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Fotografia: Gonçalo Santos
Publicado a: 21/06/2019

O artista gondomarense lançou o seu novo projecto na semana passada.

sien sobre Vazio: “Eu queria fazer um EP para pessoas que estivessem a passar por uma fase má”

Fotografia: Gonçalo Santos
Publicado a: 21/06/2019

Depois de aparecer no programa da Soulection na Beats 1, sien volta com uma proposta bem diferente: um EP, intitulado Vazio, que está disponível desde a semana passada. É introspectivo, seguro na entrega e tem a sua assinatura singular na produção. José Leal Riça assume o design e a animação e Kap assina a gravação, mistura e masterização do projecto.

O MC e produtor de Gondomar falou com o Rimas e Batidas sobre a sua evolução musical, o combustível para a criação do curta-duração e a editora EYE KNOW RECORDS.



Há um salto de gigante desde as tuas últimas amostras como MC (falamos de “D O L L Y ’s” e “Cria Dor“, lançadas há três anos). Estás com uma noção mais clara do que queres dizer e de como o queres dizer. O que estiveste a fazer neste tempo que permitiu este salto?

Estive sempre a trabalhar no EP, mas o meu foco foi evoluir na produção. Houve alturas em que deixei o rap de parte e só produzi, fiz remixes e instrumentais. À medida que ia trabalhando, as músicas iam aparecendo, e quando acabei a primeira, a “AR“, percebi como queria que soasse o EP. Ela serviu de guia para fazer o resto. Eu fui escolhendo inconscientemente certos sons e músicas porque eram próximas da AR. Comecei a compor [o Vazio] em 2017 e terminei no ano passado.

Eu queria que o EP ficasse o mais coeso possível, sónica e esteticamente, quase como se fosse uma só música. É por isso que ele é tão curto. Apesar de eu ser versátil e de gostar de fazer outros estilos, se fizesse isso ia fugir um bocado à estética das músicas que ficaram. Eu inicialmente queria fazer um álbum, mas quando acabei estas quatro faixas tomei a decisão de as deixar e fazer um EP. Estavam coesas, faziam sentido como um todo e imortalizavam uma fase da minha vida menos boa. Agora quero trabalhar em coisas diferentes.

Em relação às rimas, eu perdi mais tempo a escrever (do que o costumava), porque não queria que houvessem rimas só para encher. Eu queria que todas as barras fizessem sentido, para tudo fazer sentido no EP.

Essa evolução na produção é evidente. Os beats são interessantes, ricos, cheios de detalhes que se mesclam de forma elegante na música (como as vassouras nas tarolas em “N.M.S”). Tiveste que adaptar o teu estilo de produção ao Vazio ou foi uma evolução natural do que fazias?

Foi uma evolução natural. No início, quando comecei a rimar e não produzia, eu fazia digging de beats parecidos com estes, e fui um bocado ao encontro disso. Os meus sons antigos têm beats relaxantes, simples, com muito espaço para a voz. Como eu rimava nesse estilo foi fácil para mim voltar a ele. Por causa desse digging, quando aprendi a produzir já sabia como queria que os meus beats soassem. As minhas referências eram estes beats.

O refrão da “AR” é lindo, uma série de imagens que traduzem muito bem a ausência de alguém, de como ela se reflecte em várias coisas que nos rodeiam (“Será que és uma brisa, ou uma onda? Serás a areia que me aconchega, ou assumiste outra forma?”). É evidente que há uma ausência que acompanha este EP. Tornou-se mais fácil de se lidar com ela depois de o teres lançado?

Sim. Isso tem a haver com a morte da minha avó, que foi algo despertou o EP. A “AR” foi a primeira música que fiz depois dela falecer. Eu senti que foi uma espécie de um desabafo, que tinha que fazer essa música para lidar com o que me estava a atormentar.

Eu tenho outra música, que é a “Insónias“, em que o “outro” é a última barra do primeiro verso da “AR” (“Eu não sei para onde vou, Eu não sei o que é que faço, Eu só sei que estou escasso, E preciso que me abraces”). Quando eu actuava mais como rapper essa era a última música dos concertos, a que puxava mais feedback. Eu dei o meu primeiro concerto pouco tempo depois da minha avó falecer, e dediquei essa parte da música a ela. Essa parte passou a ser dela.

Eu queria fazer um EP para pessoas que estivessem a passar por uma fase má, para que pudessem ouvir e se identificar. Quando a minha avó faleceu, a primeira coisa que fiz mal as coisas acalmaram foi ouvir uma música de um amigo meu, o Bruce Boy, que fez para a avó dele, para sentir que alguém tinha passado por aquilo que eu estava a passar. Já me disseram que depois de ouvir o EP, apesar da vibe ser melancólica e um pouco triste, se fica com um boost de energia. O pessoal que se identifica percebe que está a passar por uma fase má mas que não pode ficar preso nela. Era isso o que eu queria. O que ando a fazer ultimamente são coisas muito diferentes porque já passei essa fase. Eu estou melhor, este EP representa uma fase da minha vida que está fechada.

No refrão da “S.E.C.M” dizes que estás sozinho no ringue. No entanto tens um estilo de letra, auto-reflexivo e nostálgico, que se aproxima de vários MCs aqui do Porto. Que tipo de solidão é esta? Está relacionada com a nossa cena hip hop ou é algo mais pessoal?

Eu acho que o rap é um bocado egotripping, guiado pelo “eu é que sou o maior”, “Quero ser melhor do que aquele ou o outro”, etc., e eu genuinamente não estou preocupado com isso. O que eu quero é ser melhor do que eu próprio.

Uma consequência disso, de estar constantemente à procura de aprender e de evoluir, é ignorar-me um bocado e ficar sozinho. Não que eu seja uma pessoa solitária, mas quando estás a trabalhar para ti vais acabar por te afastar, e os teus amigos compreendem ou não. Eu sabia que não estava a ter muita vida social, mas sabia que precisava de me isolar para acabar o EP.

Este EP saiu pela EYE KNOW RECORDS 2019, que lançaste recentemente. Fala-me dos objectivos e do futuro desta editora.

Esta editora é o que está por trás de mim enquanto artista, e é provavelmente a que vai lançar os meus futuros trabalhos. A minha ideia também é trazer novos artistas com a mesma visão que eu. Já estive em projectos semelhantes e senti que quando a visão não é próxima divaga-se muito e não se chega a lado nenhum, e eu quero evitar isso.


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