pub

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 01/04/2019

Becoming é o novo álbum do produtor portuense.

SaiR: “Gosto de explorar os instrumentos e de ter total controlo”

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 01/04/2019

No dia 20 de Fevereiro, o produtor portuense SaiR lançou Becoming através da editora espanhola Neon Finger.

O novo longa-duração foi o pretexto para discutirmos as suas influências, a sua abordagem à produção e a géneros musicais como o funk ou o boogie.



Becoming são 36 minutos de boogie e de funk, o que é relevante só por si. O que te atrai tanto nestes estilos e neste som?

Por um lado, o facto de serem dançáveis, que é algo que eu procurei durante muitos anos. Era uma necessidade [para mim enquanto produtor] passar uma sensação de dança, pôr as pessoas a dançar, ou pelo menos deixá-las alegres. O que eu faço é bastante lento, mas é suficiente para passar essas boas vibrações.

Nunca ninguém me educou nesses estilos e não conhecia ninguém que os ouvia. Eu encontrei-os de uma forma pontual através da minha procura, ouvindo estilos diferentes e começando a afunilar o meu gosto. Comecei a me aperceber que gostava de certos sons, instrumentos, sintetizadores, e ao pegar nesses bocadinhos e juntando tudo descobri este soul/r&b/boggie.

Estás a dizer que chegaste a este estilo por aproximação?

Sim. Por um lado descobri a minha paixão pelos sintetizadores, onde fiquei, e ao mesmo tempo percebi que a maior parte da música electrónica não me atrai muito, não me identifico com ela.

O funk tem um lado muito físico, que se expressa na execução, e que tu consegues transportar para a tua música. Que partes do álbum são tocadas e que partes são sintetizadas?

Tudo em Becoming é tocado por mim.

E há alguma decisão que te leva a tocar tudo?

Primeiro, porque dessa forma tudo é autêntico. Se eu usasse samplers ia sentir que estava a dever alguma coisa a alguém. Não seria um trabalho 100% meu, seria baseado no trabalho de outra pessoa, o lado criativo seria aí castrado ligeiramente. Esse é o primeiro ponto, eu gosto de explorar do zero os instrumentos e de ter total controlo, nota a nota, e sinto-me orgulhoso quando descubro as notas certas, a sequência [de acordes] certa, a nota do baixo certa, etc. Para além disso, eu gosto de ter o poder de mudar alguma coisa, caso o queira. Tu com um sample estás restrito, por mais que cortes e coles, que mudes o pitch ou a duração das notas, as notas são sempre aquelas.

Por vezes eu fico 10 horas a ouvir um loop que fiz porque há alguma coisa que me faz confusão. Eu sei que vou descobrir que uma nota está no sítio errado, ou algo do género. Esse controlo seria impossível se trabalhasse com samples. Não tenho nada contra quem usa, mas no meu trabalho não gosto.

O que me motiva a continuar a fazer música é esse processo, principalmente a matemática da música. Gosto muito desse jogo, de perceber a relação entre as notas, porque é que certo intervalo ou progressão soam bem ou mal. Ando a estudar por mim e acho-o muito curioso.

Eu acho que o teu estilo, por causa dessa execução, tem um lado humano muito vincado. E que o torna diferente de outras electrónicas que têm uma estética assumidamente mais artificial.

Exactamente. Eu não quantizo nada e gosto que hajam micro-deficiências, como notas ligeiramente fora do tempo. No fim é isso que dá o groove.

Tu antes de seres produtor foste baterista em diversas bandas. Que mais-valias é que achas que essa experiência te passou para o trabalho de produção?

Precisamente o groove. Eu muitas vezes treinava bateria enquanto imaginava uma música, com um baixista a fazer uma linha, um guitarrista a fazer outra coisa e idealizava todos os ritmos da música, praticamente compunha mentalmente. Apesar de hoje em dia tocar muito pouco, foi a bateria que manteve ligado à música e que me exercitou a capacidade de estruturar ideias musicais e de as pôr em prática.

Portanto, há um exercício mental de composição que fazias como baterista e que continuas a fazer como produtor?

É isso. Sinceramente acho que a bateria, por ser muito rítmica, deu-me uma vontade enorme de me mudar para o oposto a certo ponto. Tu com uma guitarra ou com um piano consegues fazer uma música, enquanto que com uma bateria ficas por ali. Quando abandonei a bateria saí com uma vontade brutal de experimentar todos os instrumentos, comecei a explorar o baixo, a guitarra, os sintetizadores todos.

Mas tocaste bateria para o álbum ou é um sampler?

Eu toquei com a minha bateria electrónica, mas há muitas percussões que não são tocadas lá. Eu tenho uma base [rítmica] mais certinha, e basta tocar os outros instrumentos com groove que muda completamente o som.

Becoming conta com guest vocals de Adam Chini, Moniquea e Andre Espeut. O que achas que estes contributos acrescentam ao álbum que não conseguirias fazer sozinho?

A minha música até agora foi praticamente só instrumental. Só experimentei com o Adam Chini fazer um single. Para o Becoming eu fiz os convites também pela experiência, pela curiosidade em ver como [a combinação] resultaria para o público.

Eu tinha pensado em fazer um álbum mais pequeno só de instrumentais. Mas tinha feito músicas a mais que estavam num limbo estranho, porque não as achava merecedoras de serem instrumentais mas também sentia que era uma pena mantê-las numa pasta no computador para sempre. Então eu pensei que essa seria a solução ideal — já que não funcionam sozinhas, ver se com a ajuda de alguém elas se podiam tornar interessantes.

O Adam já o conhecia, e gosto imenso do trabalho dele. A Moniquea trabalha com a maior parte das editoras com quem eu trabalhei e com muitos artistas do estilo. Muita gente a convida e eu resolvi convidá-la também, porque ela tem aquele lado g-funk/Los Angeles, um flow de hip hop não sendo de hip hop. Tem um groove especial que me interessa muito. Com o Andre Espeut foi ele que me contactou, eu não conhecia o trabalho dele. Ele queria trabalhar comigo mas não lhe dei muita atenção, só que um dia estava a ouvir uma playlist e ouvi uma música em que ele entrava. Ouvi a voz dele numa música de soul super 70s e adorei-a, e entrei em contacto com ele. E acho até que a música com ele seria o single se tivesse lançado um. Vamos fazer um 7’’ com ela e uma remistura.

Então sempre vais lançá-la como single.

Sim, mas desligada do álbum. Tem uma mistura nova e uma remistura. É quase uma música nova.

Tens synths com sons maravilhosos, como os sopros sintetizados de “Curves in the Road”, os chimes de “Awakening”, entre outros. Quais são os que mais gostaste de usar em Becoming?

Definitivamente o Juno 106. O meu não parece o original porque não é o modelo profissional, que é bastante conhecido. O meu é a versão caseira, com colunas incorporadas e amplificador dedicado. Não parece o mesmo órgão, mas o circuito é exactamente igual e é muito mais barato.

É o sintetizador mais versátil que tenho. Consegues explorar desde os baixos mais potentes, profundos e encorpados de sempre até às leads médio-agudas mais agressivas e efeitos, como chimes e brilhos. Consegues fazer tudo e tudo muito bem. Se eu pudesse abdicar de todos os synths para ter só um seria este.

Também uso um DX-7 da Yamaha, e para baixos o meu Moog. Este e o Juno definem essencialmente o som deste álbum.

O funk/boogie estão muito ligados ao som trabalhado pela Motown nas décadas de 60 e 70. Consideras-te um revivalista? Tens mais interesse em prestar uma homenagem e continuar o som do funk ou em, através dele, criar uma nova identidade?

Sim, a minha música pode ser considerada um revivalismo. Eu faço questão de dar um toque moderno, não procuro usar os sons que já foram usados nas décadas de 80 e 70 por essas bandas, como B.B. & Q. Band, T-Connection e Teddy Pendergrass. Gosto de usar alguns elementos e características deste estilo, mas quero que o público ouça e perceba que a minha música é actual com influências antigas.

Eu também tenho muitas influências que não vêm do funk, como bandas de jazz fusão como os Steps Ahead do Mike Manieri, o Jaco Pastorius e os Weather Report, os Four Play, o Jeff Lorber, e outras bandas de fusão mais electrónicas. Eu acompanhei o trabalho desses músicos até o início dos 90s, onde eles continuaram a tocar fusão mas a incluir cada vez mais coisas, como todos os instrumentos que se iam inventando [sintetizadores digitais e não digitais, etc.]. Isso influenciou-me imenso e pôs-me a pensar [em música] de uma maneira completamente diferente.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos