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Publicado a: 01/02/2017

#ReBPlaylist: Janeiro 2017

Publicado a: 01/02/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

Primeiro mês do ano, primeiras escolhas da equipa ReB. Janeiro trouxe novidades de todos os quadrantes que rodeiam as rimas e batidas e os artistas “premiados” pela mão sábia da nossa redacção são o reflexo disso mesmo: o hip hop nacional, a música de dança mais à “esquerda” ou a cantora de r&b mais conotada com as novas tendências.

Para abrir o apetite para o longo ano que temos pela frente, fiquem com uma selecção cuidada e curada pela equipa ReB:

 


[Jlin] “Nyakinyua Rise”

Ao longo do último par de anos tem-se verificado que uma facção considerável da música de dança mais fascinante do momento tem tido um toque feminino. Dawn Richards no R&B, Nídia Minaj na batida ou Beatrice Dillon na experimentação mais abstracta; uma a uma, elas encarnam exemplos que sugerem uma desejada ainda lenta, mas evidente, evaporação de uma longa era de misoginia na indústria musical (que se encontra na ordem do dia). Fazendo justiça a este quadro, inclua-se a norte-americana Jlin, talvez a mais inovadora força no footwork actual – e suas derivações ainda por cartografar.

O disco de estreia Dark Energy continua a soar pujante e necessário como em 2015, ainda cheio de detalhes e propriedades mágicas a cada audição. “Nyakinyua Rise” aterra, vinda de outra dimensão certamente, nesta recta inicial do ano como uma pista fortíssima para o que aí pode vir. Em menos de quatro minutos, esta é uma real lição de gestão rítmica e engenho criativo, como poucas. Escutam-se cantos tribais de uma África em chamas e um pulsar na drum machine que tanto se tem de paranóico como de consciencioso. É perante esse curioso limbo que o seu trabalho exalta fulgor e faz de Jlin uma daquelas vozes impossíveis de não acompanhar nestes tempos incertos de alienação vs contestação.

Nuno Afonso


[Tilt] Karrossel, Karma

Os últimos dias de Janeiro viram florescer um novo EP de Tilt. Uma espera longa para quem tinha ficado entusiasmado com o impacto de ACC/CDM, pontualmente alimentado com participações que o rapper da Margem Sul foi somando nas mais diversas ocasiões.

Tal como o seu antecessor, Karrossel, Karma é um manual de boas maneiras na prática da escrita. É um momento de reflexão do homem moderno que, em jeito de ensaio, expõe a sua visão acerca dos ciclos da vida do ponto de vista dos ensinamentos orientais. Toda a acção tem uma consequência, nem que seja sob a forma de uma espécie de juízo divino, que irá definir o resto do nosso caminho com uma reacção kármica.

Tilt deambula por 6 instrumentais, meticulosamente seleccionados, doseando rimas moribundas que nos fazem encarar a vida como um “rock progressivo com um ácido debaixo da língua”. Com destaque também para o estreante Muka, que soma duas intervenções de bom nível, uma delas a solo no tema de encerramento, “Fantasma”.

Gonçalo Oliveira


[Missy Elliott] “I’m Better” feat. Lamb

O presente – e, quase que se pode garantir, o futuro… – não pode ainda descartar Missy Elliott, como “I’m Better” deixa claro. Neste tema que conta com a participação de Lamb, produtor, MC e compositor com que Missy tem trabalhado em parceria nos últimos anos, Missy volta ao seu terreno favorito, uma área em que se cruzam fantasia e exuberância visual, espírito lúdico em derrapagem, tecnologia e uma visão particularíssima das leis do ritmo. Missy não é uma liricista e não será dela que deverão esperar cocktails molotov de palavras de consciência política capazes de incendiar a realidade. Mas Missy tem uma visão própria do rap, conseguindo com as palavras fazer coreografias semânticas semelhantes às que depois traduz física e visualmente nos seus sempre inovadores vídeos. Venha agora o álbum. Está na hora.

Rui Miguel Abreu


[Slow J] “Pagar as Contas”

Não vos acontece ouvir a música certa no momento certo? Há quem diga que não existem coincidências, mas a realidade é que me acontece, constantemente. “Pagar as contas” de Slow J foi uma dessas músicas que nos atingem como um estalo bem dado de que não estávamos à espera. Não que Slow J não tivesse avisado. Aliás, as mensagens nas músicas do rapper são sempre um murro de realidades para onde não queremos olhar e pensamentos que não queremos ter. Quinta-feira, um daqueles dias em que já só se anseia pelo fim-de-semana, bem cedo antes de ir trabalhar para pagar as contas, lá estava online a faixa que aumenta e bem o burburinho em torno do The Art of Slowing Down.

Escrito, produzido e gravado pelo rapper, o beat não foge à identidade a que Slow J já nos habituou. Está presente o trap, mas também uma sonoplastia que nos transporta, mesmo sem ver o vídeoclip, para o “ram ram” do dia-a-dia, para uma rotina repetitiva de pagar contas. Vários tipos de contas, também as do destino. Aliás, a expressão “pagar contas” é esmiuçada, somada, subtraída e dividida não só por Slow J, mas também por Gson e Papillon. Primeiro as barras de Slow J que reforçam o refrão em que canta que “contas com quem és, quando és só tu contigo”. A voz e o ritmo no débito de rimas já não nos é estranho. Já Gson foi, para mim, uma novidade e uma surpresa. O rapper do coletivo Wet Bet Gang fala do jogo de apostas, mas também “da mamã que bule desde as sete, às sete e às sete se não estiver no bules depois o cheque não chega”. E que isso lhe permite estar a trazer o “Tupac à década do rap trap”. O flow do rapper não passa de todo despercebido e exponencia o single já incrível. Papillon, o último a rimar, não desiludiu. Já se conhece o olhar crítico do rapper do quinteto GROGNation e também o ouvimos, de pulso firme com Zeca Afonso ao fundo, em Maio de 2016 a solo com a música “Terra Prometida”. Em “Pagar as contas” sublinha o facto de pagarmos por tudo e mais alguma coisa, “banca a paz, o amor e a liberdade. Banca o gás, a água e a eletricidade”. E, apesar de sonhar em “chegar a Barack”, acredita que “até no céu um gajo vai ter que prestar contas”.

Não vi quem se tivesse poupado em partilhas e elogios. A acabar o mês, esta é para mim a melhor música de Janeiro. Pela sonoridade, pelo ritmo das palavras e sobretudo pela mensagem. Ainda assim, Slow J, as contas ainda não estão pagas! Falta o novo álbum.

Alexandra Oliveira Matos


[Kehlani] “Everything Is Yours”

SweetSexySavage, acabadinho de sair, não é um grande álbum, nem Kehlani tem uma grande voz (e, nos melhores momentos, soa quase sempre a uma versão inferior à de Jhené Aiko, sobretudo em Twenty88, o seu último e excelente álbum colaborativo com Big Sean). Apesar do destaque que tem merecido por parte da imprensa, Kehlani parece ser mais um daqueles casos em que, só pela circunstância de o r&b e o trap estarem hoje na ribalta, qualquer artista que apareça a fazer música nesse registo é de imediato rodeado da maior atenção. Todavia, a californiana consegue, aqui e ali, ir sacando alguns momentos realmente bons, para o que muito contribui a overproduction – aqui até não num sentido negativo, mas no de produções opulentas e bem orquestradas – que a suporta. SweetSexySavage tem muito do r&b contemporâneo mais descartável que se faz actualmente (excepção de primeira água: Alexandria e o seu Rebirth, 2014), e, insisto, noutros tempos (que não nos de endeusamento do R&B em que hoje vivemos), seria rapidamente posta de lado. Ainda assim, a sequência composta por “Personal”, “Not Used To It” e “Everything Is Yours” é um pequeno oásis no meio de tanta chiclet, assegurando 12 minutos realmente prazerosos (vá, “Keep On” também merece louvores). “Everything Is Yours”, em particular, é, talvez, a melhor dessas três canções, um lamento resignado sobre o primeiro amor, esse que doesn’t live here anymore (e que, pormaior decisivo, não é necessariamente o amor ingénuo de juventude, pois pode surgir aos 15 como aos 30). É nessa dualidade, nesse (frágil) balanço entre a saudade por esse amor (“Thinking ‘bout things that I shouldn’t be (…) / Missing all that when I shouldn’t be”…) e a aceitação pacífica do seu irremediável fim, visto já à distância, já como “memória”, que reside a força da canção e a sua dimensão semi-trágica – semi porque não há aqui tristeza profunda, nem, porém, optimismo em excesso, apenas conformação. Enfim, apenas a melancolia de lermos, retrospectivamente, uma felicidade extrema nesses momentos idos (que já são “acontecimentos”, “factos” que, numa conversa com alguém, incluiremos nas “relações” que tivemos…) em simultâneo com o reconhecimento de os sabermos já – para o bem e para o mal – definitivamente encerrados. A isto se chama, dizem, “crescer”, “maturidade”, palavras, contudo, que bem poderão, mais tarde, vir a fazer ricochete em nós mesmos: voltaremos algum dia a conseguir dizer a alguém, com o mesmo arrebatamento, com a mesma abnegação… “Everything is Yours”?

 

Francisco Noronha

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