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Fotografia: Joana Linda
Publicado a: 30/07/2020

A aclamada trompetista regressa aos concertos como líder já este sábado, comandando o seu projecto Impermanence numa apresentação na Gulbenkian, em Lisboa. Antes, já esta sexta-feira, integra o Coreto do saxofonista João Pedro Brandão, colectivo que abrirá a programação Jazz 2020 da mesma instituição.

Susana Santos Silva: “Não é fácil conjugar coisas escritas e improvisação”

Fotografia: Joana Linda
Publicado a: 30/07/2020

Susana Santos Silva acredita na impermanência, nas mudanças que ocorrem até nas mais pequenas coisas. É uma ideia que anima o quinteto Impermanence que, já este sábado, dia 1 de Agosto, protagoniza um aguardado concerto na programação que este ano substitui o Festival Jazz em Agosto. Ao seu lado estarão o saxofonista João Pedro Brandão, o teclista Hugo Raro, o baterista Marcos Cavaleiro e ainda o baixista sueco Torbjorn Zetterberg, grupo que criou recorrendo (sobretudo) a talento da editora Carimbo Porta-Jazz e respondendo a um desafio que lhe foi lançado há alguns anos pelo Festival de Jazz de Guimarães.

Ao telefone, logo depois do primeiro ensaio antes do concerto, Susana desvendou um pouco do que poderemos ouvir no sábado no concerto que marcará a sua estreia em palco enquanto líder neste período ainda pandémico, mas já pós-confinamento. “Vamos ter, portanto, a banda original, que é algo que eu tento ao máximo manter porque isso faz parte da composição. Os músicos de uma banda fazem parte da própria composição, no meu entender”, revela-nos, levantando um pouco o véu sobre o seu pensamento musical. Nesta breve conversa, a trompetista antecipa ainda as edições que tem alinhadas para os tempos mais próximos e não esconde a ansiedade perante o futuro incerto que a cultura agora enfrenta.



Este será o teu primeiro concerto pós-confinamento?

Será o terceiro, porque ainda antes da minha apresentação no sábado vou integrar o Coreto, na sexta-feira, que é um colectivo liderado pelo João Pedro Brandão que também toca no Anfiteatro da Gulbenkian. Antes disso, agora em Julho, estive na Noruega. Foi lá que dei o meu primeiro concerto: estive lá duas semanas, 10 dias em quarentena, para trabalhar 5 dias e fazer um concerto.

Portanto, o concerto do colectivo Coreto marcará a tua estreia pós-confinamento em solo nacional. São dois concertos muito diferentes…

Sim, no sábado apresento-me com a minha própria banda, de que eu sou líder. E nessa noite integro um ensemble dirigido pelo João Pedro Brandão que toca maioritariamente música dele, embora tenhamos já tocado também música de outros compositores, incluindo de alguns membros de Coreto. A música do João Pedro é um bocadinho mais estruturada e pensada para um ensemble mais alargado. Já com a minha banda… Bem, na realidade esta é a banda com que toco música mais estruturada, com composições da minha autoria em que eu tento integrar também partes de improvisação. Mas são músicas… são “canções” (risos) escritas, embora não muito, mas com bastante estrutura, com melodias escritas, grooves que são combinados e depois há sempre variações à qual a música está aberta… Mas, pronto, vamos ouvir 7 ou 8 “canções” distintas que podem também ser escutadas no álbum que foi lançado em Fevereiro.

Alguma alteração na banda?

Consegui garantir a presença de todos os membros originais da banda. O Torbjorn Zetterberg já está em Portugal, veio da Suécia. Vamos ter, portanto, a banda original, que é algo que eu tento ao máximo manter porque isso faz parte da composição. Os músicos de uma banda fazem parte da própria composição, no meu entender.

E como é a tua abordagem: há ensaios antes ou deixas tudo mesmo para acontecer no palco?

Normalmente nunca ensaio muito com as diferentes bandas com que trabalho, porque normalmente são colectivos de música improvisada total, mas com esta banda fizemos alguns ensaios, sim. Fizemos alguns quando gravámos o disco, há um ano, e depois fizemos sempre um par de ensaios antes de cada concerto, que, no caso deste disco, pelas razões conhecidas, não foram muitos, de facto. Houve um na altura em que apresentámos o álbum, no Festival Porta-Jazz, em Fevereiro. E agora para este concerto há mais um par de ensaios: um primeiro em que corremos o reportório do concerto todo, para sentir a estrutura e o flow da coisa, mas nunca gosto de ensaiar demasiado para não retirar flexibilidade à música. Mas olear um pouco a coisa para que tudo possa fluir de forma orgânica parece-me boa ideia.

Podes falar um pouco da ideia de impermanência enquanto conceito estruturante da música deste projecto?

Na realidade, acaba por haver um pouco de contradição, visto que esta é a banda em que eu mais escrevo, que tem mais composições, mais estrutura. Mas tal como o disco que gravei durante a quarentena, trata-se de encontrar essa impermanência nas pequenas coisas, nos pequenos momentos improvisados ou mesmo na maneira como um tema é tocado: há sempre variações, sempre coisas que de repente correm de forma diferente e que nos levam para outros lugares. Não é algo que se apresente de forma extremamente aberta, mas a minha expectativa é que mesmo ensaiando algo de uma determinada forma possam sempre acontecer desvios, que nos levem a outros sítios e que possam fazer com que as composições evoluam de maneiras diferentes, de cada vez que as tocamos. Essa é a minha vontade, a minha expectativa. Não é fácil esta conjugação entre coisas escritas e improvisação. É até algo que tem ocupado algum do meu tempo, do meu espaço mental. Penso muito em como será possível fazer isto de forma a que os músicos tenham muita liberdade, mas, por outro lado, que respeitem a música escrita e pensada sem a descaracterizarem. Dentro da Porta-Jazz, os músicos com que trabalho neste projecto pode dizer-se que vêm mais da tradição do jazz, de uma música mais escrita, mais estruturada, não se pode dizer que sejam músicos que no dia-a-dia toquem música completamente improvisada, completamente aberta. Portanto essa é uma das razões que me levou a estruturar mais a música deste projecto. Eu queria muito ter um projecto dentro da Porta-Jazz e isto surgiu tudo de uma parceria estabelecida com o Festival de Jazz de Guimarães, um desafio que me foi proposto. E só por isso já seria diferente. Mas estes músicos em concreto e esta ligação ao Porto e à Porta-Jazz são coisas que eu queria muito ter. Por isso fez todo o sentido desenvolver este tipo de música neste contexto. Mas, pronto, este disco já apresenta música com muito mais liberdade. No primeiro álbum desta banda havia várias páginas de material escrito e para este álbum inteiro há apenas duas páginas de música para toda a gente. Eu quis mesmo tentar escrever o menos possível, para, lá está, não sobrecarregar os músicos na arte de ler a música, de sentir. E isso deixa espaço para a micro-improvisação.

Mudando de conversa, há dias publicaste um pedido nas redes sociais: estás à procura de um novo bocal para o teu trompete?

Bem, na verdade já o encontrei: estava no armário da cozinha onde guardo o arroz e as bolachas. Eu meti aquele post porque, do nada, tinha perdido o meu bocal, entre a minha casa e a Porta-Jazz, onde fui ensaiar. E, de repente, fiquei meia em pânico porque não encontrava o bocal. Não é fácil encontrar um bocal, não há loja em Portugal onde o possa fazer e para o encomendar demoraria muitas semanas. O bocal é muito importante. Preferia ter perdido o trompete do que o bocal e por isso é que fiquei em pânico, mas depois quando ia fazer o jantar lá o encontrei… Tudo resolvido [risos].

Que novas edições existem alinhadas para os próximos tempos?

Bem, para começar aquele disco sobre o qual já escreveste, que vai sair em vinil na Matiére Mémoire. Está pronto desde Janeiro deste ano e sai agora em Agosto. Foi um convite que muito me surpreendeu e que me deixou bastante contente. Fiz algo de muito diferente do que costumo fazer e que me deu muito gozo. Depois, bem, depois há um disco que tem demorado bastante tempo para acontecer, por vários motivos: um quarteto gravado o ano passado em Portalegre, Hearth, comigo, com Kaja Draksler, Mette Rasmussen e Ada Rave. Vai sair na Clean Feed, penso que ainda este ano. O processo de mistura tem demorado porque toda a gente tem estado muito ocupada e tem sido difícil conjugar agendas.

Haverá também, já em Agosto, o concerto nas Noites do Museu do Chiado. Será a solo, certo?

O convite foi para um concerto em solo absoluto, e assim será.

Perante estas próximas datas e tendo em conta todas as mudanças impostas na cena dos concertos ao vivo, que sentimentos te inspira o futuro? Considerando até o tipo de relações que as instituições quererão ter com os artistas…

É uma questão muito complicada, mas posso dizer que não estou nada entusiasmada. Às vezes só me apetece mesmo ir para as montanhas e ficar por lá a fazer as minhas coisas. E esta questão é complicada porque as novas tecnologias causam-me alguma confusão: toda esta coisa do streaming e dos concertos online fazem-me muita confusão porque acho que são o oposto daquilo que as pessoas querem quando vão ver um concerto. Eu mesmo não o consigo fazer, não tenho qualquer interesse, sinto que não chega cá nada e que é tudo muito estranho. E o mesmo em relação a fazer concertos nesses moldes. Fiz um, na série do Experimental Sound Studio, de Chicago, e fiz no estúdio de um amigo, o que tornou as coisas um pouco melhores, mas quando me preparei em casa para o fazer, sozinha, senti-me muito estranha. Portanto, essa parte parece-me muito complicada. Depois há o outro lado: músicos como eu tocam porque podem viajar, porque é quase impossível fazer vida com este tipo de música a tocar no próprio país. Talvez só em França isso seja possível: o circuito lá funciona tão bem que os músicos podem passar o ano todo a tocar sem sair do seu próprio país. Isto agora vai ser mais complicado, as viagens estão mais dificultadas. Nem sei muito bem o que hei-de pensar disto tudo… Por um lado, até vejo algo de potencialmente positivo no facto das cenas ficarem mais locais, reduzindo as viagens, o planeta agradece se andarmos menos de avião. Isso será mais difícil para nós, em Portugal, que estamos longe de tudo, mas para quem vive no centro da Europa torna-se mais fácil, poderá viajar de comboio ou de carro e fazer tours assim. Implicará uma grande colaboração entre as salas, as organizações, os festivais, para que tal aconteça. Caso contrário, será quase impossível e só acessível a agências bem oleadas. Eu tentei montar digressões assim e é mesmo muito complicado. Esse esforço terá que ser feito pelas instituições, para tornar possível outra forma de fazer digressões. Seria o melhor que poderíamos retirar de toda esta situação. Tirando isso, não vejo que outra coisa positiva poderíamos retirar disto tudo. A música ao vivo, que é tão importante, passará a ser algo de luxo só ao alcance dos mais favorecidos? É o que parece e isso é triste. Causa-me alguma angústia porque sei que há muitos músicos que não estão a passar bem. Tenho uma certa esperança que, daqui a um ano, possamos pelo menos recuperar os bons velhos hábitos, mas não sei…


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