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Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 15/12/2021

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #74: Cíntia

Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 15/12/2021

Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.



[Cíntia] Sítio (Cena Jovem Jazz.PT)

Sobre estes Cíntia escrevia, por aqui mesmo, o nosso convidado Rui Eduardo Paes (REP) há cerca de um ano e meio:

“É grande a quantidade de projectos musicais em que Simão Bárcia, Tom Maciel e Ricardo Oliveira estão associados, mas apenas com os três temos Cíntia, grupo surpresa que está a conquistar o mesmo entusiasmo que recentemente tiveram o LUME – Lisbon Underground Music Ensemble de Marco Barroso e os Slow is Possible – tanto assim que a iniciativa Cena Jovem Jazz.pt o votou como um bom exemplo das novas dinâmicas do jazz nacional. A música do trio vai de um lounge desconcertante a explosões punk, numa mescla de jazz com rock, hip hop e soul que é tão cativante em termos composicionais como nas execuções ao vivo, que têm a propriedade de fazer com que quem ouve queira dançar, num conceito especialmente inteligente de groove. Bárcia, o guitarrista, que também se assina como Simão Nuvem, pertence ainda às bandas Camisa (onde encontramos um dos mais interessantes cantores de jazz da actualidade entre nós, Afonso de Portugal) e Cimento. A primeira formação do workshop Som Crescente na ZDB, de Peter Evans e Gabriel Ferrandini, contou em 2019 com a sua participação. Maciel, o teclista de origem brasileira, é um elemento-chave de Whosputo, banda de pop-rock indie reunida à volta da voz de Raimundo Carvalho, e co-dirige o projecto Polivalente com o guitarrista e compositor João Valente. Duos com a vocalista Mariana Oliveira e o saxofonista Bruno Margalho marcam igualmente o seu trajecto. Oliveira, o baterista, está nos Polivalente e nos Chinaskee, estes também com desempenhos na área do rock alternativo.”

A apresentação não podia ser mais clara, com o mapa do percurso de cada um dos elementos deste trio perfeitamente desenhado. E agora, os Cíntia acabam de assinar a terceira entrada na série Cena Jovem Jazz.Pt (sucedendo a discos de EMPA e Fragoso Quinteto) com o álbum Sítio, disponibilizado em formatos digitais e também em edição física em CD através do Bandcamp do selo que tem sede em Coimbra. 

E o que resulta evidente do “passeio” por este Sítio, e tal como já preconizado por REP, é a constatação de que este trio ergue a sua identidade em cima dessa fluência em diferentes linguagens, usando a química improvisacional como a cola que une todas as pontas do seu som. A bateria de Ricardo Oliveira não teme as figuras mais circulares, mas demonstra inquisitiva personalidade e uma criativa abordagem às questões do tempo (escute-se a cadenciada “Introspecção Mística” como possível demonstração da sua ideia de síncope), os teclados e synths de Tom Maciel são tão lúdicos como assertivos no estabelecimento de frases de pronunciada modernidade que levam em linha de conta o que se tem criado noutros espaços, da electrónica ao hip hop. Mas é a guitarra de Simão Bárcia que parece assumir aqui a dianteira, espalhando faíscas eléctricas e poeira harmónica por todo o lado, mas sendo igualmente capaz de poéticas exposições, como acontece em “Teia”, delicado exercício de filigrana textural que sublinha as capacidades técnicas do músico.

Este álbum de estreia dos Cíntia, lançado há poucos dias, é assim mais uma séria adição a um esforço amplo de ampliação das margens do jazz contemporâneo nacional, um exemplo de criativa dispensa dos cânones em favor de uma busca de benignas vias de contaminação do pulsar espontâneo do jazz com ideias captadas noutras paragens. O que rende um exercício tão intrigante quanto excitante, que a cada nova audição parece abrir mais umas quantas janelas para novas paisagens. Espreitem, por favor.

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