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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 09/10/2023

Dose dupla na Culturgest.

Ricardo Toscano: “Tocar o Bird With Strings com uma orquestra? É um sonho de infância. Ainda mal acredito”

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 09/10/2023

Conversar com Ricardo Toscano é aceitar um discurso que se move à velocidade da luz do pensamento, que tanto vai direito ao assunto e resolve questões complicadas com uma onomatopeia — “ya” —, como vai dar grandes voltas para responder a questões simples. Mas essa é a beleza da coisa.

Esta conversa, à mesa de um restaurante, foi motivada pela sua subida ao palco esta semana, na próxima quarta-feira, dia 11 de Outubro, para interpretar Charlie Parker With Strings, concerto de celebração dos 30 anos da Culturgest em que a Orquestra de Câmara Portuguesa — na ocasião composta por 18 elementos — será dirigida pelo maestro Pedro Moreira e aditivada com o quarteto de Ricardo Toscano, com o saxofonista a ser ladeaedo por João Pedro Coelho no piano, Romeu Tristão no contrabaixo e João Pereira na bateria. Toscano voltará a pisar o palco da Culturgest no dia seguinte, dia 12, para nova apresentação, em ambiente mais formal, de Chasing Contradictions, o mais recente trabalho do seu trio.

E como as conversas são como as cerejas, neste diálogo houve ainda tempo e espaço para se abordar a passagem de Ricardo Toscano pela edição de 2023 do SeixalJazz, que acontece já no próximo dia 13, com a estreia do projecto First Take, e também a sua participação no mais recente registo do projecto Lokomotiv de Carlos Barretto. Sem filtros, como convém.



Explica-me como é que surgiu esta ideia para este concerto muito particular. Tu além de um concerto com o trio, também vais tocar o Charlie Parker With Strings. Como é que esse desafio surge? É uma coisa imaginada por ti ou uma encomenda?

A Culturgest celebra 30 anos e eu também — eu já os celebrei este mês [risos]. Há uns meses atrás, o Pedro Santos desafiou-me a fazer alguma coisa assim, na Culturgest, para assinalar esse aniversário. As minhas primeiras hipóteses não resultaram por questões de agenda. Eu tinha proposto tocar com o Mário Laginha e o Camané, mas devido à agenda do Camané, não deu. E podia ser o Mário ou o João Barradas. Estávamos assim… É que o Camané já nos convidou aos dois. No disco que o Camané lançou em 2021, o Horas Vazias, eu e o Barradas fomos os dois convidados. Nós já tocámos os três e aquilo é…

Mágico?

É mágico, é avassalador e tudo o que tu lhe possas chamar. Eu propus isso, mas devido às questões de agenda, não deu. Depois estivemos a ver, e o Pedro Santos disse: “Desde que lançaste o disco, ainda não tocaste em Lisboa de forma ‘oficial’, pois não?” Houve uma apresentação no Hot Clube, em que tu estiveste, mas o disco ainda não foi apresentado assim, numa sala grande. Disse-lhe que podíamos fazer isso, mas que também podíamos fazer um outro concerto, mais “especial”.

A ideia foi logo cruzares-te com uma orquestra?

Eu já há alguns anos atrás tive esta ideia de recriar o Bird With Strings. O Pedro Moreira já fez isso uma vez, em Leiria, com o Perico Sambeat. Por acaso, foi a única vez que isso foi feito cá em Portugal. Por isso, a minha data não vai ser uma estreia nacional [risos].

Ele retrabalhou os arranjos?

Retrabalhou. Mas agora as editoras vendem os arranjos integrais. Então, o Pedro Santos ficou maluco com essa ideia. “‘Bora lá fazer isto?” E assim foi. Ao início há sempre aqueles problemas de, “vamos lá ver se temos guita” e não sei quê.

Isto será uma orquestra de quantos elementos?

Acho que são 18. Tem harpa, oboé, muitas cordas… É a Orquestra de Câmara Portuguesa — OCP.

És só tu com a orquestra ou tocas também com o teu trio?

Será com o quarteto! Neste concerto levo o quarteto. Tenho o João Pedro Coelho no piano, depois o Romeu Tristão e o João Pereira. Somos nós mais a orquestra, que terá o Pedro Moreira a dirigir, o que vai ser fixe. O Pedro conhece bem a música e já fez isso. Lembro-me que ele, quando estava em Nova Iorque, era tipo um braço direito do Robert Sadin, um produtor com quem fez arranjos para o Kenny Garrett. Nada mau, não é?

Nada mau. Terá algum significado especial para ti, fazeres este trabalho do Bird?

Então não? É um sonho de infância. Fogo. Isto, para mim, é mesmo a concretização de um sonho de infância. Eu sempre sonhei fazer isto. Ainda nem acredito [risos]. É aquele momento em que só quando ouvir a intro do primeiro tema a dizer-me… “Toca! Agora és tu e tens de tocar!” [Risos] O primeiro ensaio vai ser emocionante.

Não és completamente estranho a este tipo de embates. Tens a música do Monk, por um lado, a do Coltrane, por outro, que já foram ambas abordadas por ti. Mas como é que se dá a volta a um monumento deste tamanho?

Não sei [risos]. Eu vou confiar numa coisa… Isto pode ir contra mim ou pode jogar a meu favor. Eu conheço a música deste disco e deste estilo tão bem — o disco, em específico, foi muito importante para mim ao longo dos anos — que parece que os concertos que eu fiz de celebrar outros artistas… Seja a música do Coltrane ou do Monk, sei lá — eu quando toco celebro-os a todos. Mas este disco foi mais marcante para mim antes de os outros o terem sido. Parece que estou a revisitar uma coisa que tem mais história comigo do que os outros que eu já celebrei. O que é que eu quero dizer com isto? Não estou em casa a fazer um training camp para isto e acho que nem há training camp possível para tocar esta música. Eu vou confiar no nível de conhecimento que eu tenho acerca desta música e deste disco e vou confiar nisso para tocar, sem me preparar para tocar. A preparação foram estes anos todos de estudo, de vivência e amor por isto.

Tiraste as malhas dele alguma vez?

Não.

Nunca as transcreveste, de alguma maneira?

Não. Quando andava na escola, a cada semestre obrigavam a tocar um solo transcrito. Eu aprendi um solo do Parker, o do “Confirmation”, que nem entra nesse disco. Quando dava aulas no Hot Clube, obrigava os gajos a tocar o solo do Parker no “Embraceable You”. Eu acho que as pessoas não têm de aprender solos, mas têm de saber solos. Percebes o que estou a dizer? Imagina que havia muita poesia gravada — em disco, cassete, o que tu quiseres —, tu não tens de aprender o poema para o saber, tu só tens de gostar tanto dele que vai acabar por sabê-lo. É assim que eu sou. Eu não transcrevo solos, mas se me perguntares quantos solos é que eu sei, eu sei muitos e de vários instrumentos diferentes. Isso, para mim, é que é a coisa mais importante: saber por consequência e não por fixação.

Desta vez vai estar a tocar música de um saxofonista alto.

Pois é! Faltam duas semanas para o concerto e o meu saxofone está agora na revisão. Vou buscá-lo hoje ao fim da tarde ou amanhã de manhã.

É a revisão dos quantos quilómetros? [Risos]

É a revisão do ano [risos]. Agora vou fazer um trabalho mais intensivo, mas é um trabalho meu, de preparação. Vou tocar umas melodias dessas. Eu nunca toquei essas melodias. Conheço aquilo tudo e já toquei os temas várias vezes, mas não aquelas versões, naqueles tons e naqueles arranjos de cordas com estruturas específicas. Nós até vamos ter de fazer um ensaio só com o quarteto para bombar as estruturas daqueles arranjos.

O que é que uma melodia tem de ter para te agarrar? Alguma vez choraste a tocar?

A tocar não. Sabes a história do Ben Webster?

Sei quem ele é, mas não estou a ver que história é essa de que falas.

Há uma história incrível dele. O gajo estava a tocar e começou a chorar. A malta vira-se: “Mas tu estavas a chorar?” E ele: “Estava a tocar tão bem que nem estava a acreditar.” [Risos] Ele é o campeão dos campeões só por ter dito isso.

Tu ouves-te quando estás a tocar?

Sim.

Tens noção do que estás a tocar?

Tenho toda a noção.

Eu ouço muitos músicos dizerem que quando o concerto acaba nem se lembram bem do que é que aconteceu.

Eu toco muitas vezes em contextos diferentes — de dia e à noite, num bar ou numa sala de espectáculos. Como é que eu posso estar a tocar e deixar-me completamente ir, tendo em conta que se der um passo ao lado pode estar a passar uma pessoa que me dá com um copo na tromba ou uma merda assim no género. Sei lá. Pode acontecer, não é? Eu sou uma pessoa naturalmente muito atenta, muito consciente do meu espaço. Vejo tudo à minha volta. Não estou a controlar os outros, tipo OCD, mas sinto-me bem a ver e a ter noção do meu campo de visão. Há concertos em que o palco está mais salvaguardado, onde há mais silencio à volta e isso tudo — se calhar é aí que eu me deixo ir muito mais. Mesmo assim, essa minha atenção não se vai embora. Aí não se trata de espaço. Trata-se simplesmente de ouvir e de escutar tudo aquilo que a malta toca à minha volta.

Isso é um super-poder para um músico, não é? Tu ouves-te a ti próprio e ainda ter a capacidade para ouvir o que os seus companheiros estão a tocar.

É um super-poder. Acho que o ouvires-te a ti próprio é o último super-poder, porque o mais importante é o tu ouvires o que os outros tocam. Ouvires-te a ti é tipo, sei lá. Tu estás a conversar com alguém e estás a ouvir o que as pessoas dizem, não estás a ouvir-te a dizer as coisas. Um gajo às vezes até se arrepende de dizer certas coisas, com certos tons de voz, como às vezes o fazemos.

Tipo o quê?

Tipo uma discussão com alguém. Por vezes, um gajo está mais preocupado em ouvir a opinião de toda a gente, e assim que dizes a tua própria opinião em voz alta ficas tipo, “hey, raios!”

“Eu disse mesmo isto?!”

A tocar é a mesma coisa.

O teu espírito crítico funciona enquanto estás a tocar? Tipo: “Eu acabei mesmo de tocar esta nota?!”

Ya! Às vezes penso só assim: “Que burro!” [Risos] Outras vezes posso pensar que fui ingénuo. Tenho este super-poder com o qual eu nasci, que é o ouvido absoluto. Eu raramente tenho dúvidas das coisas. E quando a tua estimativa está 99% certa e há um momento em que algo falha ou está errado, que te soa mal, eu digo assim: “Porra. Que merda. Falhei.” Mas, depois, penso assim: “Se falhei é porque estava a tentar fazer isto assim.” Ou seja, eu nunca vejo isso como uma falha.

Esse processo mental é instantâneo?

É instantâneo, mas às vezes também por reflexão.

E quando sentes que falhaste em algo, os teus olhos movem-se naquela de, “será que alguém reparou?”

Isso não. Até porque ninguém me está a julgar. As pessoas não sabem se aquilo para mim foi um acertar ou um falhar. Aí acordo do transe ou da zona, digamos assim. Sempre que tu te deparas com dificuldades no teu caminho, tens mais consciência de onde é que estás.

E agora uma pergunta difícil: é esse teu espírito crítico que te tem impedido de lançares algumas das coisas que tens gravado ao vivo?

Não.

Pergunto-te isto porque me lembrei dos concertos em torno do Coltrane na Culturgest.

Ah, não. Isso é deles. É uma gravação deles.

Está bem, mas

O disco não fazia sentido. Para mim, o melhor concerto foi o de sábado de manhã e eu nem sei se aquilo foi gravado com multi-pistas ou se dá para mudar alguma coisa naquilo. Esse concerto foi muito bom e eu gostei muito.

Eu também.

Tu viste esse?

Eu vi um à noite.

Mas o de sábado de manhã foi o que eu adorei. Digo-te que foi mesmo muito bom. E aproveito para dizer isto aqui: se a Culturgest tiver interesse em mandar isso cá para fora, ‘bora, vamos a isso!

Fica registado.

Fica a provocação feita [risos].

E tu tens noção do quão isso afecta a tua imagem, o dizeres que um concerto a um sábado de manhã foi muito bom?

A minha noite foi tranquila [risos].

As tuas noites não são melhores que as tuas manhãs?

Não sei. Eu sou aquela pessoa que quando tem de fazer uma coisa a uma determinada hora vai fazê-la e vou ter de estar lá a dar o meu melhor.

Há uma outra coisa para mim que é um mistério. Eu não sou músico e, por isso, peço desculpa pela pergunta. Tu tens estes dois concertos programados para a Culturgest: um é em trio, onde não tens paisagens harmónicas nenhumas-

Então não tenho? É a minha imaginação [risos].

No outro estás com uma orquestra, que é tipo o paraíso harmónico, não é?

É verdade. São extremos.

Tu tens de mudar algum chip? Como é que a coisa funciona?

Acho que não. Para mim, isso representa duas coisas: a data com orquestra está mais esgotada, enquanto a do trio está mais vazia [risos].

Então a minha pergunta real é: quando tocas em trio, há uma orquestra imaginária na tua cabeça?

Há, sim. Na minha e na dos outros, do trio todo. A maneira de tocar em trio também é diferente da de tocar com quarteto ou com orquestra. Imagina: se tu fores um pensador livre, tens de justificar e suportar os teus pensamentos com teoria; tens de criar uns alicerces para poderes fazer a linha do teu pensamento, justificar com conceitos às pessoas para, depois, poderes solar no teu conceito. Na orquestra não, é como se tivesses um partido político atrás de ti e tu podes só estar a implementar ideias novas.

Eu estive em Oslo há pouco tempo e estive no museu do Munch, onde vi três versões d’O Grito. Uma delas é tipo serigrafia, a outra é um desenho com lápis e a terceira é uma pintura. Eu penso nisso como se o Munch fosse um saxofonista e num caso ele está a tocar um solo, noutro ele está em trio e noutro está a tocar com uma orquestra de cores. Estás a ver?

É completamente isso.

Ou seja, a pintura é a mesma, mas o que muda-

Não te queria interromper, mas acho isso mesmo. E há uma coisa muito importante: o trabalho de cada um é tão longo, de tantos anos, a fazer tudo e mais alguma coisa. Então eu confio sempre na nossa capacidade instintiva de, em cada situação, nos mostrar aquilo que temos de tocar. É tipo: eu não vou tocar a cena do Parker de uma forma, para no dia a seguir estar a tocar… Eu nem tenho de pensar nisso, porque no dia a seguir já estou-

Mas como é que resolves isso, espiritualmente? De onde é que vem essa inspiração? É divina? Acreditas em alguma força superior?

Não sei de onde é que vem e acredito em tudo. Mas não acredito que alguma força superior seja maior que a minha consciência. Acredito no deixar-me ir, mas acredito mais que essa força superior possa vir até nós através de coisas esclarecidas. Se eu estou a tentar compreender uma coisa que não compreendo e, depois, consigo compreender, eu posso dar o mérito a mim próprio de conseguir superar-me. Mas também posso interpretar esse superar como tendo uma força superior a ajudar-me. Não te consigo dizer que, quando vou tocar, aquela merda é só inspiração divina, não senhor. Não é “algo” que me faz tocar assim. Não é isso.

Já sabes qual vai ser o teu próximo disco?

Acho que vai ser gravado estes dias, talvez [risos].

Na Culturgest?

Não. Acho que não faz sentido gravar a cena com as cordas.

Então que disco é que vai ser gravado nos próximos dias?

É de uma banda nova que vai ser estreada no Seixal e em Castelo Branco.

Fala-me sobre isso.

O Seixal Jazz fez-me uma proposta de carta branca. Ou seja, convidaram-me a criar uma banda à minha escolha. E eu pensei, “ok, vamos lá fazer isto.” Escolhi três gajos inacreditáveis, daqueles em quem eu penso assim: “Estes gajos tocam mesmo bem e podemos construir alguma coisa de novo juntos.” Cada pessoa teve a sua vida até ao momento, então quando tu conheces uma pessoa tu constróis a partir dali. Eu tenho a minha banda há 10 anos e esses 10 anos não são só coisas boas. Há muitos vícios, muitos… Eu não estou a falar da incapacidade de alguém, mas a forma como as pessoas lidam com as coisas. Nós somos tão próximos que, sempre que queremos desafiar alguém ou deixar alguém desconfortável, parece que é quase um ataque ao ego dessa pessoa, sabes? E não tem que ser!

E que quarteto é esse?

Sou eu, inevitavelmente [risos].

Jura. Tu vais estar no teu próprio quarteto? [Risos]

O Miles era um grande sideman de si próprio nos últimos anos [risos]. Vai estar também o João Lopes Pereira, o meu brother de sempre e um dos melhores músicos que eu conheço. Um contrabaixista de New Orleans que vive em Bruxelas, o Jasen Weaver, que conheci em Paris a tocar com o Joe Dyson — ele convidou-me para tocar este ano, em Janeiro. E um pianista que eu conheci há muitos anos, para aí em 2014 ou 2015, na jam do O Bom, O Mau e O Vilão, que é o Artur Tuźnik — ele é um gajo polaco que vive em Copenhaga e é um super-pianista, inacreditável. Acho que esta banda vai prosperar.

Tens noção de que acabaste de descrever o jazz moderno? Um saxofonista português que jammou em Nova Iorque que vai tocar no Seixal com um pianista polaco que vive em Copenhaga, um contrabaixista de Nova Orleães que conheceste em Paris e que vive em Bruxelas-

E um baterista de Alcântara [risos]. Daqueles que groova mais do que muitos afro-americanos. Já vi o gajo a tocar em Nova Iorque e a malta dizer assim: “Who’s that boy?!”

Uma última pergunta, que eu vou ter com o Carlos Barretto a seguir: tu és o joker no baralho do Lokomotiv.

O baralho dos velhos [risos].

Como é que isso aconteceu?

O Barretto foi dos primeiros grandes “tubarões” com quem eu comecei a tocar em puto. Comecei a tocar com ele ainda em 2011/2012, tinha eu 18/19 anos. E a primeira vez que toquei com os Lokomotiv foi no Seixal Jazz em 2014. Desde aí, sempre que eles faziam alguma coisa em especial, às vezes aparecia nos concertos e juntava-me a eles. Tocava com eles de forma esporádica. Agora ele disse que estava a escrever música nova e que pensou em mim. Eu sempre tive uma grande relação musical com o Barretto e, para mim, inspira-me bastante. Além de ser o músico que nós sabemos que é, é uma pessoa linda. Eu também gosto do Salgueiro e do Delgado, mas o Barretto, para mim, tem um sítio especial, especialmente pelas horas de carro que nós temos para ir tocar com o Mário Barreiros. Nós vamos no carro e ele vai a contar histórias dele, de Paris, enquanto eu conduzo. Eu gosto de conduzir, mas ele às vezes solta uns “ai, ai, ai.” Já lhe disse: “Toda a gente tem medo de ti, mas um dia vou filmar-te a fazer esses ‘ai, ai, ai'” [risos]. Eu tenho um carinho muito especial por toda essa malta. Eles são músicos incríveis e são históricos. Isto vai soar dúbio, mas eles são a razão principal pela qual a nossa cena é como é, embora eu não sinta que seja como sou por influência directa deles, pois as minhas veias do jazz vieram de casa. Eu já queria ser aquilo que hoje em dia estou a começar a ser antes de saber quem era o Barretto, o Barreiros e essa malta toda. Eu já sabia que queria tocar ao nível que acredito que existe antes de saber que essa malta toda existia. Por isso, acho que é: eles são tão importantes, eu gosto de tocar com eles, só que eu sinto-me um deles e não um gajo que veio por eles.

Tu és uma ponte entre essa geração e a próxima.

Uma ponte? Várias. Entre esta geração e a próxima, entre a música portuguesa e o jazz, entre o free jazz e o jazz… A música cabo-verdiana que eu toco com o Jon Luz no Tejo Bar à noite…

Tu tocas as línguas todas, não é?

Eu gosto tanto de música, gosto tanto desta merda que… Eu sempre que consigo compreender uma coisa, eu consigo tocá-la. Não é numa de conseguir ser igual aos outros. Consigo, eu, tocá-la sem perder o meu traço e sem desrespeitar a identidade daquela merda.


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