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RMR

DRUG DEALING IS A LOST ART

CMNTY CULTURE / Warner / 2020

Texto de Rui Miguel Abreu

Publicado a: 01/07/2020

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Apetece escrever esta crítica de rajada, para fazer jus à incrível música que RMR (lê-se “Rumour”) aqui reúne no seu EP oficial de estreia, DRUG DEALING IS A LOST ART, ele que também surgiu de rajada na cena com o impressionante “Rascal”, tema viral no mais infeccioso sentido da palavra. Porém, antes de se ir ao que interessa, uma pausa para um par de considerações: a Pitchfork não gostou de DRUG DEALING IS A LOST ART e compara o EP a um “smartphone apagado”: “estiloso, moderno, vazio”. O curioso é que a Pitchfork tem razão, mas usa os classificativos como se fossem um insulto quando, na verdade, até podem e devem ser entendidos como um elogio. É que o 3.3 com que DRUG DEALING IS A LOST ART foi agraciado vale tanto como o tão debatido 10 que a mesma publicação atribuiu a Fiona Apple. E aqui entre nós, que ninguém nos ouve, antes o tipo da máscara de ski do que a tão celebrada cantautora… Ainda alguém se lembra de alguma das canções que o FOMO levou toda a gente a escutar assim que Jenn Pelly deu um 10 a Fetch the Bolt Cutters? E sim, quem vos coloca esta pergunta deu um 20 a Meia Riba Kalxa de Tristany (e vejam lá se não funcionou…).

Adiante!

RMR vai ser gigante ou então não. Vai deixar marca ou então não. Como um telefone novinho em folha, para aproveitar a ideia da Pitchfork, RMR é um tipo cheio de promessas e possibilidades, mesmo que no fundo estejamos convencidos que mais tarde ou mais cedo o trocaremos por um modelo mais novo. Mas agora e aqui, neste estranho Julho de 2020, o homem que nos apanhou desprevenidos com a vénia aos Rascal Flatts representa o que de mais avançado podemos esperar de um país cujas ruas estão a ferro e fogo. RMR, queiram ou não, é um símbolo agudo deste presente.

Com produções cromadas de The Do Betters, Ism e Timbaland, cheias de melancólicos pianos MIDI e hi-hats soluçantes, capazes de soar perfeitos naquelas coisinhas brancas sem as quais toda uma geração parece não saber viver agora, RMR acrescenta mais um par de jóias para adornar o diamante com que se revelou, começando logo por “Welfare”, tema em que o misterioso cantor nos diz que cresceu com uma mãe na assistência social e que isso não o impediu de chegar ao ouro (“had to go and get it, my mum is stuck on welfare”), empurrado por Westside Gunn que assegura o primeiro verso, escancarando-lhe depois a porta para brilhar, tão intenso como a lanterna do tal telemóvel.

“Dealer” é outra pérola: “codeine got me in my feelings”, admite ele, sem vergonha de assumir que consome o seu próprio produto, o que é o primeiro “don’t” na lista de qualquer dealer que se preze. Mas RMR é mesmo assim, uma contradição com voz de anjo, com real drama na garganta, tornado absurdo pela máscara. Há mais algodão doce por aqui: “I’m Not Over You” cola banjo e 808s e mostra-nos que RMR tem um chapéu de cowboy a proteger o seu coração frágil e haja alguém em Nashville que se atreva a agarrar nisto porque seria interessante ver um coro de rednecks a entoar aquele “oooh oohh”; “Silence” parece ter aterrado vindo do lado errado dos anos 80; e “Best Friend” tem um qualquer inocente travo emo que pode deixar um sorriso nos lábios do mais empedernido céptico. O Ep ainda traz, além de “Rascal” (que já tinha sido descascado aqui), remisturas de “Dealer” com add ons de Future e Lil Baby e de “Rascal” com co-sign de Young Thug, que são sinais inequívocos de uma comunidade a reconhecer a validade deste newcomer.

Sim, ele é como um telefone novo, com a memória vazia à espera das fotos que vamos eternizar por cinco minutos no Instagram. E então?… Quem nunca?


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