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Fotografia: Mike AK
Publicado a: 31/03/2022

As várias tonalidades de Castanho.

T-Rex: “Antes tentava adoçar mais a nível de estética. Hoje em dia tento simplificar mais cada música”

Fotografia: Mike AK
Publicado a: 31/03/2022

Se em 2020, aquando do lançamento de Gota D’Espaço, ainda era possível associar T-Rex à palavra “underrated“, é difícil imaginar e fazer essa ligação em 2022. Nestes anos mais parados, o inquieto rapper e produtor tornou-se uma das vozes mais difíceis de ignorar, dando-se até ao luxo de fazer duas datas no Teatro Tivoli BBVA em 2021, tal era a fome daqueles que o seguiam — dos fãs mais antigos aos mais novos.

A prometer o álbum de estreia, Cor D’Água, desde essa altura, as mudanças no panorama fizeram-no pensar num aperitivo antes de chegar a um daqueles momentos que, por norma, separa o trigo do joio. Castanho é o seu título e reúne 11 faixas em que este talento da Linha de Sintra junta material antigo com outro novo para se entender de onde veio, mas também onde se encontra agora. E para lá de tudo isso, o novo lançamento ainda confirma T-Rex como um criativo criador de instrumentais como “Beep Stop” e “Anti-Antes” deixam bem claro.

Responsável pela gravação, mistura e masterização do novo projecto, o leque de ferramentas de T-Rex só parece ter tendência para aumentar. Na passada terça-feira fomos até aos Nirvana Studios para ouvir este trabalho que se tenta sintonizar entre Chá de Camomila e Gota D’Espaço, existindo ainda margem para se falar sobre que conjunto de faixas são estas, a importância das galas de prémios ou a sua passagem pela edição deste ano d’A História do Hip Hop Tuga.



Dizias-me que estas faixas ainda eram de quando estavas a experimentar. Estas canções foram feitas em que fase?

Por acaso, as faixas são, maior parte delas, mais antigas. Tem poucas que são novas.

Mas de quando?

Por exemplo, o “Beep Stop” gravei muito antes da pandemia começar. Só o que é que acontece: adiciono mais um ou outro verso para pôr a cena mais actual.

O projecto intitula-se Castanho. Qual é a linha de pensamento por detrás disto?

A linha de pensamento foi a seguinte: a gente era para lançar o álbum no ano passado, mas achámos ainda muito cru, devido também ao mercado, [que] só voltou a abrir agora. Eu quero dar uma viagem bué grande ao álbum. Então, decidi pôr uma pausa nisso e dar um projecto novo para o people se entreter e não ficar sem música nenhuma minha até ao álbum, que ainda vai demorar um pouco. Não demora muito, mas ainda vai demorar um pouco.

Eu decidi juntar os dois flavours dos dois projectos que acho que tiveram mais alcance ao nível do ouvido do público, o Chá de Camomila e o Gota D’Espaço (que provém do mesmo mood do Cor D’Água). O mood do Chá de Camomila é um mood laranja/amarelo-torrado e o mood do Cor D’Água é o azul. Para quem esteve atento às aulas de EVT sabe que estas duas cores juntas dão castanho, então foi daí o nome. E foi tudo muito natural porque na altura em que eu estava a pensar nisso, em lançar um projecto inspirado nesses dois que mencionei anteriormente, foi uma época em que comecei a ver muito a cor castanha. A roupa que calhava para um gajo vestir no dia-a-dia era castanha. Parece que foi tudo destinado.

Falaste que tem duas produções tuas no Castanho. São produções recentes ou coisas mais antigas?

Por acaso, em termos de produção, o “Beep Stop” já é mais antigo. E o “Anti-Antes” já é bem mais recente. 

Sentiste diferença na maneira como produziste os dois?

Não há muita diferença, os métodos foram os mesmos. Pego num sample de algum produtor, neste caso no “Anti-Antes” quem me ajudou a produzir foi o Lazuli — a nível de sample e a nível de sound. E depois o beat é mesmo ginástica, não mudou muito. Se calhar exagerava mais antes. Tentava adoçar mais a nível de estética antes. Hoje em dia tenho pensado nas minhas músicas de uma maneira bem mais simples. Tentar simplificar mais cada track

Por alguma razão em especial?

Não sei se é a minha maturidade que me está a fazer a pensar… eu já não penso tanto… aqui neste projecto por acaso ainda tem esse flavour de ser aquele T-Rex, o ginasta, que quer dar os mortais e as acrobacias todas ali. Mas nas faixas recentes nota-se que estou a tentar ser muito mais simples na exposição da minha arte. Não perder aquela coisa do brilho, de chegar na faixa e brilhar, mas agora sem muita barafunda.

Houve uma coisa que eu ouvi dizer há pouco tempo. Tive a ouvir uma entrevista do [Noah] “40” [Shebib] e ele falou de uma filosofia que eu também tento levar que é: às vezes o mais simples é que é o real. Que a gente quando tenta embelezar muito as coisas já estamos a robotizar muito a cena. 

Olha, tu gravaste, misturaste e masterizaste tudo.

O “É Assim” foi misturada por mim, mas foi masterizada pelo benji price. É a excepção.

A fazer tudo é difícil perceber se está tudo ok, não?

Tenho bastante esse problema de não saber se já está no limbo ou não. É complicado. E a cena é que o que me aproxima desse problema é que eu faço muitas faixas e depois tenho o vício de ficar a ouvir a faixa não-masterizada durante muito tempo. Isso é que dificulta o processo. Olha, deixo um conselho: producers, quando vocês fazem tudo, não ouçam as vossas músicas enquanto não forem masterizadas.



Isto são sobras, mas tentaste aqui encontrar um tom geral para uni-las todas? Como é que arranjaste este alinhamento?

Não penso muito no alinhamento das faixas. Nos meus outros projectos eu tentei sempre meter de maneira que fosse um show. Mas neste projecto por acaso não pensei nisto. A ideia é que eu chamo o projecto Castanho – Todos os Tons. Então, basicamente é fazer jus a isso. Eu não queria que o people se agarrasse… hoje em dia, pelo menos eu, quando vou ouvir um projecto já não tenho aquela cena de ouvir da primeira faixa à última. Acho que são poucos, hoje, os projectos conceptuais. São mais playlists. E o people acho que hoje em dia quer ouvir música, não quer estar a ouvir uma história… e se for uma história faz sentido ouvir da 1 à 11. Mas como [este] não é uma história, é uma playlist, dá para ouvir aleatoriamente e faz jus à capa do projecto que é cada tom de castanho. Eu quero mostrar isso quando o projecto estiver out, quero dar essa ginástica ao people de pegar no tom que se indentificam mais e começar por aí.

Há aqui uma faixa mais intensa e introspectiva, que é o “Verdadeiro Feel”. De onde veio o feeling para criar essa faixa?

Tive uma conversa com o Smyle, e fiz a faixa logo no dia seguinte de eu ter essa conversa com ele. Eu inteirei-me de que o sucesso me estava a aproximar de muitas cenas positivas mas também muitas cenas negativas e a gente naquela noite fez uma retrospectiva de tudo isso. E era uma coisa que eu ainda não tinha parado [para pensar] no meio da turbulência e tudo. Pensei naquilo e deu-me um ganda mindblowing [, o] de fazer uma faixa que balançasse os dois sentimentos. E é isso, o “Verdadeiro Feel”, é uma faixa que reflecte como é que eu estou a sentir-me artisticamente com tudo o que tem vindo a acontecer. Esta é recente.

Na “Beep Stop” abordas a questão dos prémios. É uma coisa que mexe contigo?

Não é propriamente me incomodar, mas acho que da maneira que as coisas acontecem é meio ridículo às vezes não me listarem em algumas cenas. Como por exemplo: não foi algo que me magoou, mas foi uma beca off a cena do “Tempo“. Arrisco-me a dizer que o “Tempo” foi uma das faixas mais tocadas de 2020 e não nos listaram em nenhum prémio. Em Angola é exactamente a mesma cena. Angola vê-me como português. Será que aqui em Portugal veem-me como angolano? Então, eu acho que isso leva-te logo directamente para a política. Quando tu estás a tentar nacionalizar uma coisa que é arte, leva-te directamente para a política. Acho que isso é uma beca off e é ridículo. “Sempre a falarem de nacionalidade/Digam logo que não querem dar os prémios”. Não sei porque razão é, não sei se sou eu, porque eu tenho uma cena mesmo em mim que é muito auto-crítica. Eu vou trabalhar duas vezes mais para não terem desculpas. Por outro lado, também não é uma coisa… eu não estou à procura de prémios. Não é isso que faz um artista. O que faz um artista é fazer a arte e ficar no coração e no peito de quem nos ouve. Ter um Tivoli, dois Tivolis, dois Coliseus, um Altice, isso é que é [risos].

Por falar em Altice Arena, houve um tweet que fizeste sobre a tua participação n’A História do Hip Hop Tuga. O que é que se passou?

Não sei se foi algo propositado, não sei se foi por parte da organização estar meia atrasada, mas eu senti que houve ali uma aceleração a nível do sound. E quando aceleras o BPM de um som, tu mudas a nota… nós, artistas da nova escola, temos a nossa gear, os nossos mecanismos, e um desses mecanismos é o auto-tune. E tu quando mudas o BPM de uma faixa mudas a nota. Não senti propriamente no dia, na hora, até pensei que o erro fosse do técnico, mas depois ao ver os vídeos apercebi-me que estava ali algo off. E, pelos vistos, não foi só comigo. Foi na minha actuação, foi na do Julinho, foi na da NENNY. Então, fiquei com aquela impressão de boicote. Pode ter sido um erro, uma cena técnica, mas fiz aquele tweet numa de chamar a atenção para as próximas vezes. Chamar a atenção também do pessoal do hip hop: se não dá para meterem os nossos próprios técnicos a trabalhar, porque aquilo é um evento conceptual, que tenham mais atenção a essas cenas porque estão 12 mil pessoas, nós somos a nova escola, nós temos muito para dar e mostrar e é bom ficarmos com uma boa ficha. E nós que já somos bué julgados por causa dos nossos mecanismos e das nossas maneiras de mostrar a nossa arte. 

Voltando ao Castanho: o Pimp é a única participação. Como é que ele acaba a meter este verso?

Desde já shoutout para o Pimp. Ele é um dred que trabalha para caraças. É um dred que está com muita fome, visto que nunca lançou nenhum projecto. Esta faixa aconteceu… eu chamei mais membros do grupo, mas eles fugiram no feat. [risos]. E o Pimp alinha sempre. Como está com a fome dele, de upcoming, e eu meto as minhas mãos no fogo que ele é um upcoming que vai dar muitos frutos. Para além de ter aquela cena do inglês ser a língua-mãe dele, acho que vai dar muitos frutos. E foi o único que disse, “epá, porra, gostaria bué de entrar na faixa”. A minha intenção era meter alguém que cantava em português, mas esses gajos estão a fugir. Em dois tempos fez aquilo, também tinha metade do verso, acabei a minha metade do verso, ele fez a dele depois. Muito genuína a maneira como as coisas aconteceram nessa faixa. 

Como é que as canções têm crescido em palco e ao vivo? Está cada vez melhor?

Ya. Muito melhor. Estão sempre a crescer. Eu faço bastantes faixas experimentais e os meus últimos projectos foram experimentais. E as últimas faixas que eu lancei foram faixas experimentais e assusta-me fazer música experimental como single. Eu não sou artista de single, não me defino como um artista de singles, não gosto muito de lançar singles, então assusta-me um pouco. Mas teve totalmente o efeito contrário àquilo que um gajo estava a prever e a sentir. O people estava a receber bué bem esses projectos experimentais e nota-se perfeitamente em cada show a energia. Acho que o people percebe o formato que eu quero dar a eles como show, a energy que eu quero dar, o people está a perceber qual é a minha visão a nível de performance. 

E neste momento estás a trabalhar para consolidar-te em Portugal ou estás com os olhos também em Angola, por exemplo?

Vamos a todo o lado. E desde já ressalvar que Angola é o público que me abraçou rápido. É a terra-mãe. Então, não tem como a gente ficar tipo, “agora vamos estabelecer aqui, depois vamos…” Não, não, não. É onde der e onde o people me quiser. Até pode ser no Japão, se o people estiver on. Estamos a trabalhar para todos os cantos do mundo onde a arte fala. 

O Castanho está pensado para ter uma apresentação ao vivo?

Apresentação do projecto ao vivo vai ser em formato de tour porque a gente está com um monte de datas. Fazer outra coisa em nome próprio só para mostrar este projecto acho que era too much, visto que temos outra aí à espreita que é muuuuito maior do que este que temos agora — sem tirar créditos. O Cor D’Água são 20 faixas, então é uma timeline maior.

O Cor D’Água está terminado?

Está quase. Temos um slot de quatro faixas e eu não quero preenchê-lo com faixas que já tenha, que é para dar faixas conceptuais ao projecto, faixas que vão directo ao título e que façam jus ao projecto. O Cor D’Água também é outro projecto como o Castanho, que também vem com muitas faixas de trás, eu já estava a pensar nele há muito tempo. Desde o Gota D’Espaço que estou a pensar no Cor D’Água, então ele traz muito essa energia. Vou deixar esse slot a respirar, viver um pouco, viver esta tour


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