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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/07/2019

De Coimbra para o mundo.

Rui Ferreira da Lucky Lux/Lux Records: “O mais complicado é ter espaço na loja para todos os discos que temos em armazém”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/07/2019

Aviso prévio: o autor destas linhas conhece Rui Ferreira desde os tempos de escola e trabalhou directamente com ele nos tempos em que ajudou a gerir o departamento de A&R da NorteSul/Valentim de Carvalho, entre 1995 e 2001. Mas o presente esforço que o Rimas e Batidas vai assumindo de dar atenção a algumas das principais lojas de discos do país não estaria a ser bem empregue se não nos levasse a olhar também para Coimbra, cidade onde a Lucky Lux acaba por ser uma espécie de oásis para os mais sedentos de vinil fresco.

Embora mais sintonizada com a electricidade das diferentes nuances da história rock and roll, a Lucky Lux tem no entanto um âmbito espectro representado no seu stock que já rendeu a quem acima assina rodelas tão distintas quanto Lord Willin’ dos Clipse, o primeiro volume de gravações de electrónica pioneira que a Deutsche Grammophon reuniu em caixa ou algumas preciosidades de library music. Será por isso mesmo para quem eventualmente investigue regularmente a memória impressa em vinil em busca de samples uma inesgotável fonte de matéria prima.

A Lucky Lux é também um óptimo sítio para se terem conversas sobre música já que Rui Ferreira é um excelente conversador, guardador de inúmeras histórias e um dos melhores defensores da memória musical da cidade dos estudantes. Mas não é apenas de memória remota que Rui se ocupa: enquanto editor na Lux Records tem dado à estampa inúmeros projectos centrados sobretudo em Coimbra. E o seu já bastante amplo catálogo inclui, entre tantas outras referências, os Ghost Hunt, banda que já mereceu atenção nas “páginas” do Rimas e Batidas.

Finalmente, Rui Ferreira é igualmente um homem da rádio. Aos microfones da Rádio Universidade de Coimbra tem desde há muitos anos lançado luz sobre as mais obscuras versões do universo no programa de culto Cover de Bruxelas, fonte aparentemente inesgotável de surpresas que chegam de uma vasta colecção pessoal que se estende por cerca de 40 mil discos. Os hospitais de Coimbra podem ter perdido um excelente enfermeiro, mas há muitas maneiras de cuidar da saúde das pessoas, como muito bem sabe quem já conseguiu curar males de melancolia com o disco certo… E a verdade é que na Lucky Lux há de tudo, como na farmácia.



Começa por nos apresentar a Lucky Lux: há quanto tempo está aberta, que tipo de loja é, onde funciona?

A Lucky Lux foi inaugurada a 11 de Fevereiro de 2017, e é uma discoteca que disponibiliza discos usados e novos nos seus vários formatos (vinil, CD, cassete, DVD). Funciona na Baixa de Coimbra, na Rua Sargento Mor, nº11.

Há mais lojas de discos em Coimbra neste momento?

Que tenha novidades regulares como a Lucky Lux, não. Mas existe por exemplo a Stradivarius, que resiste desde o final dos anos oitenta.

Fala-se muito na fértil cena musical de Coimbra e tu tens sido um dos seus principais agitadores. Essa cena tem equivalente num público consumidor de música, comprador de discos? Que tipo de clientes te visitam? 

Coimbra tem um público consumidor de discos, especialmente em vinil. Para além dos clientes habituais da cidade, a Lucky Lux recebe a visita de muitos turistas ao longo de todo o ano.

É fácil manter o stock de uma loja como a Lucky Lux abastecido de pérolas em segunda mão? Tens comprado muitas colecções na zona de Coimbra?

Neste momento, o mais complicado é ter espaço para colocar na Lucky todos os discos que temos em armazém. Tenho comprado algumas colecções na zona de Coimbra, mas não são muitas as pérolas. Essas encontro-as em feiras e viagens por todo o mundo.

Qual foi, até hoje, a melhor venda da loja, qual o disco mais valioso que já vendeste?

Já tivemos vários clientes que fizeram compras de 300 euros. Os discos mais caros que me lembro de terem sido vendidos na Lucky Lux foram a Metal Box dos PIL e 10000 Anos Entre Terra e Marte do José Cid. O disco mais valioso que vendi foi no Discogs, o CD single original do “Pennyroyal Tea” dos Nirvana (680 euros).

Os espaços físicos existem hoje em paralelo com negócios na Internet: o Discogs é importante para a existência da Lucky Lux ou é um mero complemento?

O Discogs é um complemento, especialmente para vender os discos mais raros e mais caros. Os clientes internacionais têm manifestamente maior poder de compra para investir nas peças de colecção. Mas as vendas na loja são a grande fatia da facturação mensal.

A música portuguesa, em geral, não apenas a que tu editas, é importante no conjunto de vendas da Lucky Lux?

É, sem dúvida, importante. A música portuguesa deve significar cerca de 40% das vendas mensais da Lucky Lux. Artistas como Fausto, António Variações, José Afonso ou Carlos Paredes são intemporais e vendem-se sempre bem.

Deixaste uma profissão sólida na área da saúde para te dedicares exclusivamente à música. Isso não é um bocadinho loucura nos tempos que correm?

Foi um risco calculado, visto que já tinha tido outras experiências com lojas de discos (a XM e a Quebra Orelha). A diferença era que as lojas não eram minhas, e por isso não precisava de estar sempre presente no horário de funcionamento. As vendas que já fazia no Discogs fizeram-me perceber que poderia perfeitamente superar o ordenado de enfermeiro. A verdade é que o ordenado de um enfermeiro do sector público é baixo. Tinha 25 anos de carreira, a progressão congelada desde 2004, e levava para casa pouco mais de 900 euros. Estes factores foram importantes, mas depois o governo de Passos Coelho e a Troika deram o empurrão que eu precisava.

Sendo tu um coleccionador, consegues impor o teu lado de comerciante ou recusas-te a vender qualquer disco que te interesse? Quem manda mais, o ” Rui coleccionador” ou o “Rui lojista”?

O “Rui coleccionador” leva muitos anos de avanço em relação ao “Rui lojista”, e por isso manda mais. O Ricardo, que trabalha comigo na Lucky Lux, costuma dizer que eu sou o melhor cliente da loja. Mas já vendi coisas da minha colecção privada.

Com que tamanho vai a tua colecção neste momento, tens ideia?

Perdi a conta há muitos anos. Mas diria que serão mais de 40 mil discos, nos seus variados formatos (12”, 10”, 7”, CD, cassete). Sou grande apreciador dos singles (7” em vinil) e terei mais de 5 mil discos neste formato.

Alguma área musical que te tenha interessado mais, enquanto coleccionador, nos últimos tempos? Alguma obsessão nova?

O rock e a pop dominam a minha colecção, e os artistas internacionais que mais procuro são Velvet Underground, David Bowie, Iggy Pop, Johnny Cash, Psychedelic Furs, Clash, Cramps, Fall, Flaming Lips, Stereolab, Beck, White Stripes, Black Keys, Nirvana, Tindersticks e Oasis. Destes, apenas no caso dos Psychedelic Furs sou o chamado completista. Os Furs têm sete álbuns de originais e a minha colecção ascende as duas centenas de discos. Nos artistas nacionais, as maiores colecções são de Amália Rodrigues, José Afonso, Carlos Paredes, Mão Morta e Legendary Tigerman. Nos últimos temos tenho procurado obsessivamente discos com versões (covers). O meu programa na Rádio Universidade de Coimbra, Cover de Bruxelas, é a principal razão dessa obsessão.

Enquanto coleccionador, qual foi a maior loucura/investimento que já fizeste?

Nunca fui de pagar grandes somas por um único disco. As maiores loucuras foram recentes: 75 euros pela edição do Coming From Reality (LP+7”) de Rodriguez e 100 euros pelo test pressing do primeiro disco do Quarteto 1111.

Para lá de lojista e coleccionador, és igualmente editor, agente e até promotor de espectáculos. Falando com o Rui editor, explica-nos em que ponto está a Lux Records.

O projecto Lux Records começou em 1995 e os primeiros lançamentos aconteceram em Março de 1996 com a compilação da Rádio Universidade de Coimbra – 10 Anos Sempre no Ar! e com o LoudCloud do duo António Olaio & João Taborda. Durante 20 anos mantive o projecto em paralelo com o meu trabalho de enfermeiro no hospital, mas sempre com edições regulares.

No final de 2016, deixei o hospital e passei a dedicar mais tempo à Lux Records. Nos últimos três anos fizemos 21 edições em CD e vinil de artistas como Dean Wareham, Legendary Tigerman, Parkinsons, Sean Riley & The Slowriders, Twist Connection, Birds Are Indie, D3O, Walks, Ghost Hunt, Victor Torpedo, Millions, Raquel Ralha & Pedro Renato, Wipeout Beat e Tricycles. Posso dizer que a Lux Records atravessa o seu melhor momento.

São editoras como a Lux, localizadas e especializadas, que representam o futuro desta indústria?

Não sei se representam o futuro da indústria, mas tenho a certeza que editoras como a Lux Records, que sabem valorizar a música, a arte e o talento, são o melhor da indústria. Se olhares para a história da indústria musical é fácil perceberes que era isso que estava na base de editoras como a Sun Records, a Motown, a Stax, a 4AD, a Creation e a Sub Pop. Mas depois, é como a frase que dá título aquele aquele instrumental dos Smiths – “Money Changes Everything”.

Levas quase cinco dezenas de lançamentos na Lux Records: aponta-nos quatro ou cinco marcos importantes que acredites que alicercem o teu catálogo.

Entre os principais marcos da Lux Records estão o Fossanova dos Belle Chase Hotel e o Farewell de Sean Riley & The Slowriders, ambos licenciados à NorteSul (Valentim de Carvalho). Depois temos o Naked Blues e o Fuck Christmas I Got The Blues de Legendary Tigerman, o Exposed dos D3O e o Jungle EP, a última gravação dos Tédio Boys.

Podes levantar um pouco o véu sobre edições planeadas até ao final do ano?

Em Setembro teremos a edição em vinil de Opacity dos Walks, e o CD de estreia das Spicy Noodles. Em Outubro haverá discos novos dos Mancines e A Jigsaw, e a edição em vinil de Mati da Selma Uamusse. Em Novembro, teremos a edição em vinil comemorativa do vigésimo aniversário de Boppin’ Like A Chicken de Ruby Ann & The Boppin’ Boozers. E em Dezembro surgirá o vinil dos Tricycles, que será lançado no concerto que eles vão partilhar com os míticos The Monochrome Set (em mais um “A Date with Lux” a 14 de Dezembro, no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra).

Além de tudo o resto, és ainda o programador e produtor do Festival Lux Interior que já conta um par de edições em Coimbra. Já há planos para 2020?

Para 2020 ainda não pensei em nada, estou completamente focado na edição de 2019, que decorrerá de 31 de Outubro a 2 de Novembro.

No dia 31 de Outubro, no Salão Brazil, teremos três das bandas que participam num tributo aos Tédio Boys que estou a organizar: Dirty Coal Train, Act Ups e Flying Cages. O disco de tributo chama-se Coverbilly Psychosis e posso adiantar que os Dirty Coal Train gravaram “Voodoo Heartbeat/Lost In The Jungle”, os Act Ups gravaram o “Baldie (The Bulldog)” e os Flying Cages revisitaram o “Laramie”.

No dia 1 de Novembro, no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) teremos a apresentação do novo disco (o 1º para a Lux Records) dos A Jigsaw, e o concerto de lançamento da edição em vinil de Mati da Selma Uamusse.

No dia 2 de Novembro, também no TAGV, os Mancines (Toni Fortuna, Raquel Ralha, Pedro Renato e Gonçalo Rui) apresentam o segundo álbum de originais e fazem as honras de abertura para o concerto de Samuel Úria (que fez uma letra para o novo disco dos Mancines).

Haverá um warm-up do festival nos dias 11 e 12 de Outubro no Salão Brazil, com mais bandas que participam no Coverbilly Psychosis: Subway Riders e From Atomic no dia 11, e Ghost Hunt e Wipeout Beat no dia 12.

Voltando à Lucky Lux e para terminar: vês-te a ficar sempre baseado em Coimbra ou já te passou pela cabeça abrir a loja noutra cidade?

Gosto muito de Coimbra e acho que a cidade precisa e merece uma loja como a Lucky Lux. A sede da Lucky Lux e da Lux Records será sempre aqui – “De Coimbra para o mundo.”


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