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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/02/2022

É para dançar. Passem a mensagem.

Yawn Society: “Nós gostamos de mostrar ao ouvinte que ele gosta de algo que não sabia que gostava”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/02/2022

Num mundo de divisões e subtrações, os Yawn Society dão-nos Soma, o promissor trabalho de estreia de um trio que une jazz, drum’n’bass, dubstep, glitch e algumas décimas de rap. Parece uma conta daquelas que nos põe a coçar a cabeça, mas Duarte Reis, Gonçalo Diogo Morais e José Veiga (aka ZZY) explicaram-nos, calmamente, todos os passos deste processo criativo, não só de adição, mas também de escuta, partilha e muita diversão. 

Os planos para levar Soma a palco, os reflexos da sociedade no projecto, a história não falada que está presente no EP e o estado do “novo” jazz nacional são alguns dos temas de uma conversa que ensina a ouvir o outro, a respeitar a diferença e até a ter curiosidade perante aquilo que se pensa não gostar. 



Soma é um EP tão distinto, que inevitavelmente tenho de abrir a entrevista a perguntar: como é que este projecto, e esta ideia de misturar jazz e electrónica, nasceu?

[Duarte Reis] História grande [risos].

[Gonçalo Diogo Morais] Basicamente eu apareci num gig de jazz do Duarte e acabámos por conversar um pouco durante o intervalo, falámos sobre música para jogos, que era algo que estava a fazer na altura. Ele depois convidou-me para irmos até ao estúdio dele, fazer uma jam, criar umas músicas e as coisas simplesmente pegaram daí. Nessa altura, o Duarte já fazia música com o Zé, eu acabei por cair lá meio de pára-quedas. E, pronto, aquilo que agora é a “Watching You” nasceu logo desse encontro, foi a primeira coisa que começámos a tocar. 

Vocês os três, então, partilham um passado no jazz? 

[DR] Não, não. Eu estudei clássico, depois também jazz, mas, no início, a minha formação foi no clássico.

[GDM] Eu estudei jazz e música moderna e o Zé…

[José Veiga] Eu estudei “clássico”, porque eu nem estudei clássico… tive umas aulas de piano, em que era péssimo, era um baldas. Onde depois estudei música foi na ETIC, e foi na música eletrónica que comecei. Mas aparte disso sempre tive outros interesses, consumi muito música clássica, muito mais até que jazz. Este até acabou por entrar mais na minha vida por influência deles os dois, se calhar se estivesse sozinho não iria para o jazz. O meu input no projecto acaba por ser a música electrónica. Claro que eles dominam a parte do instrumento melhor do que eu, mas acho que é algo que também temos em comum, todos tocamos um instrumento, seja no jazz ou noutra coisa. O gosto que temos pela música acaba por ser o que nos une, e acho que isso acaba por ser algo que se reflecte nos Yawn Society, porque não há propriamente um estilo, não há uma gaveta, acaba por ser uma fusão de diversas influências, não só musicais como até pessoais. Pode ser um livro, pode até ser um pintor.

[GDM] O nosso objectivo é mesmo não ter barreiras e tentar englobar vários estilos musicais propositadamente para tirar daí algo que seja original e que acima de tudo gostemos de explorar e de tocar. Nós gostamos de sair um pouco da caixa, e é um pouco por aí, pelo factor surpresa e o que conseguimos fazer com esse factor surpresa. 

[DR] Nós gostamos de mostrar ao ouvinte que ele gosta de algo que não sabia que gostava. Para mim é super importante surpreender-me, e acho que isso reflecte-se na nossa música.

Podemos, então, dizer que este cruzar entre o jazz e a electrónica acabou por ser natural.

[GDM] Sim, foi bastante natural. Foi um bocadinho uma união de todos nós. Cada um deu 33% daquilo que é o Soma. A estética surge de cada um puxar as suas coisas, mas sempre a deixar a parte dos outros respirar, deixar esse lado de originalidade passar para a música. As coisas acontecerem, sem procurar um estilo.

[DR] É importante falar disso, porque cada um de nós tem gostos diferentes, apenas há uma liberdade que faz com este projecto não seja uma ideia de nenhum de nós. E acho que tem muito a ver também com o contexto live que a electrónica permite. É uma abordagem que neste momento temos interesse. Nós não queremos tocar num bar de jazz. Queremos que tenha outro power e que seja também dançável. Este é um projecto que queremos tocar à meia-noite, uma da manhã. Neste momento, na minha vida, dá-me muito mais gozo ver um gig de electrónica em que as pessoas se mexem do que um gig de jazz tradicional. Acho que preparámos isto de uma forma que nos vai dar um grande gozo de tocar ao vivo.

[JV] E acho que também tem a ver com a circunstância, porque é sempre mais acessível usar a música electrónica. Tens um computador, consegues gravar directamente os instrumentos, evitas logo uma série de logística de ires para um estúdio e teres mais músicos. Acaba por ser um reflexo dos dias de hoje, não é? Nós temos uma ideia, temos essa necessidade de a materializar, de a traduzir do abstracto para o concreto, e a música electrónica serve muito bem essa função. Acaba por ser pragmática e exequível. E depois acaba também por ser um reflexo estético, há uma assinatura estética que se torna inteligível através da eletrónica. Sem isso não seríamos os Yawn Society, poderíamos ser nós, mas com outra cor.

A verdade é que não me lembro de nenhuma banda nesta nova corrente de bandas jazz portuguesas que assuma a eletrónica nesta mistura. Da forma como vocês a estão a fazer acaba por criar um novo espaço. Nunca tiveram aquela coisa de “Ser diferentes”.

[GDM] Simplesmente deixámos as coisas acontecer. Nós não estávamos preocupados em chamar mais uma pessoa para tocar o que quer que fosse, apenas em coexistir com aquilo que tínhamos e aí é que estava o desafio. Pelo menos falo por mim, enquanto guitarrista, foi um desafio tremendo alinhar-me com eles e com a respiração que uma bateria programada pode ter. São esses desafios que dão origem a algo que seja destacável e que seja diferente. Esta é uma sonoridade que gostamos e que queremos continuar a explorar.

[JV] Na verdade, nós nunca pensamos se estamos a fazer coisas dentro do jazz ou da electrónica. Não estou preocupado se é mais uma coisa ou outra. O que queria era fazer música, e que fosse minimamente original, uma proposta nova. Yawn Society não pretende ser jazz ou electrónica, pretende ser um projecto diferente, com música arrojada e que não está presa a uma directriz musical. Desta vez, se calhar teve uma identidade mais próxima da música de dança, mas isso não quer dizer que no futuro não vamos evoluir para outra direcção artística, isso acaba por ser natural. Aliás, às vezes, alguém queria colocar uma influência, mas os outros até não gostavam, e isso até acabou por ser um desafio. Pegar em algo que não gostamos mas trabalhar de uma maneira que queríamos que aquilo fosse trabalhado. Tentar tornar essa ideia nossa. Eu, pelo menos, senti isso muitas vezes no nosso processo criativo. 

[DR] E, para lá do jazz, podemos dizer que todos gostamos de drum’n’bass e dubstep, que é algo que o Zé tem experiência em vários discos.

Vocês falaram desse trabalho feito com influências que nem sempre agradavam a todos os elementos, e isso trouxe-me à memória o Skrillex, não pela questão de ser ou não uma influência, mas pelo lado pejorativo associado ao seu nome. Tiveram, em alguma altura, esse receio de serem chamados algo como “Skrillex do jazz” por aqueles que são mais puristas do géneros? 

[DR] Não, nunca tinha pensado, até porque é diferente do drum’n’bass que fazemos. 

[JV] Amon Tobin se calhar… Squarepusher. 

[DR] Mas nunca tive esse medo. Pode acontecer, sei que sim. A bem ou a mal, há pessoas que vão estranhar…

[JV] Ou, então, vão adorar por ser uma coisa nova. Eu não estou muito preocupado se me vão rotular como isto ou aquilo, não vejo as coisas por aí. As pessoas interpretam da maneira que acharem, se vão dizer que fazemos jazz, ou electrónica, ou drum’n’bass, ou experimental… sinceramente, quando fizemos as músicas não estávamos a pensar em quem iremos agradar ou não. Yawn Society é uma espécie de salada russa, dá para as pessoas gostarem ou odiarem, independente de qual seja o seu gosto. Isso para mim faz parte e acho que a música deve funcionar assim. 

[DR] Até porque cada música do EP tem a sua coisinha de diferente e cada uma dá para diferentes pessoas. Acho que conseguimos encontrar uma fusão que dá para diferentes públicos. Nós próprios ainda não percebemos qual é o nosso público e isso também é uma coisa interessante. 

[GDM] No entanto, há uma identidade comum nos temas.

Provavelmente os concertos serão a melhor forma de terem essa resposta. Vocês já têm planos para ir a palco? Já há datas?

[JV] Neste momento andamos a preparar o live, mas ainda não há datas em concreto, até porque nesta altura estamos mais preocupados em fazer chegar o Soma às pessoas. Mas claro que queremos tocar ao vivo, queremos que as pessoas também tenham essa experiência. No fundo, que seja também algo novo e distinto em relação ao EP, pelo menos é assim que para nós faz sentido. 

[DR] Vamos ter vários momentos de improvisação nos solos…

[GDM] Certas secções vão ser estendidas, vão haver momentos mais espontâneos mesmo na electrónica, o Zé vai explorar isso ao vivo.

Uma coisa que estou a sentir é que os projectos deste novo jazz nacional cada vez mais primam pela distinção, já podemos dizer que são bastante e muitos destes completamente distintos nas misturas que produzem. Os Don Pie Pie, com a sua mistura no pós-rock, os Bardino a ligar o rock e o kraut, os Yakuza a trazerem uma onda mais hip hop e mais synth, vocês são ultra electrónicos. Como é que sentem que está o movimento do novo jazz nacional?,

[DR] Acho que podemos fazer uma distinção entre o jazz e a música contemporânea. É um bocado difícil, realmente, fazer essa separação. Há um jazz académico, em que há uma forma de ensinar em Portugal, mas depois há também a música contemporânea e o que se está a fazer é a usar o que aprendemos a nível de como se pensa, os arranjos e a linguagem, para aquilo que queremos produzir, muito mais do que o género.

[GDM] Respondendo mais directamente a pergunta, estou a gostar imenso do panorama actual, os Cíntia, por exemplo, adorei o disco deles, o Diogo Alexandre lançou agora o Pipe Tree, que também está monumental. Eu estou a gostar imenso da direcção e eu estou a ver cada vez mais a malta a partir para caminhos que quebram um bocadinho a caixa, e gosto de ver isso.

[JV] Numa sociedade que se quer plural e diversificada é importante quebrar essas barreiras estilísticas, que às vezes servem mais para dividir do que propriamente para unir. É importante e necessário desmistificar esses padrões. Esta diversidade acaba por se traduzir numa sociedade que se quer aberta, emancipada, livre no processo de criação e de consumo. O jazz, tanto em Portugal como no global, vive, de certa forma, uma boa fase porque reinventou-se, abraçou a diferença. Acho que é aí que está a beleza! Daí eu, que sou um produtor de eletrónica, que não tem de todo uma formação jazzística, estar a criar música com pessoas do jazz. 

Gostava de saber mais um pouco sobre como foi a produção do Soma, muito por causa da sua mistura sonora, e imagino eu mistura de técnicas. Vocês têm essa componente física dos instrumentos, mas ao mesmo tempo há toda a questão da programação. Fizeram essa parte em pós-produção? Tocaram primeiro tudo e depois editaram e uniram a electrónica? Como é que foi realizado?

[DR] Foi feito das duas maneiras. Houve músicas que compusemos até mesmo em papel antes de gravar alguma coisa e outras que começámos logo a tocar e depois fomos adicionando mais coisas. Tentámos várias formas para depois encontrar um método que estivesse a ser mais eficaz. 

[GDM] E houve muita coisa que teve aquela óptica do “bora lá fazer isto”. Uma pessoa expunha uma ideia, debatíamos essa ideia e começávamos a trabalhar a direcção que escolhemos em conjunto. Eu começava na guitarra, o Duarte ia juntando os seus sintetizadores e o Zé a componente electrónica. Íamos vendo como as coisas podiam colar de uma forma que fosse a mais orgânica possível. 

[JV] Eu penso que, às vezes, é bom experimentar modos diferentes de fazer música, porque isso também nos leva a diferentes resultados. É bom não estar cingido a um padrão de trabalho porque gera criatividade e inovação de alguma forma, devemos estar sempre abertos a processos e dinâmicas de trabalho diferentes. 

[DR] Por exemplo, tendo nós computadores diferentes, podemos até estar a trabalhar em uma sessão com os três juntos, mas em que temos um bocado momentos para tudo. Eu posso pôr os fones e gravar uma parte, enquanto o Zé pode estar a fazer uma mistura, a trabalhar algum efeito. Eu posso gravar a minha parte, porque já sabemos o que queríamos, é só procurar ter o melhor take possível. E enquanto estou com o Gonçalo a falar sobre alguma parte, pode estar o Zé a criar algum beat, até se calhar mesmo só para ser um “metrónomo” para depois nós gravarmos, e enquanto isso ele vai melhorando esse beat. Parecendo que não, para ser realista, demorámos um ano a criar este EP e estávamos juntos quase todas as semanas. 

[GDM] Muitos dos temas acabaram por ser revitalizados. A “Watching You” teve uma remodelação completa, foi o primeiro tema que começámos a compor e acabou por ser a última a ser finalizada. Houve guitarras que acabaram por ser alteradas porque não eram bem o que queria, houve conversas para chegar a um consenso de sonoridade, sem que tivéssemos de tentar impor a parte de alguém. 

Sentiram que nesse ano que demoraram a compor acabaram por se transformar muito enquanto banda?

[JV] Ui, bastante.

[GDM] Houve um processo de aprendizagem notório para os três, e dizer que foi um processo de aprendizagem gigante é pouco. Foi mesmo, um grande desafio, até porque combinar estas estéticas é complicado. Assim, como foi complicado combinar os meus elementos de improvisação, fazer com que tudo isto não fique inorgânico Tudo isso fez-nos mudar muito desde o início e provavelmente para a frente ainda vamos mudar imenso, pelo menos por aquilo que vamos falando já deu para perceber que o caminho tende a ser diferente.

[JV] E, às vezes, esse caminho transforma-se noutros caminhos. Nós começámos a fazer música a pensar que íamos fazer de uma determinada maneira e de um determinado estilo e, ao longo deste ano, sentimos que a própria estética mudou. Se o EP começasse agora, provavelmente ia ser algo totalmente diferente, e isso também tem a ver connosco, que somos pessoas que consumimos tanta música e não nos deixamos fechar em gavetas sonoras — o nosso projecto acaba por ser influenciado por isso. Os futuros lançamentos, provavelmente vão ter uma sonoridade e um conceito diferente do Soma, e vejo isso com naturalidade e abertura, porque para mim estar sempre a fazer a mesma coisa torna-se saturante. É importante estar aberto a novos desafios, novas ideias e continuar a aprender coisas. Isso é que é a parte estimulante da composição e produção. Pelo menos é isso que me alimenta a continuar a criar.

Para encerrar, gostava de tocar na questão da estética visual do projecto. Vocês têm uma estética bastante definida. Qual é a relação entre a vossa música e a componente visual? O que querem transmitir com aquele estilo e aquelas imagens?

[GDM] Isso é uma boa questão. Nós pegamos aqui nesta temática da “sociedade do bocejo”, vamos assim dizer, mas muito disso tem ligação ao lado afectivo. Em colaboração com o nosso artista, que é o Tomás Toste, pegámos em ideias que pudessem transparecer isso, que é algo que se vê tanto na capa como nos visualizers dos temas. Há uma procura de transmitir sentimentos que se interligam com a sociedade e escolhemos opções arquitectónicas para isso. Por exemplo, na “Anyway”, definimos a ideia da dicotomia e do dualismo, onde há um prédio a ser consumido de cima para baixo e que tem um lado mais claro e um outro mais escuro. O próprio EP reflete essa história, se formos a ver, os dois primeiros temas são mais lighthearted e os seguintes já são mais dark. Cada um se calhar depois tem respostas diferentes às músicas, mas desde o início definimos que estávamos abertos a interpretação, mesmo que estivesse fora daquilo que exploramos com o artista.

[JV] Na realidade não há aqui qualquer mensagem em concreto. A mensagem é música, a mensagem é arte. A ideia era fazer um retrato da sociedade, de uma forma futurista e cosmopolita, seja ela utópica ou distópica, mas não uma descrição. A interpretação é totalmente subjectiva, isso também tem a ver com o próprio lado do experimentalismo envolvente na música.

[DR] Também é importante dar essa liberdade ao ouvinte de interpretar e criar a sua história emocional.

Sendo assim, podemos dizer que Yawn Society é um projecto audiovisual?

[DR] Sim, claro, mesmo ao vivo estamos a pensar em levar videomapping. Há, claramente, um lado visual. 


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