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Publicado a: 29/05/2018

Dellafyah: “As pessoas observam o mundo com um telemóvel na mão”

Publicado a: 29/05/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [ILUSTRAÇÃO] Riça

Kilu voltou a apresentar-se como Dellafyah num novo álbum de instrumentais. Hollow conta com 16 faixas e chegou no passado sábado às plataformas digitais.

São mais de 15 anos de actividade, durante os quais Kilu editou três álbuns enquanto MC e produtor. Algumas colaborações — com rimas ou batidas — foram servindo para preencher essa lacuna de material, por parte de uma peça fundamental nesse complexo puzzle do hip hop feito em português.

Desde 2017 que Kiluanje de Sousa tem compensado os seus ouvintes com a música que resulta  da criação de um novo heterónimo: Dellafyah afasta-se das palavras mas fala-nos através de frequências, com especial aptidão para aquelas zonas do espectro sónico mais melosas, resgatadas de discos soul esquecidos em caixas ou prateleiras e, claro, com recurso às suas próprias habilidades no manuseio dos equipamentos de estúdio.

Hollow é o terceiro volume numa jornada que Kilu decidiu dedicar inteiramente às batidas e é-nos servido como o mais maturado dos frutos que caem da árvore Dellafyah, resultado de vivências além fronteiras e de uma inesgotável vontade de continuar a criar novos temas. “São o meu diário. Resumem os meus pensamentos, viagens e experiências do dia a dia,” conta Kilu em conversa com o ReB.

Foi com base na conjugação entre versos e música que o Rimas e Batidas destacou o trabalho de Kilu na “Caderneta de Génios”. Uma faceta na qual o artista ainda se revê, tendo confirmado ao Rimas e Batidas que continua a desenvolver novos trabalhos, embora sem grande pressa para os dar a conhecer ao mundo. “Vou escrevendo e já gravei algumas ideias. Talvez compile temas que não saíram, mais para partilhar com a malta espectacular que segue os meus trabalhos.”

 



Há aqui um contraste entre estes teus novos temas e o título que escolheste para dar ao disco. A que “vazio” te referes?

Refiro-me ao percurso que está a tomar a história da humanidade. Vivemos mais a tecnologia. As pessoas observam o mundo com um telemóvel na mão. Passamos mais tempo fechados em casa ou “isolados” na rua a comunicar com um ecrã. Falamos mais sobre o que vemos nos ecrãs. A nossa mente está mais no matrix do que neste planeta. Na música, tiraram os formatos mais importantes e deram-nos simulações digitalizadas dessa era analógica. São imensas coisas. No final temos esta sensação de vazio, tipo “tenho tanta coisa mas nunca estou satisfeito”, o que para os bancos e empresas que nos vendem a tecnologia é perfeito. Estamos exactamente como eles projectaram… Como o nosso dia a dia é scrollar no rato já nem damos banho ao cão. [risos]

São 16 instrumentais cheios de soul que aqui compilaste. Seguiste algum conceito ou linha de pensamento específico quando decidiste abordar este novo álbum?

Soul e jazz são a minha eleição desde o meu início de carreira, foi sempre o tipo de beat que mais senti. Para mim, os clássicos vêm daí. Quando vou produzir, por mais que pense numa linha que gostaria de seguir, o que me desperta mais é sempre o jazz e a soul. Vou improvisando, esboçando ideias, e completo com algo mais, mas sem me afastar de um certo minimalismo.

Passou cerca de meio ano desde o Flame, o teu anterior projecto de batidas. Podemos assumir que este Hollow foi todo produzido entretanto?

Sim, foi todo produzido do nada. Mudei de cidade, de país, e, neste disco, reflecti o que me rodeia aqui com o que vou deixando para trás.

Nesse álbum de 2017, abordavas os beats com aquela pulsação rítmica típica de Detroit, dando ainda espaço a algumas novas tendências dessa fusão mais assumida do hip hop com a electrónica. O Hollow soa como o “nível seguinte” — declaras-te ao future beat com aquele toque meio neo-soul e acid jazz, guiado por uma linha que talvez seja mais abstracta. Na tua óptica, o que diferencia este álbum do anterior?

Sim, abraço mais o futurismo e o experimentalismo neste álbum. O Flame foi o esboço do rumo que queria seguir, que culminou no Hollow. O Flame foi produzido entre a Primavera e o Verão e este foi entre o Outono e o Inverno. Isso influencia-nos de certo modo o estado de espírito. Para mim, as composições são o meu diário. Resumem os meus pensamentos, viagens e experiências do dia a dia. No Hollow usei muitos sons que captei em casa e na rua para a secção rítmica. No Flame fiz de uma forma mais crua, até porque algumas das faixas esbocei no telemóvel.

 


Flame é o novo trabalho de Dellafyah A.K.A. Kilu


Alteraste alguma coisa no teu setup que te possa ter inspirado a esta abordagem mais fresca e inventiva? 

Saiu a nova iMPC 2 e sim, um produtor de hip hop fica maluco quando se apanha com uma nova máquina — ou app, neste caso. Comprei uma kalimba, alguns instrumentos de percussão e sim, abriram-se novas portas e janelas. Mesmo assim não me quis distanciar muito do álbum anterior. A sujidade na minha produção é instintiva, mas também aprecio produções limpas e nítidas.

Foste um dos “cromos” na nossa “Caderneta de Génios”, publicada durante o mês passado. Como produtor que também domina a arte das rimas, faz parte dos teus planos voltar a casar essas duas vertentes? Já só pensas como Dellafyah ou o Kilu ainda tem algo para dizer?

Não faço planos de editar algo com rimas, porque ainda tenho muito material de Dellafyah para lançar. Posso adiantar que o próximo disco virá muito em breve e vai ser todo, finalmente, só à base de finger drumming — foi assim que começou Dellafyah. De vez em quando vou escrevendo e já gravei algumas ideias. Talvez compile temas que não saíram, mais para partilhar com a malta espectacular que segue os meus trabalhos.

Pudemos matar essa saudade quando te juntaste ao Makkas no The Raw Sample Project e quando colaboraste com o Beware Jack no Coisas de 1 Porco. Mais recentemente, produziste para OPROCESSO. Há algum artista de momento no teu radar? Alguma colaboração no forno que nos possas antecipar?

Sim, tenho colaborado na produção para alguns artistas. O Brain e eu estamos a desenhar um álbum juntos. O Tarzan tem duas produções minhas para o seu próximo disco. O HighLevel conta com beats meus para um EP, ou álbum, quem sabe. O Splinter, da Cazota Produções, tem beats meus, neste caso, de finger drumming, tocados de uma só vez na iMPC Pro. O FSH está a preparar um álbum e, até agora, conta com 2 beats. Darkanjo 6TO E.C. tem um beat, o Coca F.S.M. também. O Kapataz, para o próximo álbum, também conta, até agora, com um beat. Há mais malta a quem enviei beats, mas que não dá sinais de fumo… Quem sabe, talvez possa compilar algo para o Rimas e Batidas…

 


Caderneta de Génios: 12 mestres das rimas e das batidas que fazem a nossa história

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