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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/11/2020

Menos camadas, mais liberdade.

SaiR: “O Light Headed trouxe-me uma liberdade que ainda não tinha experienciado”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 18/11/2020

Com a cabeça mais descansada, SaiR vira-se para o piano (acústico e eléctrico) no seu novo disco, Light Headed, que está disponível desde o dia 13 de Novembro no Bandcamp (e noutros serviços de streaming).

Depois de fechar um ciclo com Fractions em Maio passado, o produtor portuense olhou para dentro e estruturou as suas prioridades, afastando algumas “ideias nefastas” que o angustiavam. Uma “nova filosofia de vida”, garantiu-nos.

O renovado arsenal de instrumentos, um novo mapa jazz nacional em construção e as referências para a criação deste projecto são alguns dos assuntos abordados por Ruben Allen neste tête-à-tête com o Rimas e Batidas.



Editaste Fractions já em 2020 e agora lanças este Light Headed. Quais dirias que são as principais diferenças entre os dois trabalhos?

O Fractions veio fechar um ciclo e uma estética que explorei durante muito tempo. Os sons de sintetizador em primeiro plano, diversas camadas de adereços sonoros e uma forte tendência para incluir ingredientes que obrigassem a música a ser categorizada num estilo específico. Estilo esse comummente designado como funk moderno.  

O Light Headed trouxe-me uma liberdade que ainda não tinha experienciado. É música que respira mais livremente (por ter menos camadas) e em que me concentro na exploração do som do piano, seja clássico ou elétrico.

Pode ler-se no título e na leveza da música apresentada algum tipo de reacção ao isolamento a que a pandemia obrigou?

Sempre fui de parar para pensar e a introspecção diária é uma ferramenta da qual nunca consegui prescindir. O isolamento e a realidade de uma pandemia vieram reforçar o uso da mesma. Nunca tive as minhas prioridades tão definidas e estruturadas como agora. 

Estamos a viver uma época estranha e que está a obrigar muitos de nós a pensar no que, realmente, precisamos como humanos e no significado de palavras como “futilidade” e “efemeridade”. Acho que estes tempos me ajudaram a purgar algumas ideias nefastas que me assolavam, sem ter consciência disso, e também aprendi uma forma de viver mais leve. Este disco é, inteiramente, fruto de uma nova filosofia de vida.

No novo trabalho, o piano parece ganhar um novo protagonismo no teu som… Sentes o mesmo?

Sem dúvida. Neste trabalho, o som do piano acústico e eléctrico são os principais ingredientes. Os outros instrumentos estão apenas a dar apoio a uma composição que foi claramente escrita em piano. O principal interesse destas músicas está na exploração e na imprevisibilidade harmónica e não tanto na produção ou decoração.

Em termos de ferramentas, mudaste alguma coisa no “arsenal” com que criaste o novo álbum?

A mudança foi bastante profunda. Sempre tive uma paixão especial pelo som analógico das máquinas da década de 80, e ainda não a perdi, mas quase que isso se tornou numa obrigação. Via-me obrigado a estar no estúdio para poder trabalhar e não me estava a sentir confortável com essa “prisão”. Ter horários para gravar, e estar preso a uma estante com vários quilos de material analógico, não tem funcionado. Preciso de liberdade, em termos de espaço físico e temporal. 

Para este disco usei, essencialmente, um computador portátil e um pequeno teclado, igualmente portátil, que reproduz, de forma fidedigna, o som de teclados como Rhodes, Clavinet, CP e Grand Piano. E com esses dois elementos, e a liberdade que proporcionam, gravei e estruturei as ideias.  No final, não pude deixar de recorrer ao Juno 106, para gravar todos os sons de sintetizador presentes no álbum.

O disco soa um pouco como as cenas de library music dos anos 80, um jazz de fusão que parece apropriado para documentários, para peças de telejornal com o Eládio Clímaco ou algo do género. Quais dirias que foram as tuas referências, as tuas balizas para este trabalho e que tipo de filmes fazes na tua cabeça para esta música ilustrar?

Acho que perdi muito tempo a fechar-me musicalmente. Estive focado e até obcecado por certos estilos e, talvez por isso, nos últimos anos, fui abordado por uma profunda necessidade de libertação.  Isso provocou uma explosão de interesse por vários estilos musicais, essencialmente estilos da família do jazz e, principalmente, jazz de fusão. Também desenvolvi a capacidade de absorver, e de me deixar influenciar por estilos como rock, hip hop ou, até, lo-fi. Este disco é resultado de uma filtragem e de uma destilação do que tenho ouvido. 

Quanto aos filmes que faço para ilustrar esta música, eu sempre vivi muito no passado, e não consigo dissociar a minha música de um forte saudosismo, de memórias da minha infância, de situações que experienciei, de pessoas com quem me cruzei ou, até, de objetos que admirei.  As minhas memórias sempre me transmitiram muita paz e conforto. Quando faço música, posso estar a pensar em mim, em miúdo, deitado no chão, a brincar com Legos, num sábado de manhã, enquanto toda a gente ainda dorme, ou, no padrão do tecido de uma poltrona, onde o meu avô se sentava a fumar cachimbo, numa casa dos anos 40, na Praia de Mira.

Há por aqui também uma relação com uma ideia de jazz muito específica: nunca pensaste montar um ensemble para tocar isto ao vivo?

Nos primeiros anos em que me dediquei à música, sentia uma grande necessidade de tocar ao vivo. Mas, com o tempo, deixei de dar importância a esse lado e percebi que, o que realmente me motiva e o que me faz fervilhar é a parte teórica, a necessidade de aumentar o meu conhecimento musical e a experimentação dentro de portas. Sou conhecido por ser “aquele tipo” que não sai de casa e que nutre pouco encanto por estar no centro das atenções.

Começa a desenhar-se um novo mapa jazz nacional com projectos como Azar Azar do teu “vizinho” Sérgio Alves ou, mais cá para baixo, YAKUZA, YANAGUI, etc. Sentes pontos de ligação com essa cena? Nunca te ocorreu propor parcerias, colaborações?

Com certeza que sim. Acho que estamos todos no mesmo barco, na medida em que fazemos música que pode ser encaixada nos padrões da música moderna mas, com fortes e notórios elementos do jazz clássico, do funk, do r&b e da soul. Misturamos, filtramos e talhamos todos esses ingredientes, cada um da sua forma, e processamo-los através de uma visão e entendimento contemporâneo.

Podes dar-nos uma lista de quatro ou cinco nomes que consideres como influências primordiais no teu som e um par de discos sem os quais não conseguirias viver?

As minhas maiores influências são, sem dúvida, Dave Grusin, Spyro Gyra, Steps Ahead, Miles Davis e Jeff Lorber. Dois discos essenciais para o meu bem estar emocional são o Magnetic, dos Steps Ahead, e o 4, dos Blood, Sweat & Tears.

Permite-me, aqui, deixar uma nota de agradecimento ao meu pai, pelo excelente gosto musical do qual é detentor, e pelos seus conselhos musicais, que tiveram um profundo impacto nos meus gostos e que fazem parte desta lista.

Se pudesses pegar num clássico do cinema e refazer a sua banda sonora, qual seria?

Seria o Batman, do Tim Burton, de 1989.

Light Headed vai também ter edição física? Em que selo e quando irá isso acontecer?

Esperamos ter a versão em vinil entre Fevereiro e Março de 2021, e será lançada pela Neon Finger, editora essa que editou o meu álbum Becoming, em 2019.


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