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Fotografia: Guilherme Cabral
Publicado a: 02/07/2023

O que é nacional é óptimo.

Sumol Summer Fest’23 — Dia 2: Bispo e Mizzy Miles brilham e ultrapassam nomes internacionais

Fotografia: Guilherme Cabral
Publicado a: 02/07/2023

O segundo e derradeiro dia do Sumol Summer Fest foi um que tão depressa não será apagado dos registos, muito pela estreia de mais uma entrada no legado de Sensi (Vasco Ferreira) — que orquestrou A História do Hip Hop Tuga, Eixo Norte-Sul e agora Guerrilla Girls —, mas não só. Mizzy Miles também provou o impacto que tem tido na indústria e trouxe mais de uma mão cheia de convidados, enquanto que Bispo esteve mais do que à altura da difícil missão que tinha em mãos e Matuê encerrou o festival com estrondo. No final de contas, só Iann Dior ficou aquém das expetativas carregadas sobre os poucos nomes estrangeiros do cartaz. Já os Children of Zeus, infelizmente não chegámos a tempo de os ver em acção — e aqui não deixa de soar um pouco pecaminoso colocar um projecto inglês de tamanha qualidade musical a subir ao palco logo às 17h30.



Guerrilla Girls é o nome de um coletivo artístico feminista e antirracista criado em Nova Iorque, em meados da década de 80. Mas, a partir de hoje, o nome terá entre os conhecedores do hip hop nacional uma nova conotação, já que passa também a denominar o coletivo que juntou o melhor do hip hop nacional no feminino e aproximou Cíntia, Carla Prata, Muleca XIII, Blaya, Eva RapDiva, Dama Bete e DJ Allexia. O resultado? Uma masterclass de rimas.

O projeto, planeado apenas e exclusivamente para esta atuação, junta algumas das mulheres com mais peso do meio numa curiosa mistura de experiência e frescura, que se manifestou em hits do momento e alguns clássicos no que à setlist diz respeito. O concerto começou com uma curta cypher que serviu de apresentação perante um nome relativamente desconhecido do público. Carla Prata abriu as hostilidades e foi seguida por Cíntia, antes que Blaya tivesse a oportunidade de soltar as primeiras barras. Dama Bete entrou discretamente antes de Muleca XIII e Eva RapDiva, que perante o jovem público festivaleiro pareciam ser as menos conhecidas.

Ainda assim, isso não as conteve e rapidamente desataram a puxar de forma enérgica pelo público enquanto, uma a uma, iam interpretando temas em nome próprio. Entre eles pudemos escutar: “Nevoeiro” de Carla Prata, “Grana” e “Je t’aime” de Cíntia, “Memo a Veres” (extraído de Casca Grossa, embora sem Regula) e “Bicicleta” de Blaya, “Cala-te” de Dama Bete, “Arrisca” de Muleca XIII (faixa que pertence ao álbum Mechelas de Sam the Kid), ou “Favela” e “Eu Não Danço” de Eva RapDiva.

Para recordar fica a desconstrução de barreiras entre géneros e a criação de um supergrupo do hip hop feminino que, em princípio, não voltará a atuar em conjunto — para muita pena nossa. Mas a esperança deve ser a última a morrer — não esqueçamos o que sucedeu tanto com Eixo Norte-Sul e A História do Hip Hop Tuga, que viram não só repetições como novas versões do seu formato. Por nós podem chamar as miúdas quando quiserem, é no palco que elas pertencem.



Tivemos o prazer de falar com Mizzy Miles nos bastidores antes do espetáculo, ele que nos garantiu que, apesar de não ser a estreia do formato, este seria o mais completo Mizzy Miles and Friends de sempre. Completo é bom, mas o que aconteceu foi ainda melhor. Afinal, há lá melhor para ver ao vivo do que um best of de um dos produtores mais ativos dos últimos tempos, que nos tem deixado hit atrás de hit com a maioria dos nossos rappers favoritos. 

A ânsia era grande para ver alguns dos convidados, mas com um tema acabado de estrear, a expectativa maior apontava para a possibilidade de se escutar esse novo “Fim do Nada”, que conta com a participação de T-Rex (que subiu a palco) e Zara G. A faixa fora divulgada na véspera e, sabe o Rimas e Batidas, fará parte de um longa-duração apontado para o final do ano/inicio de 2024 e que conta já com 7 singles.

Quanto ao desejo de ouvir o mais recente tema, esse seria cumprido bem perto do final da atuação, mas não sem antes assistirmos a um verdadeiro desfile de estrelas, que começou com Chyna e “O que é que tens feito?”. Seguiram-se dois homens da casa — Kosmo da Gun e King Bigs —, que antecederam 9 Miller, um dos artistas que mais colaborou com Mizzy Miles nos últimos tempos (relação laboral que culminou num disco editado em Março deste ano), benji price (que agora assina como João Maia Ferreira), Apollo G que com “Tempo Antigo” e um atlético mortal incendiou o público, Sippinpurp, o já mencionado T-Rex e até Julinho KSD.

O resultado foi uma dinâmica atuação que navegou entre o DJ set e o concerto ao vivo, intercalando hits de Mizzy Miles ou dos seus convidados com hip hop americano para criar um ambiente de festa ininterrupta bem ao estilo do que vimos o ano passado no Rolling Loud por parte de outros nomes internacionais. Aliás, Mizzy Milles marcará também presença no festival que decorre este mês em Portimão e só podemos esperar igual ou melhor, apesar de esta se ter claramente tornado numa das atuações favoritas dos festivaleiros da Caparica.

Como nota final, e depois de nos dar a escutar “Europa”, Mizzy viria reforçar espalhar a palavra de união e amor pela cultura que já nos tinham passado as Guerrilla Girls de forma menos explícita. Afinal, “fazemos isto pela cultura” e, por isso, “temos que nos unir e trabalhar mais juntos” para bem do hip hop nacional.



Com foco nos nomes nacionais, os artistas estrangeiros que subiram ao palco desta edição do Sumol Summer Fest estavam em inferioridade numérica. E apesar de ocuparem as letras garrafais do cartaz, Iann Dior foi mais um que não esteve à altura dos nossos artistas em vários aspetos.

Sem deixar escapar da setlist os seus hits, tocou-os todos para conseguir retirar reações do público que aproveitava a deixa do pôr-do-Sol para a tão necessária nutrição. Ainda assim, um Summer Fest praticamente lotado deixava-nos confundir a curta plateia atenta com os transeuntes, criando uma sensação de grande adesão ao concerto, que não era a verdade.

Fora durante “Mood”, “Emotios” ou “Gone Girl”, o público mal se fez ouvir, apesar dos apelos de Iann Dior que, em contra-senso, continuava a quebrar o ritmo do seu concerto com conversas inaudíveis que mantinha com a equipa técnica entre faixas. 

Valeu o esforço, a dimensão física que apresenta em palco e o gosto pelos cânticos de “esta m*rda é que é boa” que é ia utilizando para acender a plateia de quando em quando.



A missão de Bispo não era fácil. Preencher a vaga deixada por Wiz Khalifa no festival da Caparica é algo que não deve ser encarado de ânimo leve e as demais circunstâncias também não eram úteis. Convidado com apenas três dias de antecedência, Bispo viu a sua banda incompleta e teve dificuldade em recrutar convidados que o ajudassem a manter-se à altura da tarefa.

Mas é como diz a música: Bispo não estava sozinho e, apesar de estar no lado oposto do rio ao célebre código postal 2725, conseguiu reunir uma boa fração de fãs entre uma das maiores plateias que a edição deste ano do festival viu para um coro de refrões sem igual, enquanto nos trouxe temas de várias fases da carreira. 

Acompanhado de duas cantoras e de uma banda improvisada que resultou da fusão da sua com a de David Carreira, com apenas três dias de ensaios, Bispo apresentou um verdadeiro concerto de música ao vivo que começou com um “Mentalidade Free” a roçar o rock.

“Pormenores” foi o tema que se seguiu para deleite dos fãs que acompanharam do início ao fim, altura em que aproveitou para se dirigir ao elefante na sala. “Estive no Sumol em 2013 como festivaleiro, quem diria que iria estar aqui hoje”, começou por anunciar. “As melhoras para o Wiz Khalifa, mas agora estou aqui eu e sei que não estou sozinho, tenho o Sumol comigo”. E assim foi, ou não se teriam levantado tantas lanternas ao som de “Aviola II”.

Com uma camisola do Mónaco em que envergava o nome de Gélson Martins, Bispo não parou de entoar os seus hinos concerto fora e, sem convidados, fez o seu melhor para entoar os refrões cantados de Ivandro em “Essa Saia” ou de Diogo Piçarra em “Monarquia”, mas sempre reconhecendo os limites da própria voz e evitando as notas altas. 

Próximo de “Aviola II”, o momento alto da atuação terá que ser a participação especial de Carolina Martins, uma das vozes de apoio de Bispo que tomou o protagonismo ao partilhar “Planetas” com o rapper de Mem Martins, numa performance que não terá deixado Bárbara Tinoco envergonhada. 

“Infuencer”, “Lembra-te”, “NÓS2” e “Pontos Finais” foram alguns dos restantes temas escutados entre paragens que ia fazendo para garantir que o público era assistido nas filas da frente devido ao calor e à desidratação acumulada ao longo do dia — um gesto atencioso e digno de nota mas que prejudicou o ritmo da atuação.



Com Wiz Khalifa fora de cena, Matuê tornou-se no inequívoco cabeça de cartaz dos dois dias de festival, e tamanho título teria que ser levado em conta na hora do espetáculo. Não ficámos desiludidos. Que nem uma verdadeira estrela de rock, chegou a palco cerca de 30 minutos depois da hora marcada e foi recebido de forma apropriada e entusiástica, reunindo até dezenas de pessoas que se juntaram nas dunas atrás do recinto, mas com visibilidade para o palco. Lá em cima, Matuê fez-se acompanhar apenas de um guitarrista, um DJ e um virtuoso teclista.

“E aí meus tugas?!”, cumprimentou-nos em cargo pants e com uma mochila às costas, antes de dar início à lição que tinha preparado para a Costa da Caparica e que começou com “Máquina do Tempo”. A partir desse momento a vibração mudou drasticamente e a inquietude do tempo de espera foi substituída pela energia do surpreendentemente número de fãs na plateia. Fãs esses que se deixavam perceber a milhas, mesmo entre aqueles que apenas disfrutavam dos últimos minutos de Sumol Summer Fest e sem particular interesse no artista. Dalí para a frente houve braços que não pararam quietos no ar e cabeças que tampouco pararam de saltitar.

Seguiram-se hits como “É Sal”, “Banco” ou “Antes”, que foi precedida de um belo solo de piano clássico numa mistura de géneros inusitada mas que não é inédita aos génios mais criativos do trap e plug brasileiro, onde Matuê claramente se encaixa ao lado de nomes como Teto e WIU — os restantes membros da 30PRAUM não foram esquecidos pelo público entre mensagens em camisolas e telemóveis.

Por isso mesmo, “Quem Manda É a 30” não faltou no alinhamento, onde muito menos era admissível a ausência de “Quer Voar”, que fez disparar as colunas de fogo sempre que o verso “queimando gasolina” era escutado.

Para o jovem artista brasileiro, ficará mais uma boa memória de um concerto em Portugal. Para nós, a esperança de que um dia traga os companheiros para um verdadeiro show de trap brasileiro.


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