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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Jéssica Alves
Publicado a: 22/09/2021

Lá em baixo.

AVAN GRA no Com Calma: ar puro na clandestinidade

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Jéssica Alves
Publicado a: 22/09/2021

As sessões de rap clandestino estão de volta à capital. O regresso das noites de Lx Rap Clandestino, promovidas pela LUME Portugal (por intermédio de Max Pinto Ferreira, o produtor-executivo), foi feito Com Calma — neste Espaço Cultural sediado em Benfica, na Rua República da Bolívia —, e o primeiro concerto realizou-se no passado dia 17 de Setembro, com AVAN GRA a inaugurar o programa das festas que prevê ainda uma agenda preenchida para Outubro: Wugori no primeiro dia do mês, a comitiva UMRAP para dia 15 e Vácuo a fechar as portas no dia 29, com warm-ups intercalados nas referidas datas por saraiva e Catalão, horário fixo entre as 20 e as 22 horas e lotação limitada a 35 pessoas.

Com calma se esperava, então, o arranque desta reedição, uma descolagem para um voo inicial comedido, comandado pelo piloto 90’s KID e o co-piloto Carracha, eles que, apesar das poucas horas registadas em palco, apresentaram uma capacidade impressionante de elevar os tripulantes a bordo acima das nuvens.

Não obstante, desta vez a calma antecedeu a tempestade: saraiva, imperturbável, foi o responsável pelo aquecimento e fez subir gradualmente a temperatura da pequena e escura cave forrada a caixas de ovos e tapetes de ginástica, no interior do espaço subterrâneo escolhido para a primeira de quatro reuniões da resistance do hip hop nacional, através de uma selecção exaustiva e exímia de rap, ora português, ora internacional.

Já a tempestade, anunciada por DAMAZ MC no papel de host, instalou-se assim que a dupla se posicionou na sua área de acção, tal o ímpeto com que tomou a sala de imediato. Essa dupla, que por vezes se desdobra numa tripla chamou, desde logo, o terceiro elemento, Sassafraz, que se foi apresentando em momentos pontuais da actuação, não sem se manifestar continuamente da plateia, interagindo directa, frequente e intensamente com Carracha, que volta e meia atirava poderosos (e até mesmo intimidantes) “SASSÁÁÁÁ”s.

O formato trio manteve-se em grande parte do tempo, ainda que em rotatividade: por troca directa com a terceira roda da engrenagem de AVAN GRA entraram — a seu tempo — Yasmin Cardoso, numa breve participação, à boca de cena, de um tema inédito (que não foi revelação isolada durante o concerto — ainda há um álbum por estrear e várias faixas por ouvir) e Santana, não só para cantar a sua parte de “333”, mas também para auxiliar vocalmente, aqui e ali, e ainda para terminar a actuação sozinho, com tempo de antena alargado.

Também dentro do duo se encontrou a calma e a tempestade. A calma de 90’s KID, impenetrável enquanto rimava sentida e assertivamente, retraído na rectaguarda, por detrás das máquinas sonoras manuseadas por ele, distinguiu-o como um one man show no centro do teatro de operações. Por outro lado, a tempestade irrompeu na paixão furiosa com que Carracha se entregou aos versos e refrões, sem nunca (mas mesmo nunca) perder o controlo da voz e da afinação. Se em Nineties foi depositada uma confiança cega acerca do rumo a tomar na viagem, foi com Carracha que nos aventurámos a perdermo-nos pelos caminhos que este artista — verdadeiramente merecedor dessa designação — se libertou, em zonas melódicas improváveis e trilhos líricos ambíguos, vociferados de pulmões abertos, boca cheia e olhos arregalados, atirados à queima-roupa contra a serenidade de quem assistia.

Na realidade, as histórias que pintam, os episódios que contam, as mensagens que ora encriptam, ora desvendam, nada disso nos soa literal ou concreto. No entanto, é desses fragmentos e peças soltas que a casa AVAN GRA se vai erguendo, e as estacas que a seguram cravam na terra a verdade invisível à superfície. Afinal, é no underground que esta música respira e prolifera. E é por dentro que esta música, íntima, funda, acontece. 


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