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Fotografia: Eduardo Jorge
Publicado a: 02/04/2023

A pluralidade das pistas de dança globais celebrada na capital.

Sónar Lisboa’23 — Dia 2: lições de clube em tempo recorde

Fotografia: Eduardo Jorge
Publicado a: 02/04/2023

Os chuviscos vão e voltam e é perante esta incerteza que somos novamente convidados para mais uma dança no recinto do Sónar Lisboa. Devido a uma equipa de reportagem mais reduzida e os compromissos da vida pessoal de quem vos escreve, a missão de ontem era simples e restringiu-se ao essencial: ver DJ Nigga Fox, com quem estivemos à conversa no ano passado, mais uma vez ao vivo na capital, bem como assistir à passagem de Kode9 pelo nosso país, ele que estaria lado a lado com SHERELLE atrás dos decks.

O tempo, quando assim, escasso, convém ser aproveitado ao máximo e motiva-nos a chegar um pouco mais cedo para sondar o que se passa pelo Parque Eduardo VII antes das 18h. Indo directos ao SonarVillage, já nem queremos vasculhar mais: por lá estava o DJ e produtor da Covilhã, Mingote, a distribuir tareia musical aos mais rijos, cujos tímpanos já suportam este tipo de frequências durante largas horas. À sua frente não havia propriamente um mar de gente, mas o número de pessoas no público era suficientemente grande para se fazer sentir em ocasionais manifestos de apreço pela música escolhida para alimentar os PAs. Do rudimentar e straight to the point techno de Detroit ao ghettotech com influências de Chicago, o co-fundador da Ovelha Trax mostrou argumentos que bastem para que o seu nome seja algo a ter em atenção para as venues que se regem por este tipo de sonoridades.

Já ouviram falar em música tribal feita a partir de um computador? Não sabemos se já há alguém que se tenha lembrado de reclamar essa definição, mas foi precisamente assim que soou a entrada de Nigga Fox em cena. Um loop simples e tântrico de kick, baixo e pratos de choque manteve-se em rotação durante alguns minutos, volta e meia adornado com alguns efeitos, percussões e synths, mas sem nunca abusar nos devaneios. Já completamente embrulhados num transe profundo, os níveis de agressividade foram subindo progressivamente até que a música assumisse contornos mais “completos”, começando a surgir as indispensáveis tarolas ou palmas para vincar a cadência pretendida.

Depois da ameaça de um techno mais tradicional, o homem que é um dos principais rostos do catálogo da Princípe Discos não demorou a puxar da ginga que lhe corre nas veias, levantando bem alto a bandeira da batida de Lisboa mesmo no coração da cidade. É Música da Terra, como lhe chama no seu mais recente EP, lançado há um ano atrás e que foi alvo de destaque entre os melhores álbuns nacionais de 2022 para a equipa do Rimas e Batidas. Ritmos quebrados e melodias quentes foram as principais armas no arsenal de um dos artistas mais vibrantes da diáspora, também ele um maquinista exímio pela forma como monta as suas faixas ao vivo. Entre a plateia que o escuta e observa, grande parte dos diálogos que notamos são veiculados em inglês ou espanhol, algo a que Nigga Fox já está bastante habituado a esta altura do campeonato, já que são muitos os países que o têm recebido e ovacionado nesse importante percurso que é a exportação da música feita por estas bandas. SHERELLE e Kode9, que estavam escalados para tocar a seguir no mesmo palco, eram outros dois “camones” que fizeram questão de assistir a praticamente toda a actuação de Rogério Brandão, não muito longe da zona onde este tinha o seu estaminé montado.

Findado o ritual, a dupla inglesa estava a postos para nos começar a bombardear com temas de incentivo ao “quebra-pescoço”. Produtos de gerações distintas, o propósito que os move enquanto DJs e produtores é muito semelhante — o de continuar a desbravar terrenos dentro da electrónica e mostrar a pluralidade de sonoridades a residir sobre esse largo tecto. SHERELLE e Kode9, representantes de grandes instituições dentro desta ampla cena, como a Fabric Records e a Hyperdub, respectivamente, fizeram valer das suas credenciais enquanto exploradores das sub-culturas de club: arrancaram o set com uma remistura do êxito “Groove Is In The Heart“, de Deee-Lite; passaram por clássicos incontornáveis das pistas de dança mais marginais, como é o caso de “Renegade Snares“, de Omni Trio; mas não deixaram nunca de estar ligados às frequências mais modernas, através de remixes para canções de ScHoolboy Q e Playboi Carti, por exemplo. Em suma, ao longo daquelas duas horas, o SonarVillage foi uma verdadeira sala de aula, com o par inglês a assumir o papel de professores e instigadores na disciplina da música de dança, levando-nos por todos os caminhos possíveis dentro desse infindável leque de diferentes tendências — houve garage, 2-step, jungle, drum & bass, hip hop, trap, footwork, juke e até dancehall a estimular-nos os ouvidos para chegarmos em beleza ao fim de mais uma missão pelo festival lisboeta.


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