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Fotografia: Sebastião Santana
Publicado a: 07/07/2022

We outside!

Rolling Loud Portugal’22 – Dia 1: em dia de tantas estreias, J. Cole saiu por cima

Fotografia: Sebastião Santana
Publicado a: 07/07/2022

[MAXO KREAM]

O primeiro dia é de testes. Um dos maiores festivais de hip hop nos EUA aventura-se pela primeira vez na Europa e, nessa travessia do Atlântico, escolhe ficar logo por Portugal. Um Rolling Loud em 2022 que esteve para acontecer já em 2020, não fosse uma pandemia instalar-se. Português é, no entanto, a língua que se ouve menos em Portimão por estes dias. Depois de mais uma edição do Afro Nation, a Praia da Rocha volta a receber festivaleiros nacionais e estrangeiros. Mas o inglês é o idioma dominante nas ruas, entre britânicos e norte-americanos que invadiram o barlavento algarvio para ver alguns dos mais sonantes nomes da cena rap à escala global.

À hora de almoço, Maxo Kream estranha a existência de bidé na casa de banho de um hotel lisboeta. É o segundo artista a subir ao Punx Stage, pelas 17h50, logo a seguir à inauguração deste palco, atribuída a Lon3r Johny. Mas a distância que separa Lisboa de Portimão não é nada para quem faz tours caseiras em que se tem de percorrer milhares de quilómetros entre estados.

Não foi um eventual atraso de Maxo Kream que nos fez chegar na recta final da sua actuação. Essa infelicidade deveu-se à organização — melhor, à falta dela — da “máquina” por detrás do festival. Eles bem avisaram no Twitter, em tom irónico (ou, pelos vistos, real), que ganhavam o prémio de “organização mais desorganizada”. E essa distinção havia de se confirmar na prática: confusão generalizada na área das acreditações (a primeira aventura passou por levantá-las), nas entradas (parecia haver mais portas VIP do que standard), no backstage (que não estava preparado para receber press nacional) e nas pulseiras (quantas são precisas para se poder fotografar um concerto?).

Ainda assim, os habituais contratempos iniciais são, geralmente, perdoados mal começa o primeiro concerto. Mas Maxo Kream não nos ajudou a entrar na boa onda que se espera de um festival à beira-mar. O calor algarvio das intermináveis filas à entrada fazia lembrar o clima abrasador do Texas. Porém, chegados, finalmente, à lateral do palco alocado ao rapper de Houston, percebemos que a sua actuação estaria a aproximar-se do fim — e que para trás não durou tanto quanto isso. A julgar pela recta final, em que Maxo mal canta por cima das músicas que passa e o público pouco reage às suas canções, o que ficou por ver não há-de ter sido muito diferente. Prestes a terminar, o autor de WEIGHT OF THE WORLD ainda consegue sacar um bom momento, a capella, a cantar verdadeiramente ao estilo (único) de Kream — o que só aumenta a desilusão de acabar com um vislumbre do que podia (e devia) ser uma prestação bastante melhor e expectavelmente memorável.

– Paulo Pena



[BAS]

Só quando Bas entrou em cena, após curtas exibições de K Charles, Ivorian Doll ou Danny Towers, é que a plateia começou a aquecer verdadeiramente. Era o primeiro grande nome do cartaz, mas, ainda assim, o público ia deixando muitos espaços vazios e dividia-se com o palco secundário onde Maxo Kream ainda actuava.

Preparado para uma plateia que não era efectivamente sua, a setlist soou a Verão e a energia sentiu-se adequada ao sol forte que ainda iluminava a Praia da Rocha e criava um ambiente de festa à beira-mar. “Live For” foi um dos primeiros pontos altos da actuação e levou algumas fãs entusiásticas ao palco, mas foi mesmo “[The Jackie]” que recebeu a melhor reação do público no que se adivinhava um cenário perfeito para o tema.

O concerto terminou com “Tribe”, mas, para espanto de muitos, J. Cole, que até encerrou o festival e que neste tema tem uma participação sua, não apareceu para celebrar um dos maiores êxitos do companheiro de estrada e amigo.

– João Daniel Marques



[M HUNCHO]

O homem da máscara sucedeu ao texano no Punx Stage e começou por seguir a mesma receita de Kream: a reunir uma turma britânica em clara maioria no recinto, M Huncho arrancou totalmente apoiado nas backs, enquanto o seu DJ (de nacionalidade portuguesa, haveria de anunciar mais tarde o rapper) grita “M Huncho na casaaaa”. 

Nos primeiros temas, apresentaram-se em palco dois hype men e nenhum rapper. Ambos atiraram linhas soltas por cima das faixas em rotação. Mas com a entrada de Nafe Smallz em cena, a declaração de amor de M Huncho a Portugal pela presença de sangue lusitano na sua comitiva, e a entoação do “Siiiiiii” (o primeiro de muitos — mesmo) ou o convite feito pelo DJ com “vamos fazer a festa, caralho”, a performance ganhou nova força e o trapper britânico conquistou em pleno a plateia, que foi atirando copos, chinelos e garrafas pelo ar.

– Paulo Pena



[AJ Tracey]

Os acessos facilitados lá foram descobertos e, a caminho do Loud Stage pelos bastidores, para ver a actuação de AJ Tracey, cruzámo-nos com Kali Uchis e Don Toliver, transportados num carro reservado para o efeito, virados para um sol já baixo a dourá-los. Até agora, ponto alto do dia.

No entanto, o rapper britânico apontado ao palco principal viria a elevar a fasquia de um dia até então morno em prestações. AJ Tracey foi o primeiro a cantar repertório próprio de uma ponta à outra sem recurso descarado a ferramentas vocais e, quando traz algumas das suas mais impactantes colaborações — “Rain” com Aitch e “Thiago Silva” com Dave —, a coisa aquece e o cenário começa a corresponder às expectativas criadas em torno de um cartaz tão cotado. A diferença entre os dois palcos acentuava-se a partir dessa hora, e surgia então o primeiro artista verdadeiramente preparado para um espectáculo desta dimensão.

– Paulo Pena



[DON TOLIVER]

Ainda não estava ninguém em palco e uma série de cogumelos insufláveis sobressaíam no plateau de um dos concertos mais aguardados da noite. O cenário remetia para o universo psicadélico de Astroworld, do qual o rapper também faz parte ao ser um conhecido associado de Travis Scott e da sua label, a Cactus Jack.

Foi o primeiro grande espectáculo do primeiro dia no cenário mais elaborado da estreia do Rolling Loud em Portugal. A performance, muito apoiada em vocais disparados pelo DJ, foi sobretudo visual e impessoal, mas intensa. Afinal, Don Toliver mal se dirigiu ao público e deixou a cargo do seu DJ a tarefa de motivar a plateia fatigada pelo sol e aquecida pela pirotecnia utilizada.

Ainda assim, e despido de todas estas responsabilidades, conseguiu ser um animal de palco enquanto saltava e rodopiava ao som de temas como “After Party” ou “Had Enough”, mas foi “Moon” – o tema que faz parte do alinhamento de Donda – que mais impressionou, mesmo por causa da interpretação a solo de Toliver. Despido de alguns efeitos, o cantor do Texas agarrou-se ao microfone para cantar a balada trap e captar a atenção de alguns ouvidos desconectados por culpa de tantas vozes de apoio e do auto-tune.

– João Daniel Marques



[RICO NASTY] 

O sol recolhe, a noite instala-se e uma brisa amena permanece intacta — a perdoar os outfits mais veranis, entre camisolas de clubes de futebol e basquetebol (os que ainda as usavam), calções de banho e biquinis. Don Toliver monopoliza a grande maioria dos espectadores, que correm pela primeira vez na areia do recinto, precisamente na altura em que Rico Nasty se prepara para tomar conta do Punx Stage. Recebida por não mais de umas poucas centenas (se tanto…) de aguerridos fãs, entra de mochila às costas pronta a contagiar a mais reduzida plateia da noite com a sua energia psicadélica. E a condizer com uma primeira fila composta por raparigas com cabelos coloridos, a rapper irreverente vai aumentando os níveis de intensidade do concerto com a ajuda de potentes graves a estremecer as colunas. 

Durante o show, a incidência de twerks por metro quadrado salta à vista, enquanto Flo Milli, que havia actuado exactamente antes de Rico, volta ao palco para pedir “pussy” e “money” ao lado da parceira, cuja atitude indomável se reflecte na resposta à medida por parte do público. Abraçam-se e despedem-se com mútuos “I love you“. Nobody fucks with these women.

– Paulo Pena



[JACK HARLOW]

Num dia em que, entre os grandes cabeças de cartaz, J. Cole era o maior, a presença de Jack Harlow — também inédita — fazia-se sentir cada vez mais improvável à medida que a hora de o ver no Loud Stage se aproximava. Mas essa hora lá chegou, não sem um ligeiro atraso. Afinal, o rapper do Kentucky já é uma estrela mundial e a dimensão da plateia que o esperava confirmava essa impressão. A fazer valer esse estatuto — que, música à parte, lhe assenta na perfeição —, Jack entra com a confiança nos níveis máximos e abre a festa com “Tyler Herro”. E melhor entrada não se podia pedir.

O carisma é inegável. A atitude é irresistível. O palco é todo dele. Mesmo quando a multidão entoa incessantes “Siiiiii” (que soam “Suuuuu”), não cai em falsas interpretações e responde “onde estão os meus fãs do Cristiano Ronaldo?”, perante as múltiplas camisolas do Manchester United, dispersas pela plateia, com o nome do jogador português.

T-shirt da Palace, número 5, cargo pants da Carhartt e os imprescindíveis New Balance 550 nos pés acompanham a smoothness que caracteriza a presença do MC norte-americano. De “Nail Tech” a “Industry Baby”, passando por “Whats Poppin” e “First Class”, o autor do insosso Come Home The Kids Miss You prova mais uma vez — e aqui ao vivo e a cores — que nasceu para conquistar arenas, mais do que estúdios. “Obrigadowobrigadow”, agradece na despedida. Esperemos que volte em breve, mesmo que só traga meia dúzia de bons temas.

– Paulo Pena



[RODDY RICCH]

Roddy Ricch subiu ao palco depois de Jack Harlow ter estabelecido uma fasquia bastante elevada, e só podemos dizer que não desiludiu. Ao contrário do antecessor, o rapper da icónica cidade de Compton apresentou-se com uma banda completa – a primeira a pisar um palco do Rolling Loud em Portugal. O conjunto fez a diferença e com arranjos virados para o rock e r&b assistimos a um discorrer de êxitos.

“Rockstar”, um original de DaBaby que conta com a sua participação, foi a segunda música do alinhamento e a mais intensa à custa do arranjo de influência nu-metal, que lhe conferou uma dimensão bem diferente ao vivo e com direito a um curtíssimo solo de guitarra. Mas este foi apenas um de vários momentos altos numa performance muito completa.

Fazendo juz ao nome, Ricch interpretou temas como “Every Season” com uma valente carga de diamantes ao pescoço que nos ia oferecendo a cada canção. “Die Young” foi um deles e acabou por representar o momento mais solene da noite enquanto um carrossel de fotos de artistas que iam de Notorious B.I.G a XXXTENTACION ilustravam os versos: “I don’t wanna die young/ I rather be judged by twelve, than carried by six/ I’mma go post bail, just look at my wrist / Tell me, why the legends always gotta die quick”.

À semelhança dos concertos até então, várias possíveis colaborações ficaram por se concretizar ao vivo. Desta feita o caso deu-se com “Lemonade” que não trouxe Toliver de volta ao palco para umas últimas rimas, mas deu uma segunda perspectiva sobre esse interpretado apenas alguns momentos antes desse mesmo dia. Só que, desta feita, o arranjo instrumental e tocado ao vivo fez toda a diferença.

Perto do fim, Roddy Rich não quis deixar de relembrar os encarceramentos de Gunna e Young Thug, apelando à sua libertação. E como um concerto desta dimensão não pode acabar num tom negativo, o rapper terminou com um dos maiores êxitos da sua discografia, “The Box”. 

– João Daniel Marques



[J. COLE]

Já durante a performance de Jack Harlow se avistavam alguns fãs menos discretos de J. Cole. Uma camisola com a inscrição “Forest Hills” e o número 14 denunciava um assumido admirador do autor de 2014 Forest Hills Drive. E essa era paragem obrigatória no roteiro de Jermaine Cole.

Não é, no entanto, por aí que o concerto mais aguardado (e o último) do primeiro dia de Rolling Loud arranca. Roddy Rich tinha abandonado o Loud Stage às 23h30, mas até J. Cole aparecer houve uma hora para furar fileiras à procura dos melhores lugares — depois de começar, não havia como trocar.

É então que, quase meia-hora depois da meia-noite, as luzes se apagam, as lanternas acendem-se e o fumo branco adensa-se no palco. Cole entra e confessa “‘about fucking time”. Uma estreia em Portugal ansiada há demasiado tempo. E é a Portugal que o rapper se dirige primeiro, a pedir aos portugueses para se manifestarem. O mesmo para espanhóis, alemães, entre uns quantos outros. Mas é o Reino Unido que ganha em população e, por isso, J. Cole faz paragem dupla em Londres: primeiro, com Bia, em “London”, que do Punx Stage passa ao Loud Stage a convite do grande protagonista da noite; depois, com Young Thug e Travis Scott, em “The London”, numa de várias colaborações assumidas apenas pelo próprio — assim como acontece em “a lot” (com 21 Savage) ou “Under The Sun” (com Lute e DaBaby).

Antes de chegar aos clássicos e aos temas mais badalados, as escolhas no alinhamento, alinhadas e oleadas ao pormenor com a banda, são tudo menos óbvias. Já num momento mais previsível, também Bas volta a palco (ele que havia sido um dos primeiros a pisar o Loud Stage), para cantar novamente “Down Bad” e “[The Jackie]” com o parceiro da Dreamville (com quem compete até no videojogo FIFA). 

Depois de momentos especiais vividos entre “Wet Dreamz”, “Love Yourz”, ou “p r i d e . i s . t h e . d e v i l”, “Middle Child” promete ser a deixa para Cole sair em grande. Mas ainda não é desta. “You know I’m just fucking with you”, provoca no regresso. O público não se fica e contrapõe “esta merda é que é boa”, enquanto Cole aponta o dedo para o céu — num déjàvu de “e foi o Éder que os fodeu” para Kendrick Lamar, na edição de 2016 do Super Bock Super Rock. Cole diz que o cântico lhe soa bem. Dispara “No Role Modelz” para uma última volta e sai, deixando a banda a tocar enquanto a multidão dispersa. Não está mau para tantas estreias num só dia.

– Paulo Pena


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