pub

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 23/12/2023

Novo repertório, ainda mais batida.

Tristany Mundu no Lux Frágil: o príncipe da sanzala

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 23/12/2023

Noites frias em Lisboa junto ao rio facilmente viram saunas a bordo do Lux Frágil. Ainda para mais se tivermos Tristany Mundu como capitão numa primeira parte de uma longa viagem dentro do clube de Santa Apolónia, que se estenderia noite fora com DJs como Nigga Fox ou Glue. No que toca ao prolífico artista de Mem Martins, o formato que o trouxe até a esta emblemática sala da capital portuguesa na noite de ontem, 22 de Dezembro, foi o de concerto — e num registo bem fora do normal, diga-se desde já. Afinal de contas, estavámos perante mais um ciclo de Pleasures Unknown, título que encaixa que nem uma luva naqueles cerca de 60 minutos de actuação, numa rara apresentação de João Tristany apenas acompanhado de um DJ, neste caso Narciso, ele que ainda há bem pouco tempo ficou responsável por fechar as contas editoriais da Príncipe Discos relativamente a 2023 com “10 Minutos” de tarraxo cósmico.

Perante este quadro, sabíamos à partida que este não seria um concerto tradicional do ponta-de-lança da Unidigrazz, que dias antes tínhamos visto dentro do campo a facturar um golo num jogo de futebol solidário onde se inseriu numa equipa all-star que defende o código postal 2725 — Julinho KSD, Landim ou Harold também jogaram pelas mesmas cores. Além do formato de voz + DJ, contrariado a tendência de apresentações passadas com larga instrumentação real, Tristany Mundu delineou ainda um espectáculo repleto de material unreleased e até de versões alternativas — como foi o caso de “acliclas”, cujo sample de violino foi alvo de uma nova roupagem e embrulhado com uma série de versos inéditos numa fase muito inicial do alinhamento. Inseridos numa plateia bastante despida, só nos vem à cabeça a quantidade de pessoas que perderam esta oportunidade de testemunhar aquilo que o MC/cantor/produtor anda a preparar em laboratório, ele que numa recente entrevista ao ReB revelou estar a equacionar lançar música nova já no ano que está prestes a chegar. E depois do que pudemos escutar ontem, só ficámos ainda mais em pulgas.

Em palco, Tristany Mundu foi um verdadeiro príncipe de uma qualquer sanzala onde os bons dias são dados ao som do kuduro. E aqui o título de príncipe que lhe atribuímos é claramente inspirado numa editora que tanto tem feito por colocar estas frequências na rota do mundo inteiro e à qual Tristany não será certamente indiferente. Muito deste novo material apresentado pelo polímata da Linha de Sintra encontra-se perfeitamente alinhado com o que a Príncipe Discos nos tem apresentado nos seus lançamentos, mas com as voltas necessárias para que das batidas cruas nasçam canções estruturadas e adornadas por voz, complemento indissociável da arte musical do artista cujo nome estava estampado no cartaz. Até a escolha do DJ que o acompanha não terá sido feita ao acaso, já que Narciso pretence aos quadros da label que tem elevado as batucadas electrónicas das ruas de Lisboa e suas periferias a fenómeno global.

Neste novo capítulo artístico de Tristany, as batidas podem ser bem mais selváticas do que já nos havia servido em MEIA RIBA KALXA, um álbum de estreia bem denso, repleto de camadas e pormenores alcançáveis apenas no decorrer de longos anos de experimentação. Há neste novo material apresentado no Lux uma componente espacial ainda muito presente, mas são frequentes os drops que nos esfregam no corpo ritmos bem quebrados e que nos conduzem a uma espécie de transe que ajuda a libertar qualquer má energia que nos possa estar a sondar a aura. Em certas alturas, o próprio Tristany convida-nos a fechar os olhos e a deixarmo-nos conduzir pelas direções dadas pelo som, qual guia xamânico num frenético ritual pautado por percussões maradas.

Sem revelar quaisquer títulos das faixas com que nos brindou, há uma que causou especial reacção no público, de clima meio bélico, onde a meio se podia escutar um assobio que parecia anunciar o avistamento de um qualquer invasor por entre a vegetação que rodeia o seu território. Para a recta final deixou-nos a redenção que é “RAPEPAZ ..”, aqui apresentada com um final reformulado que retira por completo a estética trap a que se associava a entrada do beat. Embora este repertório esteja ainda em fase embrionário e possa ser mais limado, há aqui muito sumo para espremer e que certamente nutriu todos aqueles que arriscaram em voltar a ver Tristany em acção mesmo na ausência de novos lançamentos. Estivesse Beyoncé entre a plateia e, quem sabe, ainda veríamos um nome português na tracklist de um possível remake fotorrealista de The Lion King 2, tal é a poeira com cores de África que esta música consegue levantar.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos