pub

Fotografia: André Henriques
Publicado a: 29/06/2022

Uma festa feita com paixão e nostalgia que transformou a pista de dança numa bolha segura.

The Avalanches no Lisboa ao Vivo: quantas dimensões tem a memória quando o amor é a palavra de ordem?

Fotografia: André Henriques
Publicado a: 29/06/2022

A música dos The Avalanches é especial. Desde o momento em que Since I Left You, a incrível estreia assinada pelo duo australiano formado actualmente por Robbie Chater e Tony Di Blasi (os únicos que restam da formação original), começou a percorrer as ondas de rádio um pouco por todo o mundo, a palavra “especial” aplicada aos Avalanches tornou-se mais do que uma simples etiqueta. 

O que torna a música dos Avalanches tão, voltamos a repetir, especial e, porventura, tão interessante, é aquilo que o grupo transmite através do seu perspicaz jogo de colagem de samples: uma espécie de nostalgia para o passado, mas que soa tão infinitamente contida no presente que se torna intemporal. Aconteceu com Since I Left You, em 2001, depois com Wildflower, em 2016, e mais recentemente, com We Will Always Love You, lançado no derradeiro mês de 2020, o disco que os Avalanches vieram apresentar a Portugal em dose dupla – ontem (28), em Lisboa, no LAV, e hoje (29), no Hard Club, no Porto.

O concerto na capital portuguesa marcou a sua primeira actuação no nosso país desde 2017, quando tocaram no NOS Alive, e o cruzamento entre o público das diferentes eras dos Avalanches começou-se a revelar ainda antes de subirem a palco. Entre as pequenas filas que se foram formando antes da abertura das portas e a chegada de quem comprou bilhete com o aproximar da hora de início – aconteceria pouco depois das 22 horas, para resposta eufórica dos fãs –, o Lisboa ao Vivo foi-se compondo até ficar praticamente cheio (mas não esgotado). Uns, mais velhos, podiam certamente ter estado na descoberta do grupo nos seus primeiros passos em direção a Since I Left You, e outros, mais novos, convertidos à magia da banda no regresso pós-Wildflower. O que une as duas gerações? Primeiro, a adoração à irreverência criativa de cada era dos Avalanches e, segundo, uma vontade espontânea de obedecer àquilo que a sua música pede: dançar e libertar das rédeas e problemas que nos assombram no dia-a-dia.

Na óptica daquilo que é We Will Always Love You, um disco em que a alegria, a esperança e a ideia de comunhão convergem (até demais, se perguntarem a quem vos escreve deste lado) com o universo de sampling dos Avalanches, faz todo o sentido abrir o concerto com “The End”, faixa seminal dos The Doors. Estranho? Talvez, mas a mensagem é clara: se o fim estiver à vista, então a palavra de ordem para a noite é somente uma — dançar. Abanar a anca. Partir chão. A passagem da mensagem nota-se logo com o desenvolver de “The End”, um crescendo de tensão a culminar numa espécie de remix criado através dos sintetizadores e computadores que Robbie Chater e Tony Di Blasi (sempre bem animados e energéticos) iam operando em palco, preparando terreno para a primeira canção “oficial” da noite, “The Divine Chord”, faixa de We Will Always Love You (e um dos pontos altos do disco) que conta com colaboração dos MGMT e de Johnny Marr.

Mesmo no regresso ao formato de DJ set depois de terem efectuado a digressão em torno de Wildflower com a ajuda de uma banda ao vivo, a energia e criatividade dos Avalanches não deixa de surpreender. Uma versão mais curta de “Electricity” – mas sem perder nenhuma da pujança da versão de estúdio –, a primeira de cinco canções resgatadas de Since I Left You, abre caminho para uma sequência de faixas – “Oh the Sunn!”, “Interstellar Love” (um dos pontos altos da noite) e “A Different Feeling” – consumada na combinação entre “Overcome” e “If I Was a Folkstar”, juntadas num duo imparável feito para o club que simbolizou uma mudança na vibe do concerto. Se durante as primeiras canções tocadas pareceu existir alguma desconexão entre aquilo que os Avalanches pediam em palco e o que o público estava a entregar, a partir do final de “If I Was a Folkstar” existiu um equilíbrio maior entre essas duas forças de um concerto que, quando as duas se juntam, temos a receita para o êxtase total. 

Entenda-se: o concerto dos Avalanches pedia êxtase. O espectáculo de luzes, não recomendável para epilépticos, criava o ambiente quasi-perfeito para o seu som ganhar vida, enquanto o ecrã, que estava cortado ou mal posicionado (?) e não deu para perceber se era propositado ou não, posicionado atrás do duo, ia apresentado visuais psicadélicos e mensagens que tentavam dar sentido extra à confraternização palpável.

Tal como acontece nos discos do duo australiano, o concerto decorreu praticamente sem paragens. Samples atrás de sample, hit atrás de hit (de culto, diga-se) são atirados ao público, sem qualquer interrupção. O espaço dado para respirar surgia da própria música em si: “Song for Barbara Paython” acalmou as pessoas depois do combo “Overcome”/”If I Was a Folkstar”, e preparou terreno para um dos momentos mais explosivos da noite, “Music Makes Me High”, em mais uma canção de We Will Always Love You. Com esse tema, os Avalanches relembram que a) existem títulos que não requerem explicação detalhada ao que soa uma música e b) boa música de dança consegue criar uma sensação semelhante à causada pela famosa planta medicinal sem ser necessário o seu consumo (mas ajuda, de vez em quando).

Tocadas de seguida, “Live at Dominoes” (uma das grandes malhas – como se não fossem todas – de Since I Left You), “Subways” e “Take Care In Your Dreaming”, canção de We Will Always Love You que juntou Tricky, Denzel Curry (e foi o mais próximo que estivemos de ouvir o rapper ao vivo em território português desde a sua passagem pelo Musicbox em 2016 – por favor alguém rectifique essa estatística em breve) e Sampa The Great numa só faixa, mantiveram o mote lançado por “Music Makes Me High” ao LAV. Energia ao máximo, pista de dança aberta, com Tony Di Blasi a dar o seu selo de aprovação ao público no final da procissão de canções. Assim sim. 

Após mais um breve momento de “calma” com a nostalgia de “The Wozard of Iz” a invadir o LAV, o segundo combo da noite surgiu com “Wherever You Go” e “Flight Tonight” a serem remisturadas para se tornarem numa só canção monumental, abrindo alas para aquela que seria a última faixa do tempo regular do set dos Avalanches, “We Go On”, que teve direito a uma introdução com uma faixa dos Carpenters (“Hurting Each Other”) e uma outro na forma de um remix de “I Want to Break Free”, dos Queen, manipulada para que se fundisse na sonoridade de “We Go On”. Pode-se dizer que o momento foi uma espécie de celebração (com direito a cumprimentos do duo a alguns fãs acérrimos presente na primeira fila do concerto antes de abandonarem o palco), servindo de lembrete àquilo torna a música dos Avalanches diferenciada: soa a passado distante, mas são sons aglutinados para aproveitar o presente e continuar a existir com essas memórias daí para a frente.

Contudo, e após um bem curto compasso de espera preenchido pelo ruído do público, Robbie Chater e Tony Di Blasi lá regressaram à sua estação para ajudar a criar mais umas memórias com a ajuda de um encore. Abriram com “Running Red Lights”, uma das canções mais pop – e como tal, das que mais justificaram o acompanhamento em coro do público – de We Will Always Love You, que junta Rivers Cuomo (dos Weezer) e Pink Siifu na mesma faixa (dream blunt rotation, alguém?), prosseguiram com a celebração deslumbrante de “Because I’m Me” (com direito a solo de theremin por parte de Di Blasi) e fecharam com chave-de-ouro com aquela que é a faixa mais pivotal da carreira dos Avalanches, “Since I Left You”, a garantia de terem um lugar reservado para si no panteão da música de dança, do hip hop e do corta-e-cola.

Para concluir os procedimentos e para sentir uma última vez o calor dos fãs, os Avalanches colocaram a tocar no PA do LAV mais uma surpresa. Enquanto cumprimentavam o público e praticamente toda a gente que se posicionou junto das barreiras, o mais próximo possível do palco, “Hammond Song” dos The Roches ecoava por toda a sala de espetáculos lisboeta. “We’ll always love you but/ That’s not the point”, ouve-se cantado, lembrando mais uma vez que o ponto não era só o amor dado pelos Avalanches ao público ou o público aos Avalanches. Era, sim, a confraternização, a união entre todos estes mundos e espaços temporais a coexistirem num só espaço com um único objetivo em mente: dançar e celebrar o momento. 

Com isso em mente, e apesar de não terem incluído canções como “Frankie Sinatra”, “Frontier Psychiatrist” (dois clássicos da discografia do duo) ou a faixa-título de We Will Always Love You na setlist, o concerto dado pelos Avalanches fica para a memória como uma comemoração coletiva da música da banda e de tudo o que ela significa – a nostalgia agradável, a megalomania do criar eclético, o êxtase de ouvir música em conjunto. Se os Avalanches nos vão sempre amar, como indica o título de We Will Always Love You, a música dos The Roches e a mensagem que fica suspensa no ecrã no final de tudo, resta-nos então dar algum desse amor de volta e agradecer, de forma sincera, pela música, pela noite que proporcionaram e esperar que no Porto (e daqui para a frente) seja mais do mesmo.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos