Capas nas principais publicações da especialidade, listening parties espalhadas um pouco por todo o mundo e muito falatório online. Os dias que antecederam o lançamento de LUX foram recheados de burburinho à sua volta e criaram um clima de antecipação à volta deste que é o quarto disco de ROSALÍA. A expectativa era natural: a cantora catalã pertence à estirpe de artistas que ainda vê o álbum como um momento sagrado e trata o formato com o respeito que algo sagrado merece. De disco para disco, existe evolução, experimentação e reinvenção. Apesar da linha condutora que é a sua identidade criativa, cada álbum simboliza o início de um novo universo, de uma nova era e de uma nova persona artística. “Berghain”, o single de avanço deste novo projeto, vincou isso mesmo. Com participações de Björk e Yves Tumor e uma sonoridade que pode ser definida como algo entre música clássica e hinos episcopais, ficou notório que este seria uma obra diferente de MOTOMAMI (e de qualquer outro lançado pela artista até então).
Críticas a discos não são, regra geral, trabalho fácil. Como é que explicamos a alguém o que é que gostamos ou não gostamos quando se trata de música? No final do dia, postos de lado certos aspetos técnicos e outros fatores que podem ser de alguma forma “medidos”, aquilo que fica connosco relativamente a um álbum é muito mais sobre sentimentos (ou sensações) do que sobre coisas objetivas ou palpáveis. Acreditamos que o processo de criação de um disco pode ter algumas semelhanças com este processo de escrita, em que um artista percorre esse sinuoso caminho que é o de traduzir emoções, perspetivas e conceitos para um formato concreto, ao qual ainda acrescem todos os aspetos técnicos em torno da feitura da música. É uma corda de equilíbrio difícil e ROSALÍA traz-nos ainda um adereço extra: o da experimentação. É que a sensação que o single nos deixou — e que é reforçada após a audição integral deste disco — é que esta nova fase da cantora não tem nada a ver com MOTOMAMI, nem com El Mal Querer, nem, na verdade, com qualquer outro projeto lançado por uma artista pop em tempos que a memória nos permita lembrar.
Se ROSALÍA cria universos novos para cada álbum, o de LUX é o de uma igreja antiga, vazia, de tetos altos e paredes grossas, para que, lá dentro, caiba a grandiosidade dos instrumentais aqui reunidos. É uma experiência íntima. Apesar das peças musicais suportadas por orquestras, pelos imponentes coros Catalães, pelos riquíssimos arranjos musicais de nomes como Angélica Negrón ou Caroline Shaw, ou através das produções com toque de Midas de Pharrell Williams, a peça central do álbum é a voz de ROSALÍA — tanto a literal, com o seu timbre característico, como a metafórica, com a mensagem que carrega e os temas que explora.
O maior mérito deste álbum é, aliás, esse mesmo: agarrar numa experiência sonora transcendente e dar-lhe uma roupagem lírica mais mundana e terrena. Os temas explorados não são, por si só, tão arrojados como a música que os acompanha, mas a escrita é densa e interessante o suficiente para nos prender e ser copiloto da nossa navegação pelo disco. A presença de ROSALÍA no microfone tem também o condão de maestro ao longo deste projeto. Se muitas vezes a cantora é protagonista, noutros é a música que assume lugar de destaque. Este ditar de tempos contribui para a experiência que é a audição deste LP, carregando o ouvinte de emoções, mas também permitindo-lhe que recupere o fôlego antes de ser novamente arrastado para dentro do turbilhão que é o cérebro criativo de ROSALÍA.
As participações são bem curadas e acrescentam na medida certa, com destaque — talvez um pouco parcial — para a portuguesa Carminho em “Memória”, um dos temas mais bonitos do álbum. O orgulho de poder ouvir português num dos maiores discos do ano à escala global é partilhado com outros 12 idiomas, todos eles falados (ou cantados) no álbum, fruto de um processo de aprendizagem linguística que ROSALÍA levou a cabo durante dois anos.
LUX é um disco de audição obrigatória, muito porque dificilmente sairá um registo semelhante na esfera pop nos próximos anos. É denso, ambicioso, arrojado e vai beber a fontes menos visitadas pelos que habitam esse lado do espectro musical. É um projeto de impacto forte logo nas primeiras audições e que deixará, certamente, uma marca na indústria. É um statement. Mas é também denso e vale pelo seu todo, um daqueles discos que ganha força extra quando escutado na sua íntegra. Fica a sensação de missão cumprida para aqueles que ansiavam pelo regresso de ROSALÍA ao formato de longa-duração.