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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 20/02/2024

Mensagens que ecoam como mantras.

Rita Vian: “Quero transpor os meus pensamentos, inquietudes e a minha forma de viver sem quaisquer barreiras”

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 20/02/2024

Rita Vian tem distinguindo-se na música portuguesa por uma originalidade, voz e estilo musical cujo melhor título seria o seu próprio nome. Foi entre 2019 e 2020 que começou a dar nas vistas, com o lançamento dos seus primeiros singles — “Diágonas”, “Sereia” e “Purga” — e pouco depois com o lançamento do seu EP de estreia, CAOS’A, que contaria com a produção de Branko.

Mestre da palavra e de uma lírica atenta dos sentidos e observadora dos silêncios, Rita Vian lançou em outubro do ano passado, o seu primeiro álbum, SENSOREAL, em que explora, de uma forma única, vários territórios sonoros, com influências assentes no fado, hip hop ou eletrónica, expondo de forma mais alargada as suas capacidades e visão, num álbum que foi produzido e orientado pela própria, com a ajuda na co-produção de nomes como João Maia Ferreira (outrora conhecido como benji price) ou Conan Osiris.

Foi num agradável parque, acompanhado pela paisagem sonora do chilrear dos pássaros, perto da zona onde a cantora tem morado nos últimos anos e onde recentemente gravou o seu mais recente videoclipe, da música “Podes Ficar”, que Rita nos acolheu para esta entrevista.



O nome do teu álbum mais recente, pode ter duas leituras — Senso Real, e até Sensorial. Como é que surgiu esta ideia e como é que ela se relaciona com o conceito que quiseste explorar com o álbum?

Senso Real, vem da ideia de existir sempre aquela coisa do “tem de haver bom senso”, e eu achar que o bom senso não é transversal a toda a gente, porque cada pessoa é de onde é, e mesmo sendo do mesmo prédio, da mesma rua, ou da mesma escola, todas as pessoas vivem realidades muito diferentes: em casa, e fora dela, com os amigos, com a família. Então, eu acho que gosto mais da abordagem de tratar as pessoas tentando conhecê-las primeiro e absorver um pouco de quem está à minha frente, do que falar só a achar que toda a gente terá as mesmas diretrizes, que vem de sítios parecidos, ou terá opiniões parecidas. Acho que todas as opiniões são válidas e devem ser ouvidas. E depois, sim, darmos as nossa opinião — contradizermos ou concordarmos.

Uma pessoa pode lê-lo como Sensoreal, mas aquilo que tu tiveste como ponto de partida é o Senso Real?

Senso Real. Porque eu não queria deixar a ideia do Sensorial/Sensoreal. Eu gosto de escrever de um ponto de vista muito sensível, muito de overthinkng, de coisas que tu achas que são psicossomáticas. Tens uma dor de cabeça, é por estares a pensar demais. Tens uma dor nas pernas, é porque andas a correr de um lado para o outro e não paras. E eu gosto de observar tanto isso no corpo como nos outros.

A lírica e a palavra trabalhada é um aspeto muito importante no teu trabalho, e nota-se que aqui, comparativamente com o CAOS’A, uma evolução, numa escrita que agora está mais térrea e menos metafórica, mais real, muito sobre os temas do amor, do auto-cuidado, do espaço entre o eu e o outro. Como é que foi evoluindo a tua escrita ao longo do tempo, e no processo deste álbum? 

Eu diria que quando se começa, começa-se naturalmente com algumas barreiras, na forma como te vais mostrar às pessoas e na forma como mostras os teus pensamentos e aquilo que queres dizer. E eu acho que neste segundo disco já tinha perdido muitas dessas barreiras. Essas barreiras existem na nossa cabeça, mas não há assim ninguém que vá perceber exatamente a tua vida através daquilo que estás a escrever. São milhares de possibilidades, então o que eu quero é transpor os meus pensamentos, as minhas inquietudes, e a minha forma de viver sem quaisquer barreiras, sem quaisquer coisas que me façam pensar duas vezes, ou ter receio que seja interpretado de determinada forma. Quero só escrever exatamente aquilo que eu sou e tentar trazer alguma realidade profissional que a minha vida pessoal tem também.

E estão as duas interligadas no fundo

Pois.

No “Temos Tempo” fazes referência a esta ideia de “ter cá dentro o Deus e o diabo” e dizes que “é nas palavras que me hidrato”. De alguma forma encontras também na escrita um lugar de conexão com algo mais superior, não necessariamente do ponto de vista religioso, mas se quiseres espiritual?

Eu exploro muitas coisas na vida, a espiritualidade também, mas acabo sempre a lidar comigo e a com a realidade que me rodeia. Às vezes nós podemos até seguir um caminho muito pessoal, e eu acho que isso acontece muito hoje em dia, de muita gente se descolar do mundo e tentar evoluir por si só, e tentar ser uma pessoa melhor tanto espiritualmente como pessoalmente, e depois acaba por se desconectar das pessoas à sua volta, porque nem toda a gente tem o mesmo ritmo de crescimento. E até os teus melhores amigos, que estão ao teu lado, às vezes em épocas da vida vão mudando consoante aquilo que estás a viver, e há outros que ficam para sempre, porque evoluem e tens os mesmos graus de crescimento que eles. “Deus e o diabo” é um pouco o equilíbrio entre…

a luz e as trevas, se quiseres?

A luz e as trevas, e não só. Existe uma frase que eu gosto muito, que diz que se tu disseres alguma coisa a alguém, que essa pessoa não está preparada para ouvir, essa mensagem passa por cima da cabeça dela e ela só vai ouvi-la quando estiver preparada. Então “Deus e o diabo” é tu saberes manteres-te no meio, não ires além daquilo que é suposto, nem ires por um caminho muito silencioso, mas pelo caminho da realidade. Estou a falar dos outros, mas posso falar para mim. Mas é aquela ideia da culpa de nós estarmos, por exemplo, numa situação banal da vida em que achamos que podemos fazer muita coisa, mas também podemos ficar parados. Isso, para mim, é o Deus e o diabo a conversar. É eu ter consciência que tenho que ficar no meio, e saber viver na incerteza do meio.

O que estavas a falar de às vezes as pessoas buscarem uma conexão e depois afastarem-se, até estava a falar mais a perspetiva da espiritualidade. No fundo, é sobre como podes acabar por usar a escrita para, se calhar, encontrar esse lugar no meio.

Sim, a escrita acaba por ser o meio. Ou seja, quando escreves uma coisa e acabas por revelar um pensamento, muitas vezes concluis esse pensamento para ti. A mesma coisa quando tens uma conversa com uma pessoa com quem confias muito, tens mais ou menos o mesmo resultado, acabas por dizer as coisas em voz alta e as coisas acabam por ganhar um sentido que tu tinhas na cabeça, mas ainda não tinhas materializado. E a escrita é esse meio termo.

Neste álbum estiveste mais na linha da frente na parte da produção e, de certa forma, lideraste quem co-produziu contigo e quem teve nos instrumentos. Como é que foi tomar as rédeas deste processo e trabalhar com todo este grupo de músicos?

Foi muito desafiante, claro. São muitas pessoas, e depois há também as tuas muitas pessoas na cabeça, as tuas muitas ideias de criatividade. Num primeiro disco, para mim, fazia-me sentido explorar muita coisa, e se eu não tomasse essas rédeas havia coisas que iam perder o meu cunho. Então, foi tudo muito escalado. Apareceu uma pessoa, por causa dessa pessoa lembro-me doutra pessoa, e por causa dessa pessoa lembrei-me de outra pessoa. Não foi uma seleção que aconteceu no início do disco. Foi uma coisa que foi acontecendo com o tempo. Felizmente contei sempre com o João [Maia Ferreira], que está comigo há muitos anos e já nos conhecemos, somos amigos. Ele acabou por aceitar este desafio de ficar a ouvir-me, e ficar um pouco a fazer com que as coisas no fim soassem a um disco. Mas enquanto o João ficava no estúdio — e claro que houve músicas que eu fiz só com ele, como a “Cuido de Mim” —, eu pegava em mim, ia para um estúdio, recolhia guitarras, às vezes não fazia sentido e ia ter com outra pessoa. Foi assim, uma busca constante até encontrar a pessoa certa, e depois sim, trazer para o João, montar mais uma canção, voltar a sair, voltar a procurar pessoas para música X, ou voltar para casa e compor mais uma música, e procurar músicos que fizessem sentido ali. A “Podes Ficar” é um bom exemplo disso, porque eu escrevi essa canção em Tomar. Simplesmente fui para lá escrever e compor, em 2022, e um tio meu estava a arranjar um telhado — ficou sem telhado e começou a chover. E eu, por ficar presa, ofereci-me para ajudá-lo, fiquei sem bateria e a andar de um lado para o outro, com as chaves de casa de lá sozinha. E de repente comecei a dizer na música “Arranjei as minhas mãos para tocar as tuas costas”. De repente não tinha sítio para gravar, não podia sair da casa e acabei por escrever a música em papéis, num recibo, e depois fui cantar a música vezes suficiente para não me esquecer dela, para chegar a casa em Tomar, e depois pegar no piano e não deixar que todo o ambiente que eu estava a ouvir da canção desaparecesse. Foi pegar no piano, fazer uma linha de piano, pegar na MPC e fazer uma linha de beat, e depois com aquele sample guardado, deixar amadurecer um bocado, acabar de escrever a música, que na verdade foi escrita praticamente toda no mesmo dia. Quando cheguei a Lisboa ainda demorei uns meses, porque ainda tive a trabalhar em outras músicas e não sabia que pessoas abordar para ouvir aquilo. Então lembrei-me do João Gomes, ao lembrar-me do João Gomes lembrei-me do Francisco Rebelo, e ao lembrar-me do Francisco Rebelo lembrei-me do Fred, acabámos por ir os quatro para o Namouche e gravámos a canção, depois mais adaptada. Depois o João acabou por acrescentar lá uma outra coisa, mas ficou lá tudo — a linha do piano, a linha de MPC. Depois é gerir, trazer isto tudo para o João, montar a canção mais uma vez, e ir olhando para as músicas todas — escolher uma, deixar uma para trás, escolher uma, deixar uma para trás.



No álbum, olhando também retrospetivamente para o EP, tens uma certa expansão mesmo nas sonoridades: o uso do piano, músicas só à viola, e cada música é muito mais singular e tem a sua própria forma. Como é que foi encontrar o equilíbrio dentro deste processo? Ao mesmo tempo que cada canção tem a sua vida, manténs o equilíbrio de ter um álbum coeso e com um fio condutor em termos sonoros.

Eu acho que essa era o meu principal desafio no princípio. Foi como quando eu comecei por lançar a “Sereia”, há muito tempo atrás, e era uma canção à viola, e depois fiz tanto a “Purga” como a “Diágonas”, que tinham um lado do beat e um lado eletrónico. Eu queria que todos esses elementos estivessem presentes num primeiro disco. E se não fosse eu a liderar esse disco, era muito fácil que as coisas se perdessem, e para mim era um desafio juntar todos esses elementos sem quaisquer impedimentos na minha cabeça. Eu tanto pego numa guitarra e largo um pensamento, como pego na MPC e começo a dizer palavras quase spoken word, que às vezes, ao juntar um piano, sai uma melodia e fica mais cantado do que dito, mas fica dito sempre.  E eu queria que isso fosse assim, que num primeiro disco todas essas facetas de composição estivessem presentes. O que vem para trás tinha todos estes elementos na mesma, antes do EP. Num primeiro disco esses elementos estão lá todos, o que vem a seguir, logo se verá.

Tu tens sido apontada como uma das pessoas que tem trilhado este navegar da fusão entre o tradicional e o atual, e tens cruzado referências como o fado, o hip hop, a eletrónica. No entanto, também tens um caminho que é muito próprio a ti, não é como se fizesses necessariamente parte de um grupo e tivesses a seguir alguma tendência. O que é que para ti significa usar estas referências e construir algo novo?

Para mim significa dar passos em frente. Eu acho que nada é estático, e felizmente muita gente tem essa consciência. A mim ajuda-me, até como ouvinte, ouvir artistas que estão a pensar e estão a usar todos os pensamentos, sejam eles mais complexos ou simples, como desabafos num disco. E eu acho que, às tantas, como eu tenho uma forte ligação com a escrita, para mim o que une tudo é o que se diz, é a mensagem. E depois, claro, as influências musicais que temos. Eu tenho uma grande influência que vem do lado do hip hop, uma que vem do lado das raízes da minha casa, porque a minha avó cantava muitos fados-canção. Mas eu a crescer ouvia muito mais hip hop e música eletrónica, então, para mim, o que me interessava era partilhar aquilo que eu penso, e todos esses elementos se vão juntando com o tempo, e não olhando tanto para a o rótulo. Eu normalmente estou demasiado fechada na minha cabeça para pensar nisso. Acho que isso é o melhor, no sentido em que acabo por me transparecer de todas as formas e livremente, e sinto que estou lá, em todos os lados. Há dias em que me apetece ouvir o “Ir Embora”, há dias em que me apetece acordar de manhã e ouvir o “Podes Ficar”, há dias em que me apetece fechar os olhos e ouvir o “Estás a Ouvir-me”. Faz-se uma grande distinção entre o fado e o hip hop — acho que há muitas distinções que se fazem entre as coisas —, especialmente entre instrumentos: o acústico e o eletrónico. Eu acho que a cama daquilo que estás a pensar é como o cenário onde estamos aqui a ter esta entrevista: nós podemos ter esta conversa em qualquer sítio e a conversa seria mesma. Simplesmente escolhi este sítio porque morei do outro lado, em Marvila, junto ao rio, e agora moro aqui deste lado, em Chelas, e vinha a pé a escrever de um lado para o outro, e nunca muda, escrevo sempre a mesma coisa. Esteja em Tomar, esteja aqui, esteja onde estiver. Por isso, para mim, o instrumental é homogéneo.

Costumas ouvir as tuas músicas frequentemente?

Não logo, comecei a ouvir há pouco tempo agora o disco.

E qual é a sensação que tens a ouvir as tuas músicas? 

É boa [risos].

Há uma componente, se quiseres meditativa, num certo sentido, com o repetir das palavras — “Quero ser como a água”, “tentar sempre”. Quando tu própria te escutas, acabas por ter a sensação um pouco como se estivesses a dizer um mantra e tens esta sensação de quase processo de cura ao dizer palavras que te estão a encaminhar a um lugar?

Uma vez disse a um amigo meu, que me dizia que ouvia a “Purga” todos os dias, que eu demorei, tal como neste disco, algum tempo a voltar a ouvi-la. E às tantas, quando comecei a ouvi-la, ouvi-a como ouvinte, ou seja, ouvia as minhas palavras como esse mantra que estás a dizer — eu estar a aconselhar-me a mim própria; não estava a pensar que era eu, e essa distância, até do ego, é um bom exercício.

A questão do “Tentar Sempre” é uma mensagem que é universal. E dá para tudo o que nós quisermos. Normalmente estamos todos a tentar sempre alguma coisa, porque tentar já é fazer. Temos um pouco aquela ideia de a realidade é o estar feito. Só é real quando está feito. Mas o que é real é o processo. E só o ir procurar um sítio para fazer o videoclipe já é fazer o videoclipe. Só ir até Tomar e ficar lá não sei quanto tempo a escrever, e sair de lá com duas ideias de canção que não sabes se vão para o disco ou não, já é ter feito o disco. Todos esses mantras acabam por ser universais, e eu englobo-me nessa universalidade. Vou muitas vezes ouvir agora o disco, à procura dessas mensagens de mim para mim. Aquela ideia de falarmos bem connosco. De quando tenho um dia em que queria ter feito uma data de coisas e acabei na minha cabeça a achar que fiz menos. Pensar: “Olha, mas tentaste.” 

Falando na casa de Tomar, a capa do disco foi tirada lá. Como é que isso aconteceu?

A capa do disco e o videoclipe do “Animais”, o primeiro single. Aquela foi a casa que se manteve ao longo da minha vida. Ia mudando de casa aqui, em Lisboa — vivi sempre aqui —, mas a minha família era lá de Tomar, e eu ia para lá sempre no verão. E por todas as casas por onde fomos mudando cá em Lisboa, acabas por deixar de ter o sentimento de pertença. Aquelas ruas que percorreste não sei quantas vezes depois são outras, e depois são outras. E aquela casa foi a casa que se manteve. Então, para o primeiro disco, eu quis muito que fosse um ambiente confortável assim, um sítio que eu conhecesse muito bem e onde todos os meus movimentos fossem um bocado como aquela sensação de não estarem a ser observados. Porque se estamos num sítio que não conhecemos, sentimos um pouco que estamos a ser observados. Mas se estivermos num sítio que conhecemos, nem damos pelas pessoas que estão a passar, e é um bocado essa a ideia. É estares tão perto da tua realidade e daquilo que tu és, que estás em casa, literalmente. 



Tu participaste agora recentemente no álbum do Carminho. na música “Simplesmente Ser”. O que é que essa colaboração te acrescentou, e como é que foi?

Olha, foi nessa semana em que estava em Tomar. A Carmo telefonou-me. Ela já tinha a música há algum tempo. Ela tinha-me pedido a música uns largos meses antes, e a música acabou por acontecer, eu escrevi e enviei. E ela no mesmo processo de fazer o disco foi fazendo e escolhendo, e no fim convidou-me para, em vez de escrever a música e a música ficar no disco, eu estar lá atrás. Porque como a música era muito um mantra… No fundo: “Estou a tentar simplesmente ser.” Ela quis despi-la, torná-la muito nua, mas de tão nua que tivesse uma voz atrás, a acompanhá-la, e que também houvesse um eco. Não ser só uma pessoa a cantar “Simplesmente Ser”, que houvesse uma ideia de coletivo, de que somos mais que um. “Estou a tentar simplesmente ser.” E depois há uma voz que não está exatamente no mesmo tempo, mas que se intercala, e é como uma resposta — “Eu também estou a tentar simplesmente ser.” E acabou por ser uma coisa natural. Eu ouvi a Carminho muitos anos, e para mim foi assim meio surreal. Claro que depois as coisas se vão normalizando e tu vais estando perto das pessoas e normalizando essa relação, mas felizmente manténs a consciência de que as pessoas têm muita história para te contar, e muito para te ensinar, e também ter consciência da sorte que é estares a trabalhar com pessoas que admiras, e pessoas que ouviste sempre.

Outra colaboração que tiveste foi com o Dino D’Santiago e o Branko no álbum de homenagem ao Sérgio Godinho, SG Gigante. Em relação àqueles com quem trabalhaste ou de quem tens estado perto, como é que tem sido conhecer estas pessoas que admiras e veres admiração mútua e um reconhecimento de valor no teu trabalho?

Isso é uma questão de crescimento, como tudo, tal como começar um trabalho novo. Ninguém te conhece, e depois vais-te tornando amigo de toda a gente. E depois, quando tu tens essas vozes muito presentes na tua cabeça, ou o trabalho das pessoas muito presente na tua cabeça, existe talvez uma admiração por distância que depois tens que destruir, e tens que alcançar e consciencializar-te do teu lugar. O Dino fala muito disso, da consciência do merecimento. E isso vai-se dissipando com o tempo, porque às tantas estás simplesmente a trabalhar com colegas que felizmente admiras, tens a sorte desses colegas quererem trabalhar contigo também, e acho que deves ser só grata por essa vida que vais construindo, mas que também é fruto do teu trabalho e daquilo que tu fazes todos os dias. Às tantas, tudo se torna uma equipa, porque dá tudo tanto trabalho e é tudo um esforço tão grande, trabalhar as emoções e depois materializar essas emoções de uma forma. Às vezes também exige uma frieza da tua parte. Depois o processo de construção exterior ao disco, vais ter com essas pessoas porque elas são os teus pares, são as pessoas que passam pelos mesmos processos que tu, e são as pessoas que te vão compreender, mais do que os teus amigos, que por mais que expliques um processo e a dificuldade e a frustração dele, eles não passam pelo mesmo, passam por outras coisas nos seus trabalhos. Tu vais ter com esses colegas de trabalho e procuras essa conversa, procuras essa amizade, portanto acho que isso depois com o tempo torna-se fluído.

Tu já pisaste palcos como o NOS Alive, Primavera Sound, Paredes de Coura, entre outros. Como é que tem sido chegar a estes vários lugares e como é que tem sido o desenvolver da relação com o teu público?

Tem sido incrível. Acho que isso é o mais fixe, porque eu fui aos festivais todos em modo festivaleira, por isso…

E também os Bons Sons, em Cem soldos, que não referi…

Nesse caso, é uma história maior. Mas sim, antes disso era o Festival de Cem Soldos, e eram bandas de lá da região. Eu cresci lá a ir comer algodão doce com o meu pai, com os meus irmãos, e de repente aquilo é um festival à escala nacional e eu estou lá a cantar. Ao lado da casa onde o meu avô nasceu. Pisar os palcos é uma construção, e acho que também é um exercício quase surreal, porque tu passas a tua vida a ouvir música, e de repente passas para o outro lado. De repente as pessoas estão de olhos fechados a cantar as tuas letras, está a chover torrencialmente e as pessoas não se vão embora, e tu estás a ver que está a chover, há pessoas que estão debaixo do telheiro, mas há pessoas que não estão. Estás a ter consciência dessas coisas todas, mas as pessoas ficam. Receber esse amor das pessoas acho que é uma coisa que toda a gente devia experienciar uma vez na vida, porque é uma ideia de tu te sentires ouvido, sais muito leve. Se tu puderes ir para um palco, pegar num microfone e dizer tudo o que tu queres e toda a gente aplaudir, sais de lá muito mais leve. Toda a gente te ouviu, toda a gente estava contente, toda a gente estava a dar amor, e tu saíste de lá, foste para casa, foste para onde foste, mas sentiste-te ouvido pelas pessoas, e isso é uma experiência muito bonita.

Quais é que são as tuas ambições para o futuro?

Continuar a fazer da minha vidas as minhas canções, continuar a transpor o meu dia-a-dia e os meus pensamentos para as minhas canções, sempre, e encontrar pessoas que façam o mesmo. Às vezes também é uma ideia de empatia de pensamento. Tu trabalhares com uma pessoa não é só escrever uma canção e trabalhar. São dias e dias de convivência e, portanto, há todo um lado humano que tu descobres sobre essa pessoa. Eu acho que vêm ter contigo e tu vais ter com as pessoas que são parecidas contigo nalguma coisa. E na música, especialmente, é assim. A mensagem que fica para além da canção, o eco que fica quando a canção acaba, é que aquelas duas pessoas fazem sentido juntas, seja qual for o estilo, seja o que for que está a ser dito. Eu acho que as canções são boas quando as pessoas fazem sentido juntas, e é isso que eu espero, encontrar pessoas que tenham essa alma parecida com a minha, e fazer projetos com mais pessoas, fazer projetos meus, e deixar que a minha voz faça ecoar essa mensagem sempre.


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