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Fotografia: Tracy Awino
Publicado a: 18/02/2021

De Chicago ao Barreiro.

Uma breve história do drill

Fotografia: Tracy Awino
Publicado a: 18/02/2021

O rap game sempre teve uma parte dedicada aos que falavam sobre actividades ilícitas, mas estávamos habituados, grande parte das vezes, a ouvi-los fazê-lo com alguma delicadeza através de palavras e metáforas sugestivas, deixando-nos num meio-termo entre encarar essa prática do crime como uma ideia e não a narração de uma realidade. Quando se fala de drill, o cenário pintado é outro: o seu combustível é a reflexão crua dos cenários sociais e do papel do indivíduo dentro disso, geralmente de uma perspectiva de desvantagem social, uma narrativa tão real que poderíamos chamar-lhe o regresso das ghetto news. Seja através de letras ou videoclipes, podemos esperar do sub-género uma história em que tudo o que é apresentado faz parte do circuito diário do rapper. Bairros, prédios, grupos, cães, armas e dinheiro são alguns dos elementos do quotidiano que se transformam em adereços nos vídeos. Já as letras, regra geral, falam sem filtros sobre sobrevivência, agressividade e lutas.

Um dos seus pioneiros é Chief Keef. Em 2012, este nome incontornável do drill de Chicago dá um dos primeiros passos em direção a um movimento que não depende de grandes editoras e toma partido da democratização da Internet para dizer “presente”. Tendo lançado a “I Don’t Like”, rapidamente se fez notar no universo online com as plays e as views a fazerem-se ouvir com barulho ensurdecedor. No entanto, as editoras grandes ainda não estavam preparadas para contabilizar, tanto que, após ter assinado pela Interscope, Keef lançou o seu primeiro álbum, Finally Rich, que acabou por vender apenas 50 mil cópias na primeira semana, um número aquém do esperado, e que fisicamente não tinha grande significado, mas no éter da web representava o seu merecido peso. Esse impacto chegou a Kanye West, o rapper mais conhecido de Chicago (e um dos artistas mais reconhecidos no mundo), que levou Chief Keef a figurar em GOOD Music Cruel Summer.

Este comportamento da Interscope inspirou o movimento de outros selos: a Def Jam, por exemplo, aproveitou a onda para assinar Lil Reese e Lil Durk, próximos de Keef, e a Epic assinou o conterrâneo dos rappers, King Louie. O futuro do drill apresentava-se promissor, mas a falha das majors foi não perceberem como as coisas se faziam: focar a promoção em videoclipes de músicas e pequenos snippets online eram a estética, não era a realização de grandes discos, algo que na altura foi recebido mais como uma decepção do que como uma boa ideia. Aparte disso surgiram várias notícias que mostravam que muito dos nomes promissores do drill tinham problemas com a lei por crimes que haviam cometido, o que corroborava a tese de que os “drillers” recorriam à verdade quando escreviam as suas letras.



O movimento estava formado, e o drill começou a ganhar mais expressão em outros locais dos Estados Unidos, como no caso nova-iorquino com o drill de Brooklyn, com Bobby Shmurda, o autor do hit com mais de 500 milhões de views no YouTube, “Hot N*gga”, a seguir e a afinar os traços deixados por Keef. Havia ainda Rowdy Rebel, que aproveitou a onda na altura e também se viu a crescer juntamente com o movimento.

Talvez seja apropriado dizer que a verdadeira maturação comercial do drill como subgénero se deu no Reino Unido, onde se pôde ver uma alteração notável na forma como o som era produzido. Se em Chicago havia uma fusão entre footwork e trap, com produtores como Young Chop, DJ L e Smylez, no RU tivemos uma abordagem que não só honrou a construção rítmica original, como também lhe adicionou traços de grime, dubstep e uk garage, como podemos ver nos exemplos de Carns Hill, o produtor do 67, um grupo pioneiro da cena drill do Reino Unido, ou dos novatos MK The Plug e M1.

A partir daqui, a narrativa torna-se mais fácil de traçar: em breve veríamos esta sonoridade tomar conta dos meios mainstream, com Drake a lançar “War“, ou Pop Smoke, uma autêntica estrela in the making antes de ser assassinado, a colocar “Welcome To The Party” ou “DIOR” nas bocas do mundo. Até mesmo Travis Scott, quando convidou o segundo a participar na sua “GATTI“, entrou na onda. Depois desses momentos, era seguro afirmar que o drill estava pronto para fazer parte da cultura popular — até J Balvin entrou no barco com “TATA“.



Em Portugal, o drill (à moda britânica) também ganhou força: pode-se dizer que os seus primeiros sinais foram avistados no Barreiro, Setúbal, Sacavém e outros locais em torno de Lisboa. A primeira vez que se referenciou a palavra “drill” no Rimas e Batidas foi numa peça sobre “Normal”, tema de NGA que ainda pescava as referências chicagoanas.

Em 2021, a evolução desta expressão chegou finalmente aos ouvidos de um público mais vasto através de grupos e artistas da primeira liga como Wet Bed Gang (“Perseus“), Plutonio (“Lisabona“) e ProfJam (“Mudo de Vida“, ao lado de Timor YSF). Mas, antes deles, em território português, já tínhamos nomes como Sandrini, RDM Gang, Cookie Jane, Minguito, RickyM, Frost143 e outros a darem os primeiros passos do género. 9 Miller e Kappa Jotta também experimentaram essas águas em “Wappa / Frozen” e “Só Deus Sabe” e, mais recentemente, no Porto, Pulla reclama ter o primeiro álbum só de drill feito por cá, Silêncio Vale Ouro.

Muitos destes mantêm as características iniciais do drill intactas, reflectindo através das letras o tipo de vida que levam nestes pólos diferentes da cidade de Lisboa e criando, apesar de separados por regiões, uma expressão unicamente portuguesa. Um subgénero do rap ainda em vias de desenvolvimento, agora completamente infiltrado nos escaparates populares, e que promete tomar conta dos holofotes nos próximos tempos.


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