Na Primavera deste ano, algumas semanas após o lançamento do seu mais recente álbum, Soma, Branko dizia numa entrevista publicada na Mensagem de Lisboa que a cidade deveria celebrar mais a sua “música misturada” e os diferentes marcos culturais que vão construindo este imaginário. Ora, foi precisamente isso que Branko se propôs a fazer na noite desta quinta-feira, 28 de Novembro, quando celebrou os seus 20 anos de carreira com uma performance no Coliseu dos Recreios, sala emblemática de Lisboa.
O ponto de partida foi um prólogo, orquestrado entre as percussões de Iúri Oliveira, colaborador precioso de Branko que voltaria a pisar o palco para outras interpretações; e a palavra dita de Kalaf, companheiro nos Buraka Som Sistema e nos primórdios da editora Enchufada. Logo aí Branko mostrava ao que vinha: um concerto especial, irrepetível, recheado de convidados, que ultrapassava em muito as fronteiras de um DJ set.
Ao longo da noite, Branko apareceu sobretudo com a formação que compôs para a tour deste álbum, ao lado de Ola Mekelburg (teclado) e Danilo Lopes (guitarra). O alinhamento percorreu temas dos seus vários discos, não se focando apenas no novo álbum, fazendo a viagem no tempo até OBG, Nosso e ATLAS.
Iluminados pelos holofotes, alguns dos convidados foram aparecendo nos camarotes para interpretarem as suas canções, como Cachupa Psicadélica ou ÉLLAH, posicionamento que talvez possa ter causado alguns atritos no som. Outros tornaram-se verdadeiros anfitriões no centro do palco, como Dino D’Santiago e Carlão, ajudando a fazer a festa, puxando pela multidão, juntando outros pelo caminho, como June Freedom, Teresa Salgueiro e a dupla de Yeri & Yeni. E tantas outras vozes ressoaram pelo Coliseu dos Recreios, lembrando a amplitude e o impacto da carreira de Branko — inúmeros convidados que, por uma razão ou outra, não puderam estar presentes, mas que deixaram a sua marca no percurso deste músico e também nas duas horas deste concerto.
Tal como tem acontecido ao longo do seu trajecto, Branko foi sempre mais um aglutinador, alguém que une e constrói — que soma. Ao longo da noite, desdobrou-se em múltiplos agradecimentos, deu ênfase aos outros (“Sem Da Weasel não teria havido Buraka”, disse a Carlão), sempre com uma postura muito horizontal e de comunhão, não reclamando um protagonismo que naturalmente lhe era merecido, sobretudo naquela noite. “Acima de tudo, isto é uma celebração de Lisboa”, atirou o músico.
É a vitória da Lisboa de que tanto se tem falado nos últimos anos e que cada vez tem maior expressão cultural: a capital da mistura, de uma sociedade sem barreiras nem fronteiras, aberta e diversa, com influência das periferias na cultura pop central. É claro que, enquanto se manifesta esta visão da cidade, outros tentam miná-la e há muitos que ainda não se revêem nela. Mas o combate também se faz precisamente desta forma, através do optimismo, da construção, do amor.
Enquanto arquitecto maior desta cena, a consagração de Branko — que já começou há muito tempo e que ultrapassa o Coliseu dos Recreios, mesmo que esta sala tenha um valor simbólico acrescido — é também um triunfo para a cultura clubbing, para o reconhecimento das muitas electrónicas, que tantas vezes se mantêm subvalorizadas.
Num segmento próximo do final, o DJ e produtor desceu do palco, furou a plateia e instalou-se na régie, no meio do público, para evocar o ambiente nocturno das Na Surra ou Hard Ass Sessions, festas históricas que foram tão ou mais importantes que os discos para solidificar um percurso artístico individual mas, sobretudo, um movimento cultural mais abrangente. Esta foi uma noite importante para continuar a construir essa mitologia da cidade, para quebrar divisões e aproximar públicos, para fortalecer alicerces que, no futuro, darão origem a novas casas artísticas e culturais.
O percurso de João Branco Barbosa é essencial para contar a história da música portuguesa contemporânea, desde as portas que Buraka Som Sistema escancarou à “Nova Lisboa” que Dino D’Santiago profetizou. Como todo o espectáculo transpareceu, esta foi uma celebração maior do que Branko e que urge concretizar dia após dia — pois, como já todos nos apercebemos nestes 50 anos de democracia, nenhuma conquista está garantida e a missão tem de continuar.