia deste tipo de máquinas, então há que viajar até 1949, data de nascimento do Chamberlin, aquele que é por muitos considerado o pioneiro dos samplers.
Esqueçam tudo o que sabem sobre Akais, Emus, Rolands e afins. Esqueçam os pads 4×4, os knobs comutáveis e os sequenciadores de batidas. A única sequência que a primeira metade do século XX conheceu foi a dos bombardeamentos nucleares resultantes de duas grandes guerras que envolveram vários países. É o caso dos Estados Unidos da América, berço de Harry Chamberlin, o homem que ajudou na construção do sistema eléctrico do Boeing B-29, aquando da Segunda Guerra Mundial, para além de ter participado em várias instalações de equipamento de aquecimento e refrigeração durante o mesmo período. Porém, não é pelas suas façanhas em prol da engenharia militar que este homem, nascido no estado do Iowa, entrou para os anais da história, mas sim por ter inventado o Chamberlin, um teclado que nada mais fazia do que tocar fitas pré-gravadas com amostras de som.
Tudo começou em 1949, quando Chamberlin, que para além de engenheiro também era músico, decidiu começar a gravar as músicas que tocava no seu orgão eléctrico para mandar aos seus pais, que na altura se tinham mudado para a Califórnia. Certo dia, enquanto se preparava para fazer mais uma gravação, Chamberlin teve uma epifania. Se conseguia estar a tocar no órgão com uma mão e com a outra reproduzir os sons do gravador, então por que não juntar isto tudo num aparelho apenas para que pudesse tocar qualquer tipo de instrumento, da guitarra ao trombone.
Para isso, o músico teve que juntar um número de fitas que equivalesse à quantidade de teclas do seu órgão, organizando-as por oitavas. Depois, arranjar uma forma de colocar a cabeça de reprodução da fita por debaixo da tecla, de forma a estabelecer contacto cada vez que tocasse uma nota (esta nota seria depois amplificada num altifalante). Por fim, conseguir que a fita rebobinasse e regressasse ao local de partida cada vez que se se soltasse a tecla. Concluídos estes passos, bastaria o músico dar asas à imaginação e “samplar” o que quisesse, desde instrumentos individuais a naipes de orquestra, desde que imperasse uma máxima maior: saber tocar órgão.
Dito assim até parece fácil, mas a verdade é que o seu criador levou anos até conseguir aperfeiçoar o equipamento, só o conseguindo mostrar ao público em 1956, na NAMM (National Association of Music Merchants). O sucesso foi imediato e o Chamberlim acabou por ser adoptado por alguns músicos que tocavam em espaços lounge de hotéis e casinos, contudo, algumas associações de artistas não acharam muita piada ao novo brinquedo do engenheiro norte-americano, pois a sua existência poderia colocar em causa a contratação ou não de mais músicos, bem como a redução de cachets. No início dos anos 60, um dos colaboradores que trabalhava para Harry a vender Chamberlins desapareceu com o modelo de exposição e nunca mais foi visto. Um ano depois, surgia o Mellotron, um órgão de bobines magnéticas muito semelhante àquele inventado em 1949.