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Texto: Paulo Pena
Fotografia: @_simonsusername
Publicado a: 20/03/2023

O tempo é o melhor juiz.

AVAN GRA no Arroz Estúdios: é tudo uma questão de talento

Texto: Paulo Pena
Fotografia: @_simonsusername
Publicado a: 20/03/2023

Diz-nos a experiência que não é nos grandes (nos maiores, mesmo) palcos que se vêem os melhores concertos de rap. É, antes, nas caves mais inóspitas, a datas e horas inadvertidas, com pouca ou quase nenhuma gente para o testemunhar, que as grandes surpresas acontecem. Foi o que ficou, por exemplo, do teste no Com Calma, ano e meio antes da tão aguardada (porque, com eles, “é tudo uma questão de tempo”) revelação do álbum de estreia do duo AVAN GRA. Corta para o exame final, e a nota preambular mantém-se.

Quis a gestão desse tempo, feita por 90’S KID e Carracha, que a apresentação do álbum se fizesse já em 2023 — eles que apareceram, juntos, pela primeira vez nos últimos dias de 2020, com uma identidade e maturidade artística surpreendentes em, ironicamente, “SOMOS TÃO JOVENS SABEMOS TÃO POUCO” —, já com o alinhamento isoladamente desvendado, a dia 16 de Março, no Arroz Estúdios, em Lisboa.

Não há muitas mais razões que nos levem a Xabregas a uma quinta-feira à noite — tocar à campainha de um portão de chapa metálica, entrar numa espécie de armazém cultural escasso em iluminação e ficar de pé durante horas, praticamente às escuras, debaixo de um tecto, também ele de chapa metálica, destapado pelo fumo azul que emerge da zona central onde, sobre tapeçaria, as actuações decorrem — que não a de ver showcases de gente como Chakuth (Lily Kashūnattsu e Wake Up Sleep), Farrusco, Mura, O Partido (João Pestana e Uno) ou Bambino nos entretantos da inauguração oficial do primeiro volume da dupla de Mem Martins.

Aqui, quem sobe ao tapete tem de rimar. E numa noite de e para o underground, as caras — melhor, os vultos — são quase todas conhecidas, sobretudo as que, na primeira fila, se manifestam com maior entusiasmo frente aos irmãos de armas. É, também, da fila fronteiriça que saem uns para outros entrarem, num espírito que, a confirmar-se na forma apenas no pós-showcase dos AVAN GRA, se faz sentir desde o momento em que chegamos, já com Farrusco a meio da coisa: leva as tuas barras, cospe-as e passa o microfone. É assim com o intimidante mas carismático Farrusco, que, sob o comovente instrumental de Crate Diggs (também ele presente) disparado por saraiva — com um enternecedor saxofone que bem podia ser de Jeezas (também ele presente — e, por sua vez, interveniente a seu tempo) —, se move em câmara lenta por “Uma Espécie de Fumo Ninja” azulado; com o cada vez mais experiente e assertivo Mura a discorrer portefólio sem deslizes (com Vácuo, RUB e João Pestana na mesma frequência, prontos para “O Que For Preciso”); ou com O Partido — El Partiti!, gritam uns quantos militantes da causa — liderado por Pestana e Uno a darem real significado à por norma exagerada expressão “partir a casa toda” (e se a fasquia de um rapper ao vivo se guiasse pela performance de Uno, talvez restassem meia dúzia deles na nossa praça…).

Tanto que, chegada a hora dos anfitriões, Carracha reconhece a dificuldade de assumir o púlpito depois de um comício de tal forma mobilizador desta pequena mas expressiva massa (qual Soares na Fonte Luminosa), com o autor de Nenhuma História Acaba em particular evidência. Mas “Jogo de Cintura” é coisa que não lhes falta, e é precisamente essa a ginástica que enceta a coreografia alinhada para percorrer uma boa parte desse primeiro volume em celebração. Nineties vai contornando as falhas técnicas, a começar pela extensiva introdução do tema de abertura, um prolongamento que só “Máquinas” como a MPC — e o respectivo manuseador — permitem. E o cérebro compositor desta obra dividida em 16 fascículos de barras ora faz acontecer a partir da retaguarda, ora se chega à frente para ser ele acontecimento, enquanto o parceiro, autêntico animal de palco — tanto quanto Sassafraz, uma extensão do binómio AVAN GRA —, impõe a sua voz, cheia de soul até ao âmago, na condução da sessão. Estúdio está pago. Samples não compram. De resto, é tudo uma questão de rap.


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