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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/11/2022

No limbo.

#ReBPlaylist: Outubro 2022

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/11/2022

O problema do frio, para além do óbvio, é que, por norma, traz uma necessidade de aconchego e companhia. E, nesse campo, existe quem consiga suprir isso por si só, outros com uma só pessoa e ainda há quem salte de lugar em lugar sem que nunca se sinta saciado. Uma chatice, mesmo. E não é só: as temperaturas baixas obrigam a uma recolha que nos faz parar e reflectir mais sobre o que andamos a fazer — paragens que nem todos precisam e que, por vezes, podem ser difíceis de gerir sem acompanhamento profissional. Nada devemos temer, no entanto. Fazendo o melhor que conseguimos, as coisas boas hão-de chegar. E que a música (neste caso estas nove escolhas) ajudem nisso.


[Shit and Shine] “Annoyed”

Há coisas que são más, e depois há cenas que são má onda. Num campeonato muito específico, ainda há cenas que são má onda mas altamente — e a tabela é liderada por Shit and Shine e pelo seu timoneiro Craig Clouse, auto-intitutlado “king of outlaw”. Com uma capacidade de produção de ruído muito singular, e que vai desde o kraut ao noise, com paragens em electrónicas de cadências várias e indefinidas, Clouse regressa agora com mais uma tirada de Shit and Shine. Podemos e devemos dizer que SaS defecaram mais uma amálgama de carbono altamente concentrada, ou vulgo diamante. O novo New Confusion anda, como muito do que os Shit and Shine fazem, em torno da temática do consumo de alucinógenos, mas a faixa de abertura é apenas sobre temperamento. “Apenas”, porque o sample de voz “are you angry or annoyed” serve de catalisador para uma torrente de noise ao ritmo trôpego do kraut, que tanto desancadeia movimento, como o tolhe e envolve em paredes de som. É, portanto, mais uma série de pontos para os líderes da cena sonora mais má onda a norte do equador, que continuam desagradáveis, irascíveis e, vá-se lá entender como, cheios de groove.

– André Forte


[Niños Del Cerro] “Esta Enorme Distancia”

Directamente do Chile, os Niños Del Cerro – Simón Campusano, Ignacio Castillo, Felipe Villarrubia, José Mazurett e Diego Antíman – lançaram este Outubro o seu terceiro longa-duração, Suave Pendiente. De 2022, é um dos manifestos de indie rock mais interessante que nos passou pelos ouvidos. As atmosferas são de sonho, as linhas de baixo são pautadas para eficiência rítmica máxima, o psicadélico é omnipresente e perde-se entre elementos de pós-punk, dream pop e shoegaze.

Há umas quantas canções de Suave Pendiente que poderiam virar parar a esta lista, mas a que ganha nessa “corrida” é “Esta Enorme Distancia”, a oitava faixa do disco, em colaboração com o saxofonista tenor Franz Mesko. Ora, qualquer música com adornos de saxofone – e aqui o instrumento é dado excelente uso – tem tendência a melhorar, e “Esta Enorme Distancia” obedece à regra. É uma canção onírica, perdida entre o pós-rock e a dream pop, um reflexo de um sonho perdido que parece, simultaneamente, alcançável ao esticar de um braço e inalcançável. É romântica, enternecedora, explosiva nos momentos corretos, e em suma, uma grande canção de indie rock a provar que os Niños Del Cerro são um nome a escutar mais vezes deste lado do Atlântico.

– Miguel Rocha


[Niiko] “LOVE”

Ouve-se nitidamente Gladys Knight, em sample soulful, imediatamente antes do kick e do bass fixarem o andamento. Já sabemos que, muito provavelmente, se falará de amor, e passados 20 segundos está criado o compasso onde Niiko começa uma prosa poética que nos vem baralhar as expectativas: “O medo é como areia movediça que se retroalimenta/ Se não tiveres domínio próprio o medo aumenta/ O que é que fazes com mentes que já não se harmonizam? O que é que fazes com mentes que já não se organizam? A vida não te dá imunidade para a diversidade/ Ela simplesmente te dá o pensamento positivo / Pensamento, por isso o Novo Flex não é ter a mesma Louboutin, é ter o mesmo livro”. São as primeiras linhas de Novo Flex, o mais recente EP do músico angolano que temos visto por Lisboa, e que é um concentrado de versatilidade e talentos vários. Em apenas cinco temas, Niiko vai de rapper de domínio narrativo a cantor com potencial para explorar variados terrenos de neo-soul e r&b; de um registo de storytelling poético ao domínio de um egotripping de afirmação e positividade; da fidelidade às raízes do hip hop global e de sotaque angolano ao domínio de sonoridades mais próximas do trap e das suas derivações. Diga-se, também, que já o vimos em palco, numa aparição ao lado de Soluna, e ninguém na plateia ficou indiferente à sua presença, entrega e carisma. Veremos o que se segue, mas não há dúvidas que temos entre nós um caso muito sério.

– João Mineiro


[Silly] “Água Doce”

“Mas eu não me encontrei/ desse marco eu não vejo/ luz que se almeja/ ‘tou na sombra que eu espelho/ eu não me vejo”

Olhar para dentro e fazer disso arte pode levar a que sejamos confrontados com o facto de que o doce e o salgado podem coexistir; e aí revela-se necessário aventurarmo-nos nessas águas, sem mapas ou indicações—e se Slow J dizia que “Ser cristalina é pouco”, há músicas que conseguem desafiar isso: “Água Doce” de Silly é uma delas.

No que se pode apelidar como uma tempestade perfeita, a artista juntou-se a Fred para nos propor a que soaria, se musicado, um dia chuvoso no sonho bucólico que é a ilha de São Miguel; e o resultado foi uma melodia idílica, digna do cenário que a inspirou e da poesia que lhe corre no sangue.

Com a transparência de alma – e voz — que tão bem a caracterizam, Silly apresenta-nos uma “visita” sonora guiada pelos trilhos que há em si, dando aos mais atentos a possibilidade de se perderem num labirinto de ser, mostrando como a reflexão interior apesar de complexa, pode ser bonita, e comparável à fauna e flora que nos rodeia. 

E como quem salta para um manto de água gelada, é preciso coragem para “soltar a dor” ao cantar o nosso próprio fado, mesmo que a medo e sem grandes certezas; aqui surge um dos mais bonitos versos, emotivo pela verdade que lhe transborda: “Eu fiz do medo o sangue em mim”, que a cantora repete como mantra, de olhos fechados, olhando para dentro e desbravando esses trilhos que a vida vai apresentando, com a curiosidade de quem o faz pela primeira vez.

Se Silly nos dá natureza, podemos retribuir dando-lhe as suas flores, pela consistência que tem apresentado a cada música que lança, com as mais belas poesias e melodias de tocar no coração e voz que chega a invocar um fado suave de uma alma mais velha que o corpo que a carrega.

Para reflectir, fica a questão: “A minha água doce tem sal, não vês?” Até que nível de  profundidade é que te conheces?

– Beatriz Freitas


[Loyle Carner] “Blood On My Nikes” feat. Wesley Joseph & Athian Akec

Loyle Carner sempre mostrou honestidade emocional na sua música, mas com “Blood On My Nikes” eleva a fasquia. O tema é um dos destaques do seu mais recente álbum Hugo, cativando-nos pela crueza e destreza com que Carner debita as suas palavras. O artista discute uma vida em zonas esquecidas e abandonadas, os acontecimentos traumáticos que experienciou e o loop de austeridade e desconfiança em que tantos estão presos. São frases de murro no estômago, acompanhadas por um instrumental de teclas esparsas e um címbalo incessante, despido e pouco espalhafatoso permeado por um zumbido metálico. 

O refrão passa a correr, ainda que o convidado Wesley Joseph o arraste tristemente, um rápido respirar fundo que resume o sentimento das estrofes: um pessimismo capaz de abalar qualquer um. A música termina pela voz do activista Athian Akec, insurgindo-se de forma sentida contra a criminalidade violenta e a inacção dos políticos, e vemos Loyle Carner dar espaço a uma causa importante nesta sagaz reflexão sobre o passado com a intenção de mudar o futuro.

– Miguel Santos


[Ab-Soul] “Do Better”

Em Setembro, Ab-Soul olhava para a lua, do topo do telhado, sem vertigens. Em Outubro, os olhos fixam-se no chão, o terraço é bem mais alto — e a queda também. Depois de uma longa ausência, sabemo-lo de volta e de pé. O primeiro sinal deu-nos conta desse novo ânimo. Mas foi à segunda (re)aparição que o “Black Lip Pastor” abriu cortinas à janela desse prédio onde esteve fechado tanto tempo. “This my second, second chance”. Como se o salto — metafórico ou não —, mascarando-se inevitável, não resultasse no também inevitável desfecho que lhe espera. Valha esse salto de falta de fé para o próprio e para outros (como o citado, em “Do Better”, Mac Miller: “Doin’ drugs is just a war with boredom, but they sure to get me”). Bater no fundo para voltar ao de cima não serve de impulso a qualquer um. E, aqui, depois de levantada novamente, a cabeça de Soul entra numa outra espiral — a única que o pode tirar de onde não conseguia sair:

“Gotta do better, I gotta do better, I gotta 
Gotta do better, I gotta do better, I gotta
Gotta do better, I gotta do better, I gotta…”

– Paulo Pena


[Jean Dawson] “BAD FRUIT*” feat. Earl Sweatshirt

Se Earl Sweatshirt era uma “bad apple, daily clashin’ with my kinfolk” em “December 24”, Jean Dawson — menino rebelde de uma peculiar turma do rock, de laivos de punk ou rap e de estética DIY — pode muito bem pertencer à mesma cesta. Será mais ou menos esse o mote para a primeira colaboração de sempre deste par, que agora coabita musicalmente em “BAD FRUIT*”. O tema integrou CHAOS NOW*, o álbum que Dawson editou no início de Outubro, e leva o autor de SICK! a cravar as suas reflexões poéticas num muro sónico com cores muito semelhantes às dos — imagine-se — Coldplay. Se era isto que ansiávamos escutar por parte de Thebe Kgositsile? Redondamente não. Mas que encaixou que nem uma luva neste plano também não há como o negar. E ficam palavras para mais tarde recordar:

“It took a long time for me just to feel this
Workin’ overtime, fakin’ like we’re fine
Showing diligence
Actin’ like you hard, but you still a bitch
Messin’ with my mind, what the pills did”

– Gonçalo Oliveira


[Duquesa] “Duas da manhã”

Em 2018, os Wet Bed Gang metiam Portugal inteiro a cantar “às quatro da manhã, eu nem devia ir mas a cabeça só diz Go Go go”. Se olharmos para os 50 milhões de visualizações no YouTube, talvez não tenha sido só por cá… quem sabe com que impacto terá atravessado o Atlântico e aterrado no Brasil. Não há grandes provas de que essa música em concreto tenha feito essa travessia até aos ouvidos dos músicos brasileiros, mas podemos fantasiar que sim quando escutamos “Duas da manhã”, faixa de Duquesa, artista baiana que faz parte do elenco da Boogie Naipe (de Mano Brown). A diferença horária entre os dois temas é subtil (mas importante para existirem outro tipo de considerações), a abordagem também (menos “faço, posso e aconteço” e mais “te chamo de meu e desejo que fosse…”) e a divisão em duas partes no segundo caso estabelece uma linha narrativa que agarra mais (e a produção superlativa de Moysés Martins ajuda a segurar e a salientar essa alteração a meio). Os fãs de SZA e The Internet vão adorar esta.

– Alexandre Ribeiro


[Toty Sa’Med] “NDENGE”

É uma discreta faixa de menos de três minutos arrumada a meio do alinhamento de MOXI, o novíssimo álbum de Toty Sa’Med, artista que, sem grande alarido, vai impondo a sua voz na nossa consciência. Neste tema com balanço semba clássico há ecos da “Velha Xica” de Waldemar Bastos, de um filho que não fala kimbundu, que não fala política, que era o futuro do amanhã. Palavras fundas que se agarram a um doce balanço que nos entra na pele e se instala na consciência. O mundo muda quando dança.

– Rui Miguel Abreu

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