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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 04/05/2023

Uma Página da História é a biografia oficial que foi lançada a 27 de Abril.

Ana Ventura: “O que eu queria era os Da Weasel a contarem a sua própria história”

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 04/05/2023

Depois de escrever a biografia dos Xutos & Pontapés e de assinar com Magazino o seu livro de memórias, a jornalista Ana Ventura atirou-se a um novo desafio: relatar a carreira dos Da Weasel, numa altura em que a banda estava de regresso com o concerto do NOS Alive. O resultado chegou às livrarias a 27 de Abril: Uma Página da História é a biografia oficial da doninha.

A iniciativa partiu da própria Ana Ventura, que desafiou a banda a abrir a sua toca. A autora entrevistou separadamente os seis elementos do grupo — João Nobre, Carlão, Quaresma, Guilherme, Virgul e DJ Glue — para montar um puzzle de memórias que, somadas, resultam na história oficial dos Da Weasel.

O livro conta com 564 páginas e tem uma estrutura de história oral, de discurso direto: ou seja, são os próprios Da Weasel que contam a sua história. Ana Ventura agiu como intermediária entre os músicos e os leitores e foi a responsável por organizar toda a informação recolhida e ordená-la de forma cronológica. Depois de entrevistarmos a doninha, que têm regresso marcado aos palcos a 14 de julho no MEO Marés Vivas, o Rimas e Batidas falou com Ana Ventura sobre Uma Página da História.



Quando é que ouviste falar pela primeira vez dos Da Weasel e passaste a acompanhá-los?

É engraçado, porque se tiver que puxar pela memória… Não me lembro qual foi o primeiro concerto de Da Weasel que vi. Não me consigo lembrar de qual foi a primeira canção que ouvi. É quase como se olhasse para trás, e é evidente que isso não é possível porque sou da mesma geração que eles — eu e o Carlão somos do mesmo ano — portanto é evidente que tive vida antes dos Da Weasel, mas parece que não tive. Eles estiveram sempre lá. Se me perguntares qual foi a primeira canção de que me lembro de ter tido algum impacto em mim, foi o “Todagente”. Lembro-me perfeitamente do teledisco.

Mas se calhar até já os conhecias antes.

Provavelmente já os conhecia, mas não sei, não faço ideia. Eles estiveram sempre lá, de certa forma. 

E essa relação enquanto fã, enquanto pessoa que gosta da banda, foi-se estreitando ao longo dos anos? Gostaste mais ou menos deles ao longo das fases da banda, acompanhaste-os sempre?

Sabes que a partir do momento em que entrei para o Blitz — e eu entrei em 1998, precisamente quando os Da Weasel começam a tornar-se maiores, após o 3º Capítulo, que é de 1997 — houve sempre uma pequena luta interna. Porque, como jornalista, se vais trabalhar uma banda, convém que sossegues o lado de fã.

Mas existia.

Existia… É a pessoa que gosta de música e que gosta daquela música em específico. É a pessoa que está a ver um concerto de Da Weasel sobre o qual não está a escrever e está a vibrar porque efetivamente gosta da banda. É curioso, e é uma coisa que escrevo no livro: entrevistei os Da Weasel umas duas ou três vezes durante o percurso da banda e achava que os conhecia. Achava que conhecia a obra e que os conhecia a eles também. E esse acho que foi dos lados mais engraçados desta viagem que foi o livro, eu perceber que não conhecia coisa nenhuma. Não conhecia nada e agora acho que conheço um bocadinho.

E estavas aqui a comentar há bocadinho que tens um amigo que te sugeriu esta ideia… Como surgiu a ideia para este livro, no fundo? Partiu de quem?

O cenário é: Casa do Capitão, setembro de 2021. Eu estava a acabar o livro do Magazino e tinha lá ido ver um concerto do The Legendary Tigerman. E estava com um grupo de amigos a beber uns copos e a pensar: “já estou a acabar o livro, não sei, agora se calhar não faço mais nenhum”. E um dos meus amigos diz: “o livro dos Da Weasel é que era”. E eu disse automaticamente: “estás maluco? Eles nunca vão nessa, esquece, não vai acontecer”. Mas a ideia ficou lá. E na altura pensei: “o que é que perco ao fazer a proposta? Não perco nada, o não já está garantido.” Então enchi-me de coragem e mandei um email ao António Marinho, quem habitualmente faz a comunicação dos Da Weasel e estava a fazê-lo para o concerto do NOS Alive. Aliás, liguei-lhe, a dizer que tinha esta ideia, e ele disse-me para lhe enviar um email. Mandei-lhe o email durante o fim de semana, num sábado à noite ou uma coisa assim, e pensei: “agora vai demorar sei lá quanto tempo…” E na segunda-feira, estou a caminho de fazer promoção para o livro do Magazino, liga-me o António Marinho a perguntar qual era a minha disponibilidade, como é que eu estava em termos de tempo e trabalho. E eu: “não, olha, a coisa está a ficar tranquila”. E ele disse: “então podes começar a trabalhar”. Portanto, foi no espaço de 24 horas.

Qual foi a tua reação?

Eu não queria bem acreditar. Mas essa pergunta é engraçada, porque não sei se estava mais incrédula nesse dia ou hoje, dia do lançamento.

Para o livro só os entrevistaste a eles, aos seis membros atuais da banda, e foi no formato de história oral. Foram logo dois pontos de partida que para ti faziam todo o sentido? Não houve dúvidas sobre falar com mais pessoas ou contar isto de outra forma?

Não, o que eu queria era ter os Da Weasel a contarem a sua própria história. Não queria ser eu a contar a história deles, porque se fosse eu a fazê-lo, não era exatamente a história deles. Era a história deles sob o meu olhar. Se houvesse outros interlocutores, também não seria apenas a história deles. Seria a história deles mais o percurso dos outros intervenientes.

E ficaria um livro ainda maior.

Ficaria, ou então eu cortava muitas coisas que eles diziam [risos]. Mas não, não valia a pena. E essa também foi a razão, foi logo decisão minha, nem sequer equacionei a possibilidade de falar com os membros anteriores da banda. Claro que a Yen Sung e o Armando Teixeira são referidos no livro.

Não só são referidos, como é tudo contado. São os protagonistas de muitas páginas.

Claro, e os Da Weasel de 2023 não existiriam se a Yen e o Armando não tivessem passado pelos Da Weasel. Mas os Da Weasel em 2023 não têm a Yen e o Armando, e o que eu queria era mesmo ter os Da Weasel de 2023.

Que são os Da Weasel de há mais de 20 anos. É uma formação bastante estável da banda. Li a entrevista que deste à Agência Lusa com o João Nobre, e disseste que não houve qualquer pergunta que eles tenham preferido não responder. Não houve quaisquer tipo de exigências da banda, do que poderiam ou não abordar?

Nada.

Liberdade total?

Liberdade total. É evidente que temi que eventualmente isso pudesse acontecer. Porque uma coisa é estarmos aqui os dois a conversar. Deixas-te embalar no diálogo e dizes tudo. E outra é, depois, quando vais ler aquilo que disseste. Então, confesso que houve alguns capítulos que, quando lhes enviei, ia com o coraçãozinho apertado. Mas eles não disseram nada. Não disseram “não respondo a isso”, não disseram “não vamos falar sobre esse assunto” nem “eu disse isto, mas agora retira”. Nada. As correções que fizeram foi no sentido de eu ter entendido erradamente o nome de alguém ou um determinado lugar. Mas, de resto, nada. Não mexeram em nada.

Fizeste as entrevistas separadamente e isso percebe-se ao ler o livro, até porque facilita muitas vezes a que as pessoas se abram. E o Carlão tem uma frase no livro, que é algo como: “Nós somos todos muito gajos, não falamos muito sobre as coisas”. Mas talvez não tenham sido bem esses os Da Weasel que encontraste. Foi difícil puxar por eles?

Acho que fui ganhando confiança e que isso também se nota um bocadinho no livro. Vais percebendo que eles se vão soltando. Alguns mais do que outros. Alguns estão logo, desde início, muito soltos. Mas há alguns que se vão progressivamente soltando. Evidentemente já havia um ponto de partida de confiança, mas é sempre um terreno sensível e há coisas mais sensíveis do que outras. Eu também acho que o facto de serem muito gajos e não falarem muito das coisas… Como eles não estavam a falar entre eles, mas estavam a falar comigo, também se permitiram falar indiretamente entre eles de muitas coisas que não tinham falado antes. Quero acreditar, até por muitas das coisas que entretanto me foram dizendo, que houve muita coisa que eles descobriram sobre os outros ao ler. 

Estavas a dizer que conhecias os Da Weasel mas afinal não conhecias assim tão bem e que ficaste a conhecê-los agora um bocadinho. Mas ficaste com uma visão de alguma maneira diferente sobre a banda e os seus membros? Ou reforçou as ideias que já tinhas?

Acho que acaba por reforçar e exponenciou. O lado da criatividade, em boa parte, mas, acima de tudo, o ato corajoso que foi a criação da banda. E a construção de um projeto que, se calhar, hoje em dia, no estado em que a música está em 2023, achamos que é uma coisa completamente banal, mas em 1993 não era. Esta ideia de mesclar géneros musicais era completamente impensável. Se eras de uma determinada tribo, eras de uma determinada tribo. Não havia cá misturas de coisa nenhuma. E acho que, se por um lado, foi isso que os distinguiu, por eles estarem a fazer efetivamente uma coisa diferente; acho que o facto de levarem essa coisa diferente para a frente acabou por colocá-los num campeonato também completamente diferente. E é aí que eles fazem a sua primeira página da história.

E é também muito aí que está o legado e a importância dos Da Weasel na música portuguesa? De serem uma banda de transição entre eras, de terem rompido muitas barreiras, nesse sentido?

Eu acho que, provavelmente só agora, 30 anos depois da formação da banda, é que nós efetivamente conseguimos compreender. Se calhar precisávamos de algum distanciamento para compreender. Nós sabíamos que os Da Weasel eram fundamentais na história da música portuguesa, mas até que ponto a obra deles, por exemplo, iria perdurar no tempo e continuar a fazer sentido? Se calhar só agora conseguimos compreender isso. Porque há sempre aquela coisa de como é que a obra vai envelhecer. Como é que a obra vai ser resgatada pela passagem do tempo. 

Até para as novas gerações. Neste caso havia mesmo uma nova geração.

Será que esta nova geração vai rever-se, na mesma, naquilo que eles fizeram não só em termos musicais mas também em termos líricos? Eu acho que, se houve prova no concerto do NOS Alive, é que, sim, os Da Weasel continuam a ter muito público e é muito longe daquela ideia saudosista. Não é o público do cheiro a naftalina que foi buscar as calças de ganga que vestia há 15 anos para mostrar que ainda cabia nelas. Não, é um público que está sedento desta energia, das palavras certeiras e dos ritmos impactantes que eles têm, e é mesmo incrível o legado e o posicionamento que eles têm na história da música portuguesa. É muito engraçado porque o Zé Pedro dos Xutos costumava dizer que — claro, ressalvando os géneros diferentes — achava que os Da Weasel eram os grandes sucessores dos Xutos. E, se formos olhar, eles fazem um percurso semelhante. Vêm do underground, chegam ao mainstream, tornam-se maiores do que tudo e mais alguma coisa. E depois conseguem, e agora nós sabemo-lo, serem transversais em termos de gerações. Acho que isso está reservado para muitos poucos.

E é curioso porque no livro eles admitem bastantes dúvidas sobre se ainda são relevantes, agora a propósito do concerto do Alive, quando obviamente que são.

Esse lado óbvio só existe para nós, não existe para eles. Se calhar, no final da noite do concerto do NOS Alive, eles ainda não tinham percebido bem o que lhes tinha acontecido. Mas quando eu faço as últimas entrevistas tinham passado alguns meses e eles já estavam outra vez a duvidar se continuava a fazer sentido, se o público continuava a querer ouvir Da Weasel e eu só penso: “Mas, como assim? Como é que vocês têm dúvidas disso?” Para nós que estamos de fora, é um “como assim?”. Mas se calhar também é essa a magia deles e isso é bom. No dia em que estiveres completamente confortável e a achar que és o maior da tua rua, se calhar na verdade só és o maior do teu prédio — e com sorte. 

De todas as histórias que estão no livro, de todos os pormenores — alguns já mais conhecidos, outros nem tanto — houve assim algum ou alguns que queiras destacar por te terem surpreendido mais? 

É uma pergunta difícil. Se calhar acabei por me forçar tanto a ter um distanciamento de imparcialidade que não sei se me deixei embrenhar nesses lados mais emotivos. Porque, repara, se não eu iria estar a condicionar as próprias entrevistas. Portanto, acho que não. Mas gostei de saber, por exemplo, que o João foi preso a seguir ao último concerto da banda. Coisa que nem o Carlão sabia [risos], e isso é engraçado.

Quantas entrevistas fizeste? Talvez não tenha sido o mesmo número de vezes com todos.

Não, não foram. Com o Carlão e o João foram nove vezes. No primeiro capítulo eles falam todos, mas quando se aborda a formação da banda, a maioria do diálogo é entre o João e o Carlão, e depois então o Quaresma também entra. Apesar de, e esse foi um cuidado que tive, nem que fosse com uma frase, eu queria que todos eles aparecessem em todos os capítulos. O Glue foi o que teve de me aturar menos tempo, devem ter sido umas quatro vezes. Foram assim umas 60 horas [de entrevistas], mas estou a fazer as contas por baixo.

Ficou muita coisa de fora?

Não ficou nada de fora.


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