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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/05/2020

Seis novos temas no novo projecto do rapper e produtor.

Rotulado: Kilu vai em “busca da simplicidade de viver” no reencontro com o microfone

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/05/2020

Kilu regressou aos discos com Rotulado, o primeiro trabalho produzido e cantado por si desde Frequência, de 2014. A edição física, que custa 10 euros já com portes incluídos, pode ser encomendada através de e-mail (dellafyah@gmail.com) ou por mensagem no Instagram e Facebook do artista.

Foi na ressaca das comemorações do Dia da Liberdade que o EP aterrou nas plataformas digitais e a escolha da data não poderia ser mais acertada, já que o próprio conceito de Rotuladoé uma nova tentativa de Kiluanje de Sousa se desprender de qualquer estereótipo a que possa ser associado. O curta-duração é, por isso, uma conversa honesta entre o criador e o seu ouvinte, criado com foco na “busca da simplicidade de viver”. Afinal de contas, “o nosso único rótulo é ‘humano’”, conclui o rapper e beatmaker entre um curto jogo de perguntas e respostas com o ReB, que em 2018 o elegeu com um dos melhores talentos nacionais a casar essas duas vertentes.

Mais resguardado no que toca a versos, Kilu não tem tido mãos a medir nos últimos anos no que toca à produção: assistiu Blasph e Beware Jack n’OPROCESSO e lançou You Manity, Flame, Hollow e Pain Killer, quatro álbuns instrumentais nos quais assina como Dellafyah.

Ao Rimas e Batidas, o veterano, que em 2002 se estreou com Um Outro Lado Da Versão, falou sobre a concepção de Rotulado, antecipou um novo trabalho enquanto Dellafyah, que terá DJ Kronic, Tilt ou Muleca entre os convidados, e explicou em que consiste a sua “dieta” musical.



Já lá vão alguns anos desde que te apresentaste pela última vez como MC num projecto teu. O que te fez voltar a casar rimas e beats neste novo EP?

Sim, desde 2014. O último foi o álbum Frequência. No Verão de 2017, mês de Julho, lembrei-me de ligar o mic e questionei-me a mim próprio se ainda sabia rimar e gravar alguma coisa de jeito. Ao fim do mês tinha 14 faixas gravadas. Todos os dias despertava pelas 06h30 da manhã, começava por explorar algum beat ou melodia que cativasse a escrita ou algum refrão. Daí iniciava sempre algum esboço. Entre ir gravando e ir estruturando no DAW, ao final do dia já tinha um tema finalizado, com edição de vozes, elementos do beat, alguma pré-mistura. Ao final do dia, por vezes, iniciava o mesmo processo para poder começar pela manhã seguinte de cabeça fresca. O motivo que me fez voltar também foi o de fazer algo 100% para mim, sem pensar em nenhum tópico em concreto para o grande público, rádios, tipo “aquele tema que vai bater”. Pode ser paranóia minha, talvez, mas esse sentimento, que fica camuflado algures dentro de um criativo, é desconfortante, até por vezes provoca certa pressão na criatividade, daí confesso ter sido uma regra positiva para o meu bem estar criativo. Claro que também estava com algumas poupanças financeiras por alguns trabalhos não-musicais de Verão, [é] assim [que] muitos artistas compram o seu próprio tempo para fazerem algo num curto período de tempo.

Porquê Rotulado?

“O livro tem a sua capa e é sempre rotulado”. Parte do início do verso dois do tema “Rotulado”. Normalmente, nos meus trabalhos, salta-me sempre alguma frase, ou palavra, e acabo por sonhar com isso em loop por alguns momentos. Rotulado porque em parte assim vivemos todos nós em sociedade, sempre rotulados pela cor de pele — se és negro, se és branco se és mulato, se és albino, se és cigano, chinês, indiano, paquistanês… Se és ou não um ser humano, pelas crenças religiosas, pelo partido político, pelas escolhas de identidade e orientação sexual, se és do Norte ou do Sul, do Este ou do Eeste, qual a tribo musical, tipo de festival que vais, de que classe social, etc. Rotulado porque o ser humano em parte estagnou aí nesse ponto, quando no final somos seres humanos, vibramos positivamente quando vivemos momentos criativos, quando estamos ligados pela musica pela arte, em família, entre amigos, no campo, na praia, na água, num avião, existem sempre aqueles momentos em que nos olhamos uns aos outros e sentimos que somos mais do que escravos do tempo e de leis que funcionam em torno deste capitalismo não sustentável. O nosso único rótulo é “humano”.

Os versos que gravaste para o projecto foram criados com esse propósito ou nunca deixaste realmente de escrever e aproveitaste para compilar aqui alguns dos pensamentos que foste recolhendo ao longo deste tempo?

Nunca deixei de escrever. Desta vez fui escrevendo sem pensar em algum tópico para uma canção, pensamentos soltos pelo dia a dia, mais curiosamente os que mais uma vez deram a essa canção do tema “Rotulado”, tipo no tema “Como se Nada Fosse” foi inspirado num tipo de discurso ou testemunho de um dos membros dos grandes Run-DMC, falava acerca de onde e como o hip hop nasceu, que importância tinha nas suas comunidades e a comparar a direcção que teve com a sua evolução mais a nivelável de gerar capital, riqueza. Perdeu em parte a cara da humildade, a arte passou em parte a ser um género de “publicidade à beleza”, também no nascimento do hip hop um forte motivo foi acabar com a violência e os gangues, logo hoje em dia o que nos chapam em videoclipes são os gangsters armados até aos dentes, ou seja, levou um rumo contra um dos pilares desta cultura. Já outros temas ou versos são desabafos, partilhas de onde realmente estou nesses beats, como me sinto como ser humano, a busca da simplicidade de viver, o que realmente é e não é para mim até aqui neste percurso como artista e pessoa.

Quanto aos instrumentais: como foi o processo? Fazes distinção entre o que produzes para ti enquanto MC e o que apresentas no formato instrumental, como Dellafyah?

Sim, faço. Compor para mim é algo que por vezes, na hora em que estou a criar algo, me cativa e sigo nesse barco até encontrar um bom porto. Mas o que acontece muitas vezes, quando volto a ouvir-me nesses temas, é ter que remisturar esses acappelas noutros beats até sentir um clickna mente e no corpo, que é isso mesmo que preciso. Inicialmente um beat é só um veículo necessário para poder concluir uma ideia mais nas letras e na mensagem, logo despeço essa banda e contrato várias até acertar. Como Dellafyah, o desafio diga-se que é mais livre, não vive dessas regras ou desse tipo de experimentalismos, o foco é o desafio de poder tocar osbeats em formato fingerdrumming, uma forma de elevar o beatmaker a músico de palco, igual a um DJ que treina e tem as suas rotinas, um guitarrista, pianista… Fazer fingerdrumming tornou-se uma grande comunidade no mundo. Eu desenvolvi mais o que gosto dentro do lo-fi, boom bap, onde coloco os samples dos drums, dos loops, dos efeitos nos pads, como desenvolve a sequência para poder ser progressivo, ter a parte do refrão ou do pico no instrumental. Foi desenhado desde 2015 até 2019, altura em que editei o disco de Dellafyah — Pain Killer — que é o primeiro tocado e gravado em fingerdrumming. Este ano vem outro a caminho em que toco tudo ao vivo e directo numa só pista, mas este terá convidados: DJ Camboja Selecta, ele que é também o responsável neste disco da parte de captações de vozes, os Cazota (Bully e Splinter), a Muleca, o Tilt, o Brain, DJ Kronic, DJ Ki, DJ Ketzal.

Tens acompanhado de perto algumas das novas ramificações que têm surgido dentro do rap? Houve algum artista que te tenha inspirado de forma mais notória para este trabalho?

Nem por isso. Nunca fui muito de ouvir os outros artistas para inspirar-me para algo meu. Gosto mais de ser eu esse artista para outros artistas se inspirarem em mim. Escuto bastante estilos variados de musica. Quando lido com música a maior parte do tempo que tenho é para eu poder criar, concluir e avançar com trabalhos pendentes ou novos projectos. Ouço mais música ao sair à rua, tipo ir às compras ou de viagem, vou com os phones a absorver as minhas playlists, que vão desde o hip hop, folk, soul, jazz, future beat, house, world music. Muita coisa vem do Majestic Casual, Tiny Desk Concerts, rádio, podcasts no iTunes, DJ sets de amigos em algum bar ou festa… Agora infelizmente não sabemos quando se pode voltar a esse tipo de contacto. Ouço alguns artistas de fingerdrumming também, as minhas playlists ou sets como DJ. Ainda que tenha deixado de passar música há uns anos, não estagnei. No final, o que me inspira não são alguns artistas em concreto mas sim canções que trazem emoções novas que possam surgir ou cruzar com algum dos meus estados de espírito. A forma como aquele artista ou produtor abordou a composição, a produção que traz algo novo e refrescante para os meus ouvidos. Procuro sempre aquelas novas vibes e propostas fora da caixa.


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