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Publicado a: 16/06/2018

Telectu ao vivo no Maria Matos: o futuro nunca foi embora

Publicado a: 16/06/2018

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Lais Pereira

A proposta é interessante: assumir esta versão Telectu 2.0 como executante do reportório criado pelo duo original de Vítor Rua e Jorge Lima Barreto há mais de três décadas. “Um duo de câmara de reinterpretação da obra dos Telectu”, como o próprio Vítor Rua confirmou em entrevista ao Rimas e Batidas. Embora interessante, no entanto, a proposta traduz um possível paradoxo que passa por encerrar definitivamente no passado uma obra que no seu tempo procurou sempre o futuro. Um nó que só se desatará se Rua e agora António Duarte se sentirem impelidos por este revisitar do legado dos Telectu a criarem eles mesmos, neste presente, algo mais que cumpra essa função de olhar para o futuro: ou seja, novo reportório.

Em primeiro lugar, importa sublinhar o rigor com que Rua e Duarte executaram as peças de Belzebu. Tal como prometido, e ao contrário do que aconteceu na época em que o disco foi originalmente publicado, o duo conseguiu executar todas as peças sobre “o som separador” que suporta as guitarras e os sintetizadores. Esse som é uma espécie de drone que mistura o que poderiam ser sons de pássaros, água a correr numa fonte e um conjunto de grilos em animada conversa, tudo junto e processado até à abstracção. Mesmo sem as icónicas “tábuas de engomar” que Jorge Lima Barreto usava como suporte dos seus sintetizadores – uma “marca de estilo” que traduzia, no fundo uma atitude de total desrespeito pelos formalismos da “seriedade” tantas vezes associada às regiões mais avançadas da música, um subtil gesto punk numa proposta para-erudita –, António Duarte não deixou de produzir em palco, usando ferramentas originais, o mesmo som glorioso que o malogrado musicólogo conjurava a partir dos seus teclados.

 



Sobre projecções vídeo criadas a partir de imagens originais de Vítor Rua e António Palolo e recorrendo a guitarra eléctrica e acústica processadas por generosa pedaleira, por um lado, e por dois teclados, caixa de ritmos, uma espécie de vibrafone e uma pequena guitarra tocada com arco de violino ou com as cordas percutidas pelo que pareciam ser dois pauzinhos de restaurante chinês, os dois membros dos Telectu conseguiram suspender o tempo e viajar pelas espirais sonoras dos lados A e B de Belzebu com total elegância, mas também com absoluto rigor técnico. A dada altura, aliás, Vítor Rua precisou de sacudir o que provavelmente foram cãibras sentidas na mão esquerda, fruto evidente da repetição de movimentos e sinal da exigência técnica e física imposta pelo reportório.

No final do que soou a um mero instante – a música dos Telectu continua capaz de iludir a passagem do tempo — Vítor Rua, visivelmente animado e talvez até um pouco emocionado, dirigiu-se ao público, agradeceu a Cristiano Ronaldo, explicou a história de Belzebu e arrancou sentidos aplausos ao público que esgotou a lotação da sala (que se encontrava com a disposição mais “intimista” da bancada montada sobre a plateia) antes de anunciar que para o “encore” tinham preparado incursões por material de Telefone, álbum que o duo original gravou ao vivo em Moscovo em 1985, e de Off Off, o passo seguinte na discografia dos Telectu depois de Belzebu. Ao abrirem essa janela para o capítulo seguinte do “livro” Telectu – que ao vivo soou como algo que John Carpenter não se teria importado de assinar –, Duarte e Rua confirmam a intenção de assumirem essa missão de trazer até ao presente uma obra que se encontrava esquecida, mas que agora irá regressar aos escaparates, mercê da acção da nascente Holuzam, e por conseguinte aos palcos.

Mesmo no final, quando os dois músicos abandonavam o palco, as luzes de sala projectaram na tela de fundo uma singular sombra humana que acompanhava esse caminhar para fora de cena, e por um segundo apenas ficou a ideia de que essa poderia ser afinal a sombra de Jorge Lima Barreto, figura que nunca deixará de estar presente nestas ocasiões. A música é, afinal de contas, uma forma de alcançar a permanência senão mesmo a eternidade. E é para aí que as circulares peças dos Telectu remetem, para um estado em que o tempo desaparece e o infinito nos contempla.

Ficamos então à espera do concerto em torno de Off Off, mas onde exactamente agora que a imposição de um novo modelo de gestão a uma sala que soube criar novos públicos e investir numa visão programática distinta a esvazia dessa capacidade de acolher aquilo que só consegue existir nas margens?

 


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