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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/10/2021

Noutra velocidade.

Magazino: Ao Vivo é a história que vai para lá da leucemia. É “o sexo, as drogas e a música de dança”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/10/2021

Luís Costa, mais conhecido como Magazino pelo trabalho atrás dos pratos, é um nome que se tem tornado particularmente conhecido dos portugueses desde o final de 2019, quando contraiu leucemia e, mais tarde, COVID-19 num surto dentro do IPO do que levou a que fosse colocado em coma. Desde então, o DJ tem dado a cara pela doença e embarcado numa aventura que, muito pela campanha levada a cabo pelos amigos, fez com que Portugal se tornasse numa rara exceção à queda nas doações de medula óssea observadas por toda a Europa. Mas há muito mais Luís para além da doença. Há o Luís do “sexo, drogas e da música de dança” e é essa a história que está agora disponível em Ao Vivo, o livro que escreveu com a ajuda da jornalista Ana Ventura, publicado esta quinta-feira.

Há cerca de um ano, e motivado pelo amigo e radialista Rui Estevão a partilhar a sua história, o músico contactou Ana Ventura, cara que conhecera em festivais onde tocara por esse mundo fora e a quem louva o facto de “ser sempre a mais bem preparada em todas as entrevistas”. O teor da conversa é fácil de imaginar e a resposta foi um retumbante “sim, mas agora não”. Antes, Ana tinha que terminar o segundo volume da biografia dos Xutos e Pontapés, entretanto nas bancas. Mas a coisa acabou por correr bem porque, como conta a jornalista e escritora, “o Magazino decidiu manter-se entretido durante esse tempo e foi internado pela primeira vez no IPO, depois transferido para Santa Maria, entrou em coma… pensou que não tinha nada para fazer e decidiu criar mais conteúdo para o livro”, contou ao Rimas e Batidas em entrevista a três.

Este livro relata uma vida de 43 anos, relato esse que pode parecer prematuro e injustamente acelerado por uma doença dura e cruel, mas isso é para quem se esquece que “a primeira coisa que o Magazino cancelou quando soube que estava doente foi a maratona de actuações para celebrar os 25 anos de carreira”, relembra a co-autora.

Naturalmente, a leucemia teve um grande impacto na vida do artista e, desde logo, na maneira como o próprio consome música. Parte do trabalho de um DJ como Magazino é “diggar”, que é como quem diz, em bom português, escavar em extensas colecções de discos à procura de material para utilizar. Por força da quimioterapia, o DJ explica que “às vezes até custa ouvir música muito alto, choca-me o cérebro e até fico meio tonto”. Mas, adianta, “tenho feito música e já fiz com o Pedro Goya e com o Tiago Marques, que é meu vizinho e vive mesmo aqui ao lado”.

“Faço menos e toco menos música ao vivo mas há uma coisa que não mudou, que é o vício que tenho de ouvir música todos os dias à noite. Vou ao Discogs todas as noites e tenho esse vício já de há muitos anos de comprar música, aliás dá para perceber, não é?”, ri ao contemplar a parede forrada de discos que tem ao fundo da sala onde, em vez de uma mesa de jantar, tem os pratos e a mesa de mistura”.

“Passo ali no mínimo uma ou duas horas por dia, no Discogs. Sou muito digger e tento comprar música mais antiga, porque a música nova que sai todas as semanas toda a gente compra e tem acesso, mas a música antiga pode ter passado fora dos radares. Gosto muito de passar música dos anos 90-95, sobretudo se passou fora dos radares. Isso deixa-me dar um cunho pessoal aos meus sets mesmo com essa música que eu sei que nunca ouviram, provavelmente, e também nunca mais devem ouvir alguém tocar. Esse é o meu mote enquanto DJ”, explica.

Mas o maior impacto sente-se fora da música, como explica Magazino: “hoje relativizo tudo porque o que estou a passar é tão difícil e tão grave que às vezes até fico surpreendido comigo. Mesmo quando as enfermeiras me dizem que o resultado dos tratamentos não corre como seria de esperar a minha reação tem sido de perguntar pelo próximo passo e se podemos fazer um tratamento mais agressivo. Já pouco me amedronta e posso-te dar um caso em concreto que parece nada, mas pôs alguns dos meus colegas em pânico. Para a festa de sábado [que de resto assinala o regresso de Magazino à cabine] precisamos de um cabo de 100m que não tínhamos e quando entrou tudo em pânico posso-te dizer que aquilo não me fez mesmo nada. Liguei para uma pessoa e arranjei o cabo. Se fosse há três anos também tinha entrado em pânico. É uma coisa minúscula, agora vejo isso”.



Mas como faz questão de reforçar em todas as entrevistas que dá, há um lado menos negativo da doença e um deles tem impacto directo na obra de Magazino que poderá ser presenciada já na próxima atuação. “Eu tocava música entre 122 a 125 batidas por minuto, quase sempre, entre o house e o techno. Mas eu agora ouço os discos nesses BPMs e não os sinto… Eu sinto-os se os tocar entre os 128 e os 132 BPMs, que é bem mais acelerado e isso tem a ver com um facto curioso: este tempo que estive em coma e nos cuidados intensivos estive sempre ligado a máquinas e via as máquinas dos outros pacientes no meu quarto sempre ali a contar nos 80 ou 70 batimentos cardíacos por minuto, e a minha máquina estava sempre nos 120, 130, 140… Isto era porque eu, mesmo na cama, estava sempre a tentar fazer fisioterapia para acelerar a recuperação”.

Munido de um cabo de vassoura e dois sacos de soro, Magazino exercitava diariamente os braços e o corpo para lá dos horários da fisioterapia numa vontade inabalável de retomar alguma normalidade, o que levava o corpo — debilitado por meses de coma — ao limite. “Depois de ter o coração sempre a bater nessa velocidade a música que tocava antes não me soava tão bem e começou a soar melhor quando passei para os 130 BPMs, mas muito melhor!” Por isso, promete, a actuação que vai levar a cabo este sábado mostra um Magazino “mais acelerado e, sobretudo, mais épico” numa tendência que remonta à infância recheada de música clássica por influência do pai.

No amor pela electrónica, Magazino dá primazia “aos picos e à epicidade também muito própria das obras de Beethoven, Schubert ou Wagner”, ainda bem presente na vida do DJ através de uma colecção de 100 discos dedicada aos maiores compositores de música clássica que herdou do pai.

Mas “Ao Vivo não é um livro de histórias. É ‘A História’”, explica Ana Ventura antes de acrescentar que “aqui não ficou nada por dizer (…) nem o nome das ex-namoradas”. Dividido em três grandes capítulos, o livro explora primeiro “o Luís enquanto pessoa, quando jogou no Vitória, quando foi assaltado em Setúbal, a chegada a Lisboa e a passagem por Barcelona e pelo Porto, as namoradas…”. Já o segundo capítulo é dedicado ao Magazino: “a carreira, a Bloop, os amigos e colegas do DJ e acaba precisamente no último concerto”. Por fim, no terceiro capítulo é abordada “a parte da luta” contra a leucemia.

Ainda assim, há sempre espaço para episódios como este: “Houve um ano em que fui com o DJ Vibe tocar a um festival no Brasil por altura do réveillon. Fomos para o Brasil no dia 31 para tocarmos no dia 1 de Janeiro, já depois de termos feito duas actuações cada um na noite antes. Foram 10 horas de viagem de avião e mais seis numa pão de forma por estradas de areia na selva. O motorista estava cansadíssimo, então pusemos o manager do Vibe ao volante e tirámos o Picanço (que é um brilhante nome para um motorista, diga-se) para que descansasse um pouco. Depois, quando havia uma bifurcação acordávamo-lo e ele, sem GPS e só a olhar em redor e para as estrelas, indicava-nos a direção. No caminho encontrámos uma estação de serviço e obrigámo-lo a beber dois cafés que ele não queria nada, para poder conduzir o resto do caminho. Ao fim de pouco tempo de retomarmos caminho ele encosta numa valeta e leva a mão ao porta luvas. Estávamos no meio da selva, noite cerrada às duas ou três da manhã no Brasil… achei que íamos morrer ali. Para minha surpresa ele tira um rolo de papel higiénico e vai fazer o que tem a fazer. Nunca o devíamos ter obrigado a beber café”, relembra com um sorriso no rosto.

De qualquer forma, a história de Luís Costa ainda não está toda escrita e poderia até abrir um novo capítulo já este sábado, quando voltar finalmente a ser Magazino atrás dos pratos na festa da Bloop Recordings, das 14 às 23 horas, na Piscina Olímpica do Restelo. A acompanhar o seu regresso aos palcos vão estar DJ Vibe, Rui Vargas, José Salvador, João Maria, Maria Calapez, Cruz e Ana Benvinda.


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