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Fotografia: Sakari Puhakka
Publicado a: 14/12/2022

Frio lá fora, calor no interior.

We Jazz Festival 2022: o fogo ainda arde em Helsínquia

Fotografia: Sakari Puhakka
Publicado a: 14/12/2022

Este não é – nem pretende ser… – um texto como outros que relatam experiências em festivais a partir do conforto de um lugar sentado na plateia (ou de pé a aguentar um diferente tipo de embates). Desde logo, e entenda-se isto como aviso para a leitura que se segue, porque a experiência do We Jazz Festival foi vivida por quem assina estas linhas em dupla condição: como espectador crítico, mas também como DJ, com presença em três diferentes salas nos últimos dias do programa (convite que derivou do facto do autor deste texto ser igualmente colaborador da revista We Jazz). Mas também, pois claro, porque o contexto cultural em que decorre anualmente este evento é bastante distinto daquele que se conhece por cá, algo que inspira outra abordagem na escrita.

O We Jazz Festival levou este ano até Helsínquia, na Finlândia, dezenas de artistas para um programa que se estendeu entre os dias 27 de Novembro e 4 de Dezembro. O arranque aconteceu na Peloton Cycling Eatery, um curioso espaço que cruza uma loja de bicicletas com bar e restaurante (em breve numa qualquer cidade gentrificada perto de si…) com um brunch (lá está…) e a gravação de um programa de rádio ao vivo com o homem do leme da We Jazz, o incansável Matti Nives, e ainda os músicos Ville Herrala e Teppo Mäkynen

O tom de diferença – sobretudo se se tomar Portugal como factor de comparação – é exposto logo aí: o We Jazz Festival faz-se de concertos, obviamente (mas até aí há diferenças, como se perceberá mais adiante), mas também de painéis de discussão, emissões de rádio, sets de DJ, sessões de cinema ou masterclasses. E há igualmente uma loja de discos pop-up presente em cada uma das salas do programa, ou não fosse a We Jazz – além de revista e editora de discos – uma loja também. Talvez em diferentes festivais portugueses se encontre pontualmente algum desses elementos extra que vão para lá dos concertos (por exemplo, assistimos a conversas no Que Jazz É Este? de Viseu onde, aliás, uma vez mais quem assina este texto fez algumas emissões de rádio), mas não só é tal coisa rara, como nenhum outro dos festivais de jazz que temos visitado apresenta tantas valências. E a verdade é que todos esses vectores paralelos da programação são importantes: as conversas e emissões de rádio permitem pensar sobre o evento, partilhar histórias e discutir ideias futuras; os DJ sets podem ser espaços de liberdade onde cabem J Dilla e Sun Ra (e, atenção, o autor que aqui se assina não foi o único DJ convocado, com outros membros da equipa We Jazz a assumirem igualmente a gestão dos gira-discos); e a banca dos discos inevitável ponto de encontro de melómanos em torno da qual reveladoras trocas de informação ocorrem (de que outra maneira teria o autor deste texto regressado a casa com, entre outros, um disco de 1981 da artista sueca Britta Lindell que lhe foi descrito como um cruzamento de “folk de inspiração medieval, pop de câmara e jazz”? E podem comprovar que o descritivo não anda longe da verdade aqui mesmo).

O arranque musical do festival aconteceu, no entanto, no Alexander Theater na tarde de dia 27 com dupla apresentação do quarteto liderado pelo trompetista israelita Avishai Cohen e também da saxofonista finlandesa Linda Fredriksson a liderar o seu projecto Juniper. O Rimas e Batidas só aterrou em Helsínquia na noite de dia 30 de Novembro, quando o festival já tinha dado por terminada a sua quarta jornada contando então já com várias apresentações de diferentes artistas – tais como a multi-instrumentista, vocalista e performer baseada em Nova Iorque Ka Baird (que assinou uma residência no hotel-base do festival, o GLO Art, onde se cruzou com diferentes artistas no quarto 231 – mais sobre isso daqui a pouco); o projecto Enemy do pianista britânico Kit Downes, do baixista sueco Petter Eldh e do igualmente britânico James Maddren, que é baterista; o trompetista finlandês Verneri Pohjola (filho de Pekka Pohjola); o trio Generations do percussionista americano David Friedman; e, finalmente, o também finlandês Kokko Quartet.

Helsínquia é uma cidade muito bonita, naturalmente muito fria nesta altura do ano e com a neve a adicionar pontos extra ao seu charme escandinavo, pelo menos para quem por ali aporta chegado de Portugal, mas, curiosamente, pareceu um pouco isolada do mundo: nem nos passeios pelas suas vibrantes ruas, nem nos momentos em que no hotel se exploraram os canais locais de TV se percebeu que há uma guerra a decorrer na Europa e ali bem perto ou, noutro ponto do globo, um estranho e bastante mediático campeonato do mundo de futebol. Mas claro que pode ter sido apenas coincidência – afinal de contas, pode perder-se algo importante até quando se piscam os olhos… Adiante!

A primeira manhã em Helsínquia, no inaugural dia de Dezembro, feriado em Portugal, serviu para descobrir algumas fantásticas lojas de livros usados nas proximidades do hotel, com amplas selecções de títulos em inglês que é, de resto, a língua franca do festival, e ainda para perceber que o átrio do GLO funcionava como uma espécie de hub onde se cruzavam artistas, membros da alargada equipa We Jazz, jornalistas e algum público, o que lhe conferia um colorido muito particular. Por ali nos cruzámos e conversámos, por exemplo, com Ben-Lamar Gay que, em entrevista concedida ao Rimas e Batidas há cerca de um ano, tinha confessado ter saudades de praticar o português que tinha aprendido no Brasil: foi com um “olá, senhor Ben” que, por isso mesmo, o cumprimentámos.

Depois das 16h00 (nota: em média o sol nasceu por volta das 09h00 horas locais e pôs-se pouco depois das 15h15…) um membro da produção encontrou-se no átrio do GLO com alguns jornalistas e público para depois conduzir toda a gente ao quarto 231 (algumas portas ao lado do quarto onde estava a base de trabalho e descanso do Rimas e Batidas, diga-se…). Com cerca de 20 pessoas sentadas na cama ou em apertadas cadeiras dispostas no parco espaço disponível, Ka Baird – em flauta, efeitos e microfone – e o saxofonista Sami Pekkola assinaram aí o quarto capítulo da residência em diálogo constante da artista nova-iorquina. Baird começou por se apresentar ao lado do baixista Perussastamala (dia 28) e depois cruzou-se no mesmo contexto com o trompetista Chris Williams (dia 29) e a saxofonista Linda Fredriksson (dia 30). O encontro (diálogo? Duelo?…) com Pekkola foi o último desta original residência que possibilitou a quem a ela assistiu uma invulgar proximidade com um processo criativo contínuo.

Com o som a ser debitado por dois pequenos monitores Genelec (a marca finlandesa esteve bem visível em diferentes momentos do festival), a dupla assinou ali uma feérica e intempestiva apresentação, com Pekkola em efusivo registo free no saxofone enquanto, com um pedal, acionava um duplo instrumento acústico de fole parecido com um harmónium indiano e que gerava um massajante drone que emoldurou harmonicamente o ruído debitado pela dupla. Baird é uma performer altamente física e teatral, com algo de Patti Smith até na aparência e no estilo de roupa que escolhe usar, sinal da sua condição de nova-iorquina, certamente. Na flauta altamente processada e no uso de dois microfones com diferentes processamentos de sinal, Baird mostrou ter tanto de free jazz como de punk dentro de si, sendo sempre muito bem ladeada por um imaginativo Sami Pekkola que entende o instrumento como um todo, usando a totalidade do seu metálico corpo para gerar som, numa execução profundamente exploratória no real sentido da palavra. Ao fim de cerca de 40 minutos, as pessoas saíram com ar de quem tinha acabado de ser interrogado num daqueles filmes de espionagem. Intenso. Mas intenso bom, claro.

A paragem seguinte foi o G Livelab, uma sala que também existe em Tampere e que em Helsínquia, pelo menos, é gerida pelo sindicato dos músicos locais, o que se afigurou logo coisa espantosa. Equipado com um incrível sistema de PA Genelec (pelos vistos muito raro), o G Livelab oferece a quem o visita uma experiência aural inesquecível (foi, aliás, onde decorreu o primeiro dos DJ sets do acima assinado – experiência incrível devido à elevada qualidade do sistema de som com que se trabalhou, pode garantir-se), tendo ainda um convidativo bar à disposição (onde se serve, entre várias outras coisas, um óptimo vinho tinto português do Dão).



Ao palco subiu, em primeiro lugar, a dupla Lampen de Kalle Kalima, guitarra, e Tatu Rönkkö, bateria, para um interessante diálogo que nalguns momentos se estabeleceu sobre síncopes próximas do hip hop, mas noutros circulou sobretudo por paisagens mais planantes desenhadas na guitarra bastante processada e que podemos também conferir no álbum homónimo que a We Jazz lançou no passado mês de Setembro. A sala, com as mesas completamente ocupadas e muita gente de pé a esgotar totalmente a sua capacidade, é confortável e perfeita para este tipo de eventos de maior proximidade. Quando os Designers – trio transnacional que conta com Joachim Florent no contrabaixo, Will Guthrie na bateria e Aki Rissanen no piano – subiram ao palco para apresentar o seu novíssimo e homónimo trabalho de estreia, igualmente portador de carimbo da We Jazz, já o público estava, claramente, “na zona”: com Florent a usar o arco no seu contrabaixo para se acercar de melodias bem folk, o trio passeou-se por terrenos de um elegante e algo convencional jazz, com o lado técnico a ser inteligentemente subalternizado às exigências estruturais da própria música, o que deixou no final toda a plateia de escancarado sorriso nos rostos.

O dia 2 de Dezembro, sexta-feira, arrancou com uma sessão de conversas com os temas “Performance Spaces”, com participação de Esther Weickel, Janne Laurila e Katariina Uusitupa, e ainda “Creative Music 2023”, uma antevisão do que se poderá esperar do próximo ano a cargo do jornalista Peter Margasak e ainda do “patrão” da We Jazz, Matti Nives. 

Após o almoço, outra das valiosas experiências possibilitadas pela tal dupla condição descrita acima: o caminho até à zona de Suvilahti (local onde anualmente decorre o maior festival de Helsínquia, o Flow Festival, que até já anunciou os primeiros nomes para 2023 que podem conferir aqui) foi feito numa carrinha na companhia dos membros dos Ahmed, grupo de Pat Thomas (piano), Seymour Wright (saxofone alto), Antonin Gerbal (bateria) e Joel Grip (contrabaixo) que vimos este ano numa memorável noite lisboeta do festival Jazz em Agosto. Na viagem, Antonin Gerbal ofereceu a Pat Thomas um livro de poesia árabe contemporânea dedicado às mulheres e a conversa dos membros do grupo até ao destino versou sobre poesia, o poder das palavras, a luta pelos direitos das mulheres, momento revelador que testemunhámos não sem algum deleite voyeurístico, confesse-se.

O concerto inaugural da primeira maratona do festival aconteceu na já mencionada Peloton Cycling Eatery onde nos instalámos bem cedo, aproveitando para tomar notas sobre a experiência vivida até aí, após circular um pouco pelas imediações do antigo parque industrial onde agora há algumas salas – além da loja de bicicletas/restaurante houve ainda concertos (e um DJ set…) nos espaços Tiivistämö, Magito e Mittarikorjaamo, antigos armazéns agora convertidos em equipamentos polivalentes que acolhem programação diversa durante todo o ano.

À hora a que chegámos, decorria ainda na Peloton Cycling Eatery um almoço de um ruidoso e alargado grupo de homens de negócios dispostos em torno de uma mesa onde se vislumbravam os despojos de uma animada e bem regada refeição (nota de reportagem paralela: copo de 20cl de vulgar vinho Rioja espanhol custava 12,60 euros!!). Quando os Oaagaada subiram ao palco, no entanto, o engravatado colectivo já tinha abalado para outras paragens, compreensivelmente pouco interessado no set de free jazz acústico (e não amplificado) que já se adivinhava após a rápida montagem e teste de equipamento.

Com Tuure Tammi, trompete, Sami Pekkola, sax, Tero Kemppainen, contrabaixo, e Simo Laihonen, bateria, os Oaagaada são uma curiosa e original proposta de música muito livre que ainda assim não recusa, a espaços, o encaixe em hipnóticos grooves, o que lhes sustenta a descolagem para outras dimensões bem entusiasmantes. Depois, entre os já mencionados espaços Tiivistämö, Magito e Mittarikorjaamo desenrolou-se a primeira das duas grandes maratonas deste festival com um espantoso rol de nomes: [Ahmed]; Carl Stone & Jonah Parzen-Johnson; Cortex; trio de Mike Reed / Silke Eberhard / Ben LaMar Gay; solo de Joachim Florent; Jonah Parzen-Johnson & Berke Can Özcan; solo de Ka Baird; Little North; Uusi Aika; solo de Will Guthrie; e ainda dois encontros de Jason Nazary com Sami Pekkola e Tuure Tammi.

O jantar de artistas na Peloton permitiu conversar longamente com Jason Nazary, que também tínhamos visto em Lisboa ao lado da saudosa Jaimie Branch como parte dos Anteloper, e Ka Baird, dois artistas que em palco se transfiguram, mas que em ocasiões mais, digamos, sociais, são desarmantemente “normais”, abertos, de generoso e fácil sorriso e sempre dispostos a partilharem histórias de vida e de estrada.



Por entre os slots de DJ sets foi possível assistir a boa parte da espantosa apresentação de [Ahmed], um portento de ragtime cósmico, feito de explosivas e tântricas repetições conduzidas pelo fabuloso Pat Thomas frente a uma reverente plateia que de pé assistiu em solene submissão a um dos melhores concertos que tivemos aí ocasião de presenciar (e perdoem a adjectivação excessiva, mas foi mesmo assim tão bom…). Os dinamarqueses Little North de Benjamin Nørholm Jacobsen, piano, Martin Burnbjerg Rasmussen, contrabaixo, e Lasse Jacobsen, bateria, apresentaram-se em registo mais convencional, mas servidos por uma dose de intrigante inventividade no plano rítmico. Os finlandeses Uusi Aika de Otto Eskelinen, sax, clarinete e flautas, Johannes Sarjasto, piano e sintetizador, Tapani Varis, contrabaixo, Amanda Blomqvist, baetria, e Antero Mentu, zither, proporcionaram na apresentação do seu homónimo álbum de estreia acabado de lançar pela We Jazz um momento meditativo de enorme beleza, aproximando-se do universo mais espiritual de certos registos da Impulse nos anos 70.  

A íntima apresentação do baterista Mike Reed com a saxofonista Silke Eberhard e o trompetista Ben Lamar Gay foi outra pequena maravilha: sem qualquer amplificação, o trio mergulhou em águas profundamente espirituais e transportou as 30 pessoas que esgotavam o reduzido espaço a uma alternativa dimensão, com os dois sopros a brilharem com diferentes tonalidades de luz e o seguríssimo Reed a sustentar as digressões dos solistas com pulso firme, mas solto e desenvolto, como a ocasião pedia. Houve ainda oportunidade de apanhar os noruegueses Cortex (que têm lançado na portuguesa Clean Feed desde 2014) em palco: Thomas Johansson, trompete, Kristoffer Berre Alberts, sax, Ola Høyer, contrabaixo, e Dag Erik Knedal Andersen, bateria, são um tarimbado ensemble capaz de conjurar telúricas descargas energéticas, sempre em livre derrapagem pelas margens mais livres do jazz. Finalmente, no espaço onde decorreu o DJ set havia igualmente um pequeno palco onde em dois diferentes momentos o baterista Jason Nazary se cruzou com o saxofonista Sami Pekkola e o trompetista Tuure Tammi, ambos de Oaagaada, em ultra-livres e bastante inventivos diálogos em que tudo foi válido, da mais livre cacofonia ao mais concentrado groove.

Foi por isso mesmo de coração cheio que se acordou na manhã de sábado, o dia da última jornada festivaleira para o Rimas e Batidas antes do planeado regresso a Lisboa no dia seguinte. Ao pequeno almoço o cruzamento com uns animados [Ahmed] foi motivo para uma interpelação e um pedido especial a que os músicos logo acederam: assinarem o single de sete polegadas em belíssima capa gatefold que tinham acabado de lançar com material gravado em 2017 e 2019 no londrino café OTO, [AHAD] / [WADID]. Seguindo a sugestão de um dos jornalistas com quem nos cruzámos no átrio do GLO, a manhã de sábado foi usada para visitar um par de lojas de discos: da histórica Digelius trouxeram-se dois discos lançados na MPS nos anos 70 pelo guitarrista Volker Kriegel, Lift! e Mild Maniac, e da mais recente, mas muito bem apetrechada Eronen, que fica logo ao lado, vieram alguns títulos recentes mas difíceis de encontrar da também finlandesa Ultraääni, editora sediada em Tampere, incluindo um precioso sete polegadas de Oiro Pena e do Jooklo Sextet. A esse lote juntar-se-iam ainda alguns discos comprados na loja pop-up da própria We Jazz, incluindo títulos clássicos de Lalo Schifrin, Gene Ammons e Courtney Pine, bem como boa parte dos sete polegadas que a editora anfitriã do festival tem lançado nos últimos anos.

A maratona final de apresentações teve lugar no espaço polivalente Korjaamo que além de diferentes salas e bar possui igualmente um cinema. Antes de almoço houve entrevistas/conversas de Matti Nives com Nabil Ayers da editora Valley of Search e com Carl Stone bem como um workshop dos Fire! do saxofonista Mats Gustafsson, do contrabaixista Johan Berthling e do baterista Andreas Werliin. Ainda no mesmo espaço e antes do périplo final da noite apresentou-se o quarteto do violinista Silva Kallionpää com Nikita Rafaelov, piano, Juuso Rinta, contrabaixo, e Joonas Leppänen, na bateria.



Para os diferentes espaços do Korjaamo alinharam-se espectáculos do veterano saxofonista americano Alan Braufman com Ville Herrala no contrabaixo e Joonas Leppännen na bateria; Alexander Hawkins em piano solo; o trio da pianista Anni Kiviniemi com Eero Tikkanen no contrabaixo e Hans Hulbækmo na bateria; solo de Carl Stone em electrónica; concerto dos Fire!; solo de Jason Nazary; os Kannaste4 do saxofonista tenor Jussi Kannaste, com Tomi Nikku, trompete, Petter Eldh, baixo, e Joonas Riippa, bateria; a Marha Lea Band; solo de piano de Pat Thomas; solo da vibrafonista Patricia Brennan; o projecto Teddy Rok: Atonal Drums de Teppo Mäkynen, bateria e sampler, e Nikita Rafaelov, sintetizador; o Tilo Weber Four Fauns de Eero Savela, trompete, Otto Eskelinen, saxofone, Ole Morten Vågan, baixo, e Tilo Weber, bateria; e ainda um solo de Tomas Nordmark em electrónica; , finalmente, uma selecção de curtas-metragens de jazz com filmes com Linda Fredriksson, Alabaster dePlume, Uusi Aika, Ville Herrala, JAF Trio, Alder Ego, OK:KO, Kadi Vija Key Project. Noite em cheio, portanto.

Os afazeres na cabine de DJ permitiram assistir à intensa apresentação de Teppo Mäkynen e Nikita Rafaelov que ofereceram aos presentes no amplo espaço uma sessão de hip hop desconstruído, movido a samples, imaginativas síncopes e vagas de som sintetizado. Alexander Hawkins fez o seu piano preparado soar como um gamelão indonésio num solo bastante imersivo e Pat Thomas assinou um profundamente espiritual momento de comunhão, com os seus clusters de notas a erguerem-se de forma majestosa perante um público que esgotava o pequeno auditório e que se mostrou muito pouco interessado em que o veterano pianista terminasse a sua viagem. Uma das melhores apresentações presenciadas pelo Rimas e Batidas neste festival, sem dúvida.

O concerto de Alan Braufman, que se apresentou com saxofone alto e uma curiosa flauta com um bucal que se assemelhava ao de um saxofone e com que desenhou melodias bem folky, foi espantoso: a secundá-lo uma dupla que conheceu apenas algumas horas antes – Ville Herrala, no contrabaixo, e Joonas Leppännen, na bateria. Este último revelou-se particularmente criativo, usando um kit simples e um saco sem fundo aparente de onde foi retirando toda a espécie de pequenos objectos sonantes que usou para injectar cromatismo adicional nos seus pujantes grooves. O baixista serpenteou com músculo pelos padrões rítmicos deixando Braufman livre para fazer o que mais gosta – voar, pois claro. Enérgica apresentação de um músico que deixou mesmo claro que o fogo que tem dentro ainda lhe incandesce a alma, 47 anos depois de ter lançado o mítico Valley of Search na mitica India Navigation de Bob Cummins.

Mas a revelação do festival foi, sem absoluta sombra de dúvida, a Marthe Lea Band. A saxofonista e flautista e cantora e pianista e líder e tudo o mais dirigiu um curioso ensemble com Andreas Hoem Røysum, clarinete e clarinete baixo, Hans P. Kjorstad, violino e flauta, Egil Kalman, contrabaixo e sintetizador, e Hans Hulbækmo, bateria e percussão. A artista norueguesa conduziu o seu grupo com alma infinita por entre uma frondosa floresta de sons que se estenderam entre a folk nórdica e de outras latitudes e o free jazz mais orgânico, numa sessão de pura alegria que contagiou, e de que maneira, o público que esgotava a sala. Esta é, de facto, música comunitária e celebratória que só existe e faz sentido quando há uma simbiótica troca de energias entre palco e plateia, coisa que sucedeu. O êxtase pareceu sempre o objectivo que o ensemble procurou em cada momento da sua enérgica apresentação, com os músicos a soarem todos tecnicamente dotados, mas a nunca permitirem em algum momento que essas suas assinaláveis qualidades se intrometam no que a música pede. E mesmo nos momentos de maior loucura e liberdade – o violinista que tocou sentado ao lado do piano enquanto percutia simultaneamente as teclas com o cotovelo sem perder o balanço do seu solo foi um exemplo, o clarinetista que parecia uma torre e depois se espojou no chão não escondendo que estava imerso no turbilhão da sua própria alegria foi outro – o colectivo nunca perdeu o norte, com o todo a fazer sentido pleno em termos musicais. Até quando Martha Lea, um poço de carisma com tremenda presença, permitiu que a melodia de “Macarena” se intrometesse no seu desvio pela música gnawa de Marrocos. Descrever o concerto como “impressionante” é dizer muito pouco.

Uma experiência concentrada deste calibre – com muitos concertos, DJ sets bastante livres, inúmeros novos conhecimentos, grandes conversas, boas lojas de discos, comida e cultura bem diferentes – deixou fortes marcas e, compreensivelmente, a vontade de regressar a Helsínquia tão breve quanto possível. E a inspiração necessária para futuras aventuras. E é assim que o mundo avança, certo?


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