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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 14/06/2022

“What you're about to hear is a crime tale”.

Baskiat & Sensei D.: “O storytelling no rap é algo que puxa, mesmo de olhos fechados estás a imaginar aquilo”

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 14/06/2022

Inspirado num conto de Luis Sepúlveda, mas indo beber aos maiores clássicos do cinema, The Ambush é o mais recente álbum em forma de curta-metragem pelas mãos de Sensei D. e Baskiat. Numa viagem com três partes que nos mantém presos ao assento do início ao fim, sem estar à espera do impacto brusco do plot twist final, estes mestres do “cream” mostram as peripécias do mundo que se esconde das sirenes e fardas azuis em 10 faixas de puro storytelling.

O Rimas e Batidas esteve à conversa com os dois principais intervenientes desta emboscada, para saber mais sobre o projecto, do caminho que levou do papel ao ecrã — passando pelo estúdio –, planos futuros e moral a deixar.



The Ambush é um álbum que acompanha uma curta-metragem, ou vice-versa, com uma narrativa bastante conceptual, um conceito bem fresco na esfera do hip hop português, onde isto é algo raro. Como surgiu esta ideia e este conceito? Quem chamou quem?

[Baskiat] Eu acho que não houve bem a cena de alguém chamar alguém, também já foi há bué, nem me lembro bem, sinceramente. Mas acho que simplesmente nós tínhamos a ideia de fazer uma track, ’tás a ver? A cena começou até por ser para uma mixtape do Sensei, acho, depois isso foi evoluindo, acrescentámos faixas e mais faixas e a dada altura tínhamos basicamente um álbum. Pelo menos é essa a perspetiva que eu tenho.

[Sensei D.]: Sim, eu lembro-me mais detalhadamente das coisas. Eu lembro-me de ver a faixa “I” do Baskiat e ele estava a rockar num beat da Griselda e isso chamou-me à atenção, porque também estava muito dentro quer do que eu estava a ouvir na altura, quer do que eu estava a produzir na altura. Na altura lembro-me que estava em constante rotação o LULU e aqueles projectos de Griselda que começaram a ter assim um maior impacto e a cena inicialmente até começou por eu pensar simplesmente: “Eu tenho beats deste género, vou enviar ao Baskiat”. Houve essa ideia de uma mixtape minha, mas, entretanto, comecei a girar mais beats ao Baskiat, lembro-me que isto foi mais ou menos na altura da quarentena. O  workflow do Baskiat também era relativamente rápido, eu enviava uns cinco beats e ele enviava-me dois ou três sons gravados, portanto a cena foi evoluindo assim muito rápido. E depois, paralelamente a isto, eu já estava com a cena de fazer um filme e como havia esta temática de crime nos sons que eu estava a fazer do Baskiat, as coisas começaram a encaixar-se nesse ponto. Até foi aí que eu decidi que o primeiro filme que eu gostaria de fazer seria uma coisa relacionada com crime porque até… vamos ser francos: são coisas que a nível de produção não são muito difíceis de arranjar; os nossos fardos de coca são farinha. Obviamente que houve uma vez em que fui ao Continente e trouxe de forma muito suspeita vinte pacotes de farinha [risos], mas, pronto, são coisas relativamente fáceis. As armas de airsoft conseguem-se arranjar no OLX, ou seja, são coisas acessíveis. Em termos de pessoas, à exceção do Tiago, são amigos meus e do Baskiat, que se juntaram e ajudaram ali a personificar a narrativa. Nós já tínhamos algumas faixas feitas, não todas, porque depois houve algumas que foram feitas de propósito para o filmes — quando partilhei a história com o Baskiat, ele teve de adaptar já não me lembro se foram dois ou três sons à narrativa desse filme. Uma que eu me lembro claramente é o final, quando contei ao Baskiat: “O final é assim: vamos ser apanhados”. Portanto a coisa foi-se construindo por aí… mas já foi há uns dois anos [risos] fazer um filme é duro e foi o primeiro que eu fiz [risos].

Foi um processo demorado, então, dois anos. A escrever guiões e tudo mais.

[Sensei D.] Pá, escrever guiões, arranjar localizações para gravar. Uma cena que eu tive em consideração é que a maior parte das pessoas que entraram no filme não eram actores e, portanto, quis evitar ao máximo estar a gravar diálogos, então a minha alternativa era arranjar esses diálogos o mais parecidos possível em filmes. Essa busca às vezes acaba por ser ainda mais exaustiva do que a dos samples. Os samples, às vezes, são uma coisa mais natural, quando tens um beat e sentes que falta alguma coisa vais à procura e de repente calha, agora eu preciso de um sample de uma gaja a discutir, demora-me bué a achar. E depois imagina, o dinheiro que nós arranjámos demorou seis meses a chegar…

O dinheiro falso usado no filme?

[Sensei D.] É um site mesmo de adereços para filmes, obviamente que vem lá da cochinchina, então nunca mais… e depois também há essa questão que é aquele pensamento: “Com o que nós temos agora, o que é que podemos ir filmando já?”, ou seja, houve muitas coisas em que filmámos o meio, depois filmámos o início, depois por exemplo o Tiago tem umas cenas em que está com barba e outras cenas em que está sem barba [risos], então tivemos de cruzar, porque o Tiago está a filmar outras coisas onde precisava de ter barba e depois precisava de voltar ao meu filme sem barba [risos], ‘tás a ver?

Esta é uma produção da Godsize Records, a label do Sensei, e neste filme podemos contar com vários artistas da mesma. Foi fácil convencer todos os intervenientes a desempenhar o papel de actores durante um tempo?

[Sensei D.] Não só todos aceitaram, como até menciono que o Mura e toda a família dele foram impecáveis. Filmámos na rua deles, no corredor deles, na casa deles e o people fica entusiasmado de estar numa narrativa que tem continuidade. No dia em que filmámos o “Land of Despair” — combinamos num fim-de-semana –, no fim o pessoal foi todo sair, tenta-se juntar as duas coisas. O gajo que caiu à água é um amigo meu que filma campeonatos de surf, ainda lhe mandámos uma GoPro para cima para ter aquelas filmagens [risos].

Para quem fica até ao fim do filme, quando os créditos rolam pode ver-se que a história foi inspirada num conto de Luis Sepúlveda. Querem revelar que conto é esse e o porquê dessa escolha?

[Sensei D.] Olha, era uma coletânea da Fnac de escritores latino-americanos. Apesar de eu já conhecer as histórias de alguns livros de Luís Sepulveda, aquela tinha mais aquela temática do crime e, pronto, é baseado num conto no qual tudo se passa à volta de um bairro, onde o personagem principal se inteira várias vezes com o degredo daquele sítio. Fala especificamente de um gajo que está sempre encostado e uma vez até o vê com uma seringa espetada num braço. Depois, no final da história, ele levanta o crachá e diz quem vai mandar para a prisão. Não sei se tem título exactamente, era todo um conjunto de contos.



Então toda essa parte de escrever o guião e produzir foste tu ou o Baskiat também ajudou?

[Baskiat] Não, não… [risos] a parte da produção foi toda ele.

[Sensei D.] Houve sempre obviamente aqui uma consulta com o Baskiat, do que seria possível fazer, até mesmo a nível de som. Foi fácil de trabalhar com ele nesse sentido porque foi on board com as ideias que tínhamos iniciais.

Ainda em torno da ficção, este projecto é rico em samples e referências a famosos clássicos do cinema como Taxi Driver, Goodfellas, The Godfather e Carlitos Way. Já em 2021 o Baskiat lançou “La Haine”, outro grande clássico, e Sensei D. usou, por exemplo, um sample de Forrest Gump em 2016 na sua música “Vivificat”. A vossa paixão por cinema é bastante óbvia, isso foi algo que estimulou esta parceria?

[Baskiat] Nunca tinha pensado nisso, por acaso, mas se calhar é capaz de ter sido uma componente que à partida até nos pode ter juntado.

[Sensei D.] E tenho ideia de que tu, para além da música, tinhas feito um curso a nível de cinema.

[Baskiat] Ya, fiz um curso de cinema.

[Sensei D.] Mas isso eu acho que está bué latente nos vídeos do Baskiat. Tu vês que ele próprio tem ali uma seleção de imagem e de corte do videoclipe que é bastante cuidada. Até te posso dizer, houve videoclipes que eu inicialmente lhe apresentei e ele sabia que aquilo ainda não era o 100%. E é engraçado porque isso a mim fez-me querer push it forward, ainda no outro dia estava a falar disso; há essa cena de eu saber que onde o Baskiat me disse que aquilo ainda não estava a 100%, eu hoje em dia sei olhar e dizer: “ya, ficou muito melhor”. E eu sabia que ele tinha esse requisito, ele já tinha essa bagagem e já sabia medir as coisas nesse sentido, não era um gajo que eu lhe enviava qualquer coisa e ele dizia só: “Ya, tá fixe”. E isso para mim também é desafiante.

E têm um top três de filmes preferidos? 

[Sensei D.] Tch… difícil, pá. Eu tenho um filme que digo que é o meu favorito de todos os tempos que é o Blade Runner. O primeiro. É um filme que eu já vi em criança, já vi em adolescente, já o vi agora em adulto e parece que é um filme onde há sempre algo novo em que eu reparo. E depois há outra coisa que é: consoante o estado da minha vida, aquele filme diz-me coisas diferentes.

[Baskiat] Eu acho que o mais próximo que eu tenho de um filme preferido é capaz de ser o La Haine, ou a cena mais clássica do Scarface. Mas eu gosto mesmo de imensos filmes, estes que estavas a mencionar que estão incluídos no álbum, por exemplo o Taxi Driver, também é um filme que eu adoro. O meu pai sempre me incutiu essa cena de ver filmes, sempre me mostrou bué cinema.

[Sensei D.] Mas, por exemplo, vê-se que o Baskiat tem algum conhecimento daquele cinema mais latino-americano e isso depois também nos deu uma bagagem fixe para construir o The Ambush.

Gostavas de fazer a sountrack para algum realizador em específico? 

[Sensei D.] Gostava… então não gostava. Mas não sei, porque imagina, depende do realizador.

[Baskiat] Pá, tinha que ser um David Lynch ou uma cena assim [risos].

Exacto, a vibe era mais essa, porque eu estava a pensar nos meus preferidos, o Tim Burton e o Wes Anderson e não estava a ver a encaixar [risos], talvez alguma cena da A24.

[Baskiat] O Wes Anderson… o último filme do Wes Anderson está espetacular….

[Sensei D.] Olha, aquele gajo que fez o Hereditário. Fazia na boa para ele. Para já seria fixe saltar de uma cena mais de crime e ir para outra completamente de terror, que também é uma área que eu adoro. Mas lá está, dependendo do realizador, também dependeria dos samples que eu iria à procura ou dos beats.

Samplas de vinil ou já vais mais para o digital? 

[Sensei D.] Neste momento não tenho preferência, é o que estiver à mão, se me apetecer ir ao YouTube, vou ao YouTube, se me apetecer ir aos vinis lá de casa, vou aos vinis lá de casa. Não tenho nenhuma restrição.



Durante todo o processo de elaboração deste projecto, que demorou dois anos, como estavam a dizer, houve alguma situação caricata no decorrer das filmagens que queriam contar?

[Risos dos dois]

[Sensei D.] Eu posso dizer que logo no primeiro dia de filmagens nós tivemos um episódio muito engraçado…

[Baskiat] Eia, bro… [risos]

[Sensei D.] É assim… obviamente a culpa é minha e é a ignorância de quem está pela primeira vez a fazer um filme. Há uma coisa que eu vou assumir: muito da produção deste filme foi conseguirmos locais de pessoas que conhecíamos, ou seja, eu evitei ao máximo autorizações.

Era o que eu ia perguntar, já tinham ideia estipulada dos cenários, um plano de: “Quero ir para o sítio x, especificamente”?

[Sensei D.] Toda a minha pesquisa de locais já foi nesse sentido, ou seja, pensar: “Aqui conheço não sei quem e é ok, aqui ninguém me vai chatear, acolá o que eu tenho para filmar demora dois minutos, mesmo que alguém venha uma pessoa safa-se”. Portanto, posso dizer que no primeiro dia fomos para um sítio onde não tínhamos autorização para estar, mas eu pensei que aquilo era um sítio onde as coisas fechavam, a partir de certa hora, e ficava deserto. Esse é o ponto número um [risos]: eu pensava que aquilo estava completamente deserto.

[Baskiat] O gajo já se está a justificar bué [risos], “vou-me justificar primeiro para não ficarem a pensar cenas” [risos].

Ele todo: “Pessoal do Rimas e Batidas, eu juro que não sou um criminoso”.

[Sensei D.] É que é só para perceberem o porquê de ter acontecido [risos]. Pronto, estávamos a filmar com armas de airsoft e eu não sabia, mas fiquei a saber nesse dia [risos], que a partir do momento em que essas armas saem para a rua elas têm que ter a ponta pintada de amarelo florescente, ok? E, então, nós estávamos a simular um assalto a uma bomba, bomba essa que eu também pensei que era daquelas que às nove da noite acabam o serviço. O que nós éramos para ter filmado era sair do carro, agarrar nas coisas, vestir a balaclava, contornar o carro e acabava aí a cena. Agora, obviamente que nós chegámos lá e o Gregz ficou logo todo: “Isto tem luzes espetaculares, isto dá para filmar aqui umas cenas do caraças!”, e nós em vez de termos filmado uma cena, filmámos 14, percebes? 

Saiu do plano…

[Baskiat] Por acaso é engraçado porque fizemos tudo até ao fim, estávamos a arrumar as cenas no carro, não íamos fazer mais nada!

[Sensei D.] Nada! E, pronto, acabámos de filmar. Agora olho para trás e houve uma cena em especifico em que era suposto atravessar a estrada e tirar a balaclava, mas lembro-me que precisamente dessa vez o Baskiat não tirou a Balaclava e atravessou a estrada assim e eu sei que nessa altura passaram carros por nós… Filmámos tudo o que nós queríamos, já estávamos a arrumar as cenas dentro do carro… e eu sinto um holofote [risos] e a primeira coisa que eu ouvi foi uns gritos que nem dava para perceber, até pensei: “Pá, quem é este gajo que nos está a pedir direções bué agressivo?”. Só depois no meio da luz é que eu consegui perceber que o carro dizia “GNR” e o que o gajo estava a dizer era: “Temos armas apontadas a vocês, todos para o chão!”

Que cena mais hardcore [risos].

[Sensei D.] Três carrinhas! Alguém viu, assustou-se e ligou e depois tivemos que ficar de barriga no chão, jipes, carrinhas, the whole nine yards, algemados, sempre de arma apontada [risos].

[Baskiat] Tivemos ali para cima de uma hora.

Como é que vocês descalçaram essa bota?

[Sensei D.] Eles perceberam que estava tudo descarregado, ainda bem que a Internet acaba por ser útil nestas coisas, viram que éramos artistas e que éramos uns parvos que fomos para ali fazer uma merda sem autorização. O melhor foi o Gregz algemado e o polícia, que por acaso também filmava casamentos, a falarem de câmaras [risos]. No final tudo acabou bem. Isto foi logo no primeiro dia, ficámos vacinados dali para a frente.



Foi o Gregz que filmou tudo. Como surgiu essa escolha, foi algo instantâneo?

[Sensei D.] Foi logo. Eu sinto que ele complementa a minha cena, damo-nos super bem. Já tinha trabalhado comigo no videoclipe do Mura e dos Macto também. O Gregz é daquelas pessoas que filma cada frame e parece que é um quadro, filma bué bem.

Sensei, andas a dar pistas desde 2017 em entrevistas sobre quereres pegar num artista e produzir todo um álbum para o mesmo e sobre o facto de que um dos teus sonhos seria fazer uma banda sonora para uma curta-metragem. Também já deste uns toques a este estilo de narrativa no teu álbum de 2007 Viagem à mente de Sensei D.. Podes dizer que este projecto agora é um sonho concretizado? Ficou como queriam ou mudavam alguma coisa?

[Sensei D.] Obviamente que se nós tivéssemos tido outras ajudas podia ter ficado muito melhor, mas conscientes da, vá, digamos, nossa “pequenez” e do que ambicionávamos, acho que ficámos bué satisfeitos. Também no do Mura já tivemos essa parte do audiovisual, graças a Deus conseguimos arranjar alguém com uma piscina com vidro.

[Baskiat] Eu acho que mesmo nos meus trabalhos pessoais, há sempre algo em que sinto que não está a 100%, sinto sempre que podia estar melhor, mas tem a ver um bocadinho com o meu perfeccionismo.

[Sensei D.] Posso dizer que a última cena foi a que andámos até à última a tentar contactar a polícia para tentarmos ter um carro deles para entrar no fim. Teria outro impacto, mas não conseguimos e a alternativa foi disfarçar o carro de um amigo meu o máximo possível, para se parecer com um carro à paisana. Fazer um filme também é um bocado isso.

[Baskiat] Se calhar tens uma ideia pré-concebida na tua cabeça de como as coisas idealmente seriam e vais sempre na busca de fazer aquilo, mas tentar fazer uma cópia daquilo que está na tua cabeça nunca vai sair igual. 

Algum dos actos é o vosso preferido? Porquê?

[Sensei D.] É assim, o primeiro eu sei que foi uma daquelas dicas que dei especial atenção, porque obviamente ia ser a primeira parte e poderia ter o maior impacto, então a nível de trabalho tenho algum carinho nesse. O segundo tenho muito carinho nesse porque tem os meus sons favoritos do álbum. A última também sinto carinho por causa de ser o desfecho. É difícil escolher.

[Baskiat] A minha resposta vai de encontro ao que ele disse. Imagina, no primeiro acto tu não tens tantas cenas relacionadas com a edição mais gráfica da imagem, que é algo que eu até enquanto público curto de ver, mas por outro lado a parte com a qual me relaciono mais a nível artístico até é capaz de ser a primeira.

Logo na intro, Baskiat, revelas que vais cantar o “Verdadeiro som das ruas de lx, sem filtros”. Acham que há muita romantização do que se conta, actualmente? Que faltam storytellers? 

[Baskiat] Eu não sinto que haja falta de storytellers.

[Sensei D.] Eu não sinto que haja falta de storytellers, mas existe sim a falta de uma componente audiovisual relacionada. E é engraçado porque eu lembro-me de ir no autocarro para a escola e ir a ouvir “O Recado” do Sam e a imaginar na minha cabeça como é que seria um videoclipe, ‘tás a ver?  Obviamente que o storytelling no rap é algo que te puxa, mesmo estando de olhos fechados estás a imaginar aquilo. Agora, como alguém que já esteve envolvido na produção de um filme, se calhar fazer “O Recado” era uma coisa relativamente simples, agora fazeres o “Anti-Herói” do Valete se calhar ficava uma cena complicada [risos], porque ele fala dos Estados Unidos e geralmente quando há essas coisas normalmente recorre-se à animação e mesmo assim a animação também não é barata. Mas o rap é algo muito cinematográfico.

[Baskiat] Há videoclipes hoje em dia que são obras de arte.

Completamente, como o do A$AP Rocky para o “D.M.B.“.

[Baskiat] Completamente! E o do Kendrick [“N95“]; são raros os shots que são repetidos e todos os shots são uma obra de arte. Esses dois foram os que me marcaram mais recentemente. 

[Sensei D.] Há outro videoclipe que penso sempre em referência, que é o “On To The Next One” do Jay Z, aquele videoclipe para mim é poesia, o que fazem com os cabos de microfone. Todo o videoclipe é incrível. O rap para mim sempre foi bué isso.



Ao longo do álbum, as únicas colaborações para além de vocês os dois são DJs como o X-Acto e o Kronic, mas em “Benny Blanco” temos a excepção e contam também com J.Cap nas rimas. Porquê esta excepção? Como escolheram as colaborações? 

[Baskiat] Eu já o conhecia a ele e às músicas e curtia bué, mesmo das cenas mais antigas, e na altura, quando estávamos a fazer aquilo, pensámos que poderíamos pôr alguém a participar e falou-se nesse nome.

[Sensei D.] A dica também foi essa, foi encaixar alguém que encaixasse com o style do Baskiat e que se enquadrasse com a temática do projeto e quando ele falou do J. Cap foi realmente o nome que achei que estivesse mais adequado à cena. Porque também não queríamos encher a cena com colaborações, mas aquele beat puxava bué, acho que é um beat que puxa por uma colaboração. E é sempre fixe no meio de um projecto com duas pessoas pelo menos teres uma colaboração.

Futuramente, já se pensam em mais colaborações? Queres revelar algo?

[Baskiat] Queres anunciar?

[Sensei D.] A Godsize está aí agora a trabalhar numa beat tape do Catalão, que vamos lançar em colaboração com a Lume. Estou também a trabalhar com o DarkSunn, nas rimas será o Mura e o Vácuo e vamos lançar também um grupo chamado Lázaros. Pretendo ainda fazer uma coisa também inteiramente produzida por mim, mas desta vez vou trabalhar com o Silab. Possivelmente temos interesse que este projecto culmine num filme também… e por mim, por enquanto, já chega [risos].

[Baskiat] Eu estou a acabar de lançar o meu álbum 50/50 que já está praticamente todo cá fora. Faltam umas faixas para finalizar.

Baskiat, tens o hábito de rimar em inglês, sei também que isso foi um problema com Madkutz quando se juntaram para “Penitência”. Aqui não sentiste isso, não é? Achas que foi porquê?

[Baskiat] Não sei, por acaso é uma boa pergunta. A cena sempre me saiu um bocado em inglês, não sei se é pelo estilo dos beats ou pela fase em que eu estava na altura, não sei. Imagina, é que a nível de escrita a cena sempre me saiu bué em inglês, porque eu sempre ouvi muito rap americano, então as minhas influências maiores são americanas. Neste caso simplesmente deixei fluir em inglês, se bem que há algumas partes em que rimo também em português.

[Sensei D.] Eu acho que até nisso, por exemplo, a adição do J.Cap foi fixe, porque o J.Cap desde o old school que é conhecido por isso: barras em inglês. Até nisso achei que fosse uma cena que ia encaixar mesmo bem no projeto. 

Eu, por mim, nunca dei essa dica, trabalho com artistas americanos também e a mim há bué pensamentos que me vêm à cabeça em inglês, aliás há muitas conversas onde me vem primeiro a palavra em inglês do que a palavra em português. O inglês sempre foi tão bem recebido que nunca fiz essa discriminação, obviamente que gosto de ouvir a dissecação da língua portuguesa como o Sam faz, como o NERVE faz, vejo isso como estilos, não obrigações. Temos os Mind Da Gap que no álbum mais importante deles o Ace fechou com uma faixa em inglês.

Há muitas menções de outros artistas neste álbum. Baskiat, na “M.o.b”, por exemplo, dizes que queres cantar tipo Ray Charles, falas de Pete Rock, Mac Miller. Sensei, não mencionas porque estás nos instrumentais, mas vi numa entrevista de 2018 que um dos teus primeiros contactos foi com o “Não sabe nadar” dos Black Company e que poupavas dinheiro do almoço da escola para comprar CDs e consumias muito rap britânico. Em que medida acreditam que as vossas influências vos moldaram? 

[Baskiat] Bué, mano, fogo… então não! 

[Sensei D.] Eu, obviamente, que tenho uma linha mais certa de beats, mas quando faço algumas variações e experiências são baseadas nessas influências que eu tenho. E é engraçado porque agora as pessoas estão agora a ouvir os beats do The Ambush, mas foram beats que eu já fiz há algum tempo, tenho outros beats alguns ainda mais dark, outros na mesma onda, mas agora estou muito inspirado nesta onda de DJ Muggs e Griselda, as dicas de Lee Scott, Cult of the Damned, estas ondas mais assim.

Deixa-me entusiasmada quando os rappers e produtores que ouço têm essas influências para trazerem essas vibes mais dark, raw de Griselda e cenas tipo Cult Mountain para o hip hop português.

[Sensei D.] Quando eu e o Silab nos sentamos os dois no estúdio, o nosso álbum-bandeira tem sido o Bo Jackson e o Price of the Tea in China, queremos ir para essas sonoridades.

[Baskiat] A mim, as influências também me moldaram bué, enquanto artista tento sempre fazer uma cena mais criativa e genuína a mim próprio possível, mas a cena das influências é algo quase subconsciente. Eu às vezes apanho-me a escrever, não digo a mesma barra porque isso é impossível e escrevo as minhas barras consoante o que vem à cabeça, mas depois vou ouvir um som qualquer que já não ouvia há não sei quantos meses e noto que usei uma palavra desse som que se calhar se não tivesse ouvido essa palavra aí não tinha usado. Algo muito específico que ficou no meu subconsciente e depois acabo por usar aquela palavra.

[Sensei D.] Isso acontece-me bué nos beats, há beats em que fico encalhado durante tempos e tempos e depois ouço um som que não ouvia há muito e de repente só penso: “era isto que estava a faltar!”

Uma curiosidade, Baskiat, também ainda sobre influências, fazes referência ao teu nome num dos sons, dizes: “Like baskiat on the draw, dont need no * trynna crown me”, sendo a coroa a assinatura do próprio Basquiat. Escolheste este nome artístico mesmo por causa do artista Basquiat? Tens uma admiração por ele?

[Baskiat] Isso nasceu porque quando eu era bué puto lembro-me de estar a passar da minha sala para o quarto e os meus pais estavam a ver um documentário sobre o Jean-Michel Basquiat e aquilo cativou-me, são cenas que ficam. As pinturas dele… eu nunca tinha visto uma cena assim, aquilo chocou-me, ver que aquilo era algo que as pessoas admiravam e viam como belas artes, porque aquilo no fundo era contracultura. Foi uma espécie de homenagem que eu quis fazer a esse artista e a esse momento.

[Sensei D.] Pessoas como Griselda e Basquiat trouxeram esta onda nova da art brut, esta arte que até parece que é suja e eu curto bué disso, da rugosidade das pinturas, acho que liga bué com a música hip hop. Esse também é um dos meus objetivos com a Godsize, não lançar só música, lançar filmes também, fazer também um livro, sair um bocadinho mais do formato de áudio. 

Todas as músicas estão orientadas para os actos a que se propõem, como é digno de uma boa soundtrack. Qual seria a banda sonora para um filme da vossa vida? Têm algum álbum que vos tenha acompanhado até hoje?

[Sensei D.] Eu lembro-me claramente que quando estava a produzir o The Ambush estava em repeat o LULU. Inclusivamente, há lá um sample que o Alchemist utiliza, do filme Paid in Full — aliás, o Lulu é um dos personagens –, em que ele está a dizer algo do género: “You know what this is?/ Yes, this is coke” que eu andei à procura em vários filmes para arranjar um diálogo semelhante àquele e disse: “nah, fuck it”.

Samplaste o sample [risos].

[Sensei D.] Qualquer coisa é em homenagem ao LULU, que eu ando a ouvir bué e ele é que me inspirou, é só este bocado.

[Baskiat] Para mim, o álbum que se destaca é o To Pimp a Butterfly do Kendrick Lamar. Esse para mim é um dos melhores álbuns de sempre.

Muitas histórias têm uma moral no final; mesmo se não tiverem há sempre algo que se quer passar para fora, com os projectos que são realizados. Lembro-me de ler que, por exemplo, quando fizeste a tua tape, Sensei, C-Beat-D Tape, pretendias emular os efeitos relaxantes da CBD. Com esta história, o que pretendiam passar?

[Sensei D.] Mesmo não querendo, as mensagens acabam por ser um bocado cliché. Aqui há aquela dica de que por mais que o crime pareça fixe vai sempre ter os seus downsides.

Que é algo que o Baskiat diz em “Never play (cautious)“: “teaching kids that they can watch, but ain’t gotta do what I do”.

[Baskiat] Exactamente!

[Sensei D.] E depois acho que é uma mensagem um bocado unilateral, não só do filme, mas na vida, que é: nunca subestimes ninguém. Nós ao longo do filme temos várias presenças do Tiago; já agora um grande shoutout ao Tiago que foi o único actor a sério e até ao fim do episódio eu quis que as pessoas estivessem a tentar descobrir e a pensar: “este gajo é bué incomodativo”.

A mim apanharam-me. Também nessa música “Never play (cautious)”, Baskiat, dizes “vim para devolver o rap, eles vão dizer que já lá ‘tava”, até repetes essa dica, quase que como a dar ênfase. O que pretendes trazer para o rap português? 

[Baskiat] Venho trazer a minha cena. Isto no fundo vem de uma necessidade de eu expor algo que eu já faço desde que tenho para aí 14 anos, sempre tive bué instrumentos em casa do meu pai, desde puto que tinha aquele interesse em brincar com instrumentos e baterias.



Depois de tantos trabalhos de produção com que já contas no teu repertório, Sensei, a que atribuis conseguires ainda inovar e trazer projectos continuamente inovadores, mas consistentes? 

[Sensei D.] Este trabalho, apesar de eu não ser um criminoso [risos] e apesar dos beats estarem associados a uma história de crime, é algo que eu sempre quis fazer e há de ser este caminho que eu iria seguir mais para a frente, portanto estou bastante satisfeito com esta linha de instrumentais que produzi.

Alguma vez pensaste em rimar? 

[Sensei D.] Não! [Risos] Não, nunca na vida!

[Baskiat] [Risos] Isto nunca se sabe o dia de amanhã, boy! Eu vou puxar por isso!

[Sensei D.] Vocês nem imaginam a quantidade de pessoas que eu tenho a fazerem-me pressão para eu rimar, uma cena estúpida, não percebo porquê [risos]. Obviamente que gosto da cena de fazer o álbum, gerir a label, fazer outros projetos, a vida também acontece, eu não me sento a ser produtor há meses, até é para isso que eu quero voltar a ter as minhas férias, para me sentar e ser só produtor, quanto mais ainda estar a rimar [risos].

[Baskiat] Por acaso, a maior parte das letras do álbum estavam escritas há quase dois anos, ou seja, no fundo, o grande processo depois foi o filme e a produção de tudo isso, porque já tínhamos a parte do álbum preparada. 

É dada grande atenção aos detalhes, que embora tenham sido filmados pelo Shotbygregz, de certeza que todos estiveram envolvidos na direcção. Há uma parte quase no final quando se descobre o chibo, onde aparece uma mão de tarot que foca nas palavras “love” e “hate” “tatuadas” na mesma. O que é mais difícil de balançar entre esses dois parâmetros aquando da criação? 

[Sensei D.] Eu acho que é sempre preciso um e outro para criarem, não só no hip hop, até na arte em si. Tu não crias só a partir de amor. Aliás, ódio dá-te coisas excelentes, eu sou a favor de todo o ódio e toda a violência em arte, em videojogos, em filme, desde que as pessoas não o pratiquem cá fora. Eu acho que a violência e o ódio podem dar excelente arte, música, pintura.

[Baskiat] As alturas em que eu sinto maior inspiração a nível artístico é quando estou nesses moods. É uma energia que tens que expelir e imagina, rimar num mic e tentar chegar àquele ponto de som que tu queres é uma terapia [risos]. Estar ali a gravar e a regravar, estás a soltar a cena.

[Sensei D.] Repara numa cena, a minha banda favorita de todos os tempos, os Rage Against The Machine, aquele som não era nada daquilo que é se não tivesse ódio por trás. O ódio é muito necessário para criar. Mas o amor também, isso faz falta, vivam, sintam as coisas todas para criar, não retraiam, canalizem.

O formato físico para este projecto é muito original também. A quem devemos atribuir o crédito? Estava já estipulado que ia ser um DVD?

[Baskiat] Foi ele, the man.

[Sensei D.] Já estava estipulado, sim, já foi com essa intenção.

E queres falar daquilo ali em cima? [obis por assinar]

[Sensei D.] Os obis são algo que eu importei para a Godsize, é uma coisa que existe mais na cultura do vinil. Na prensagem do vinil, havia uma muito pequena quantidade que era carimbada ou levava aqueles obis e como nós na Godsize também fazemos edições muito limitadas achei que seria engraçado cada obi ter a numeração.

E tudo junto forma uma imagem.

[Sensei D.] Ya, quando chegar até ao quinto lançamento os obbies todos juntos fazem uma imagem que foi desenhada pelo Trauma, que é um grande parceiro da Godsize. 

[Baskiat] E que também entra no filme. 

Vão estar esta quarta-feira, dia 15 de Junho, no Village Underground. O que podemos esperar dessa noite?

[Sensei D.] Vamos abrir com um artista da casa e outro soon to be artista da casa, Mura e Silab, e depois o espectáculo que vou dar vai ter as faixas as faixas do The Ambush, mas também vão contar com faixas do Baskiat anteriores ao The Ambush, fizemos um show misturado. E vai ter o suporte de vídeo, que vamos passar ao longo do set.

O filme acabou por aqui ou já se pensa em sequela? 

[Baskiat] Eu já disse ao Sensei e ele disse: “tenham calma”. [Risos]

[Sensei D.] A cena é: o que eu fiz foi o trabalho de uma equipa. Portanto, é uma coisa que gostei muito, mas que só quero fazer uma vez na vida, desgasta muito e obviamente eu não faço só isto da minha vida. Para fazer o The Ambush 2 teria de ter outros apoios. Posso, por exemplo, adiantar que o que estou a fazer agora com o Silab até já estamos a falar com um realizador.

Pois, porque eu nem imagino o trabalho todo de filmar, produzir e montar só numa pessoa.

[Sensei D.] Fica a uma nesga de um esgotamento [risos], posso-te dizer pessoalmente. Nós temos a ideia para um The Ambush 2, mas precisamos de apoios, se isso acontecer.

Haveria interesse em abordar outro tema, assim díspar deste?

[Sensei D.] Não, havia de ser uma vingança [risos], era uma vingança.

[Baskiat] À partida seria uma continuidade, pelo menos o que tínhamos falado até agora era uma sequela.


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