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Estamos em Julho e existe uma única certeza sobre esta primeira metade de 2018: Junho ficará marcado como um dos momentos altos da época, amealhando novos projectos de Drake, Kanye West, Pusha T, NAS, Freddie Gibbs, Westside Gunn ou Beyoncé & Jay-Z.
Porém, as escolhas vão para além desses discos e passam por França, Brasil e, claro, Portugal. Uma playlist que contém nostalgia, sol, fantasmas, bangers avassaladores, crítica social e o Louvre. Estão avisados.
[Kids See Ghosts] “Cudi Montage”
Kanye West e Kid Cudi invocam o espírito de Kurt Cobain no riff principal do tema de Kids See Ghosts que mais tem rodado por estes lados. Num disco de redenção pessoal no qual os dois artistas procuram a paz interior após um período atribulado das suas vidas, “Cudi Montage” surge como o encerramento perfeito para este capítulo de sete faixas. No meio da desgraça e à beira do abismo, as vozes de Yezzy e Cudi sobem aos céus e perfuram as nuvens mais escuras que pairam ao seu redor em busca de um urgente raio de esperança. “Lord shine your light on me, save me please”. Que as suas preces sejam ouvidas. Os demónios sempre casaram bem com a arte e, para já, vai-se sentindo o aroma a disco do ano…
– Gonçalo Oliveira
[Phoenix RDC] “Gangsta Party”
Quem também teve várias novidades este mês foi Phoenix RDC. O rapper de Vialonga embrulhou alguns dos seus versos mais street rap de celebração — onde fala de uma festa de gangsters em família — num instrumental melódico, com um aroma quente a dancehall, e o resultado foi esta “Gangsta Party”. Ideal para acompanhar qualquer churrasco mais animado este Verão, mesmo que não seja para se levar tudo à letra.
– Ricardo Farinha
[PNL] “A l’Ammoniaque”
Dois anos são uma eternidade no mundo digital. Isto é especialmente verdade quando falamos dos PNL, o duo de rap que menos fala e mais se ouve em França. Os irmãos Ademo e NOS continuam a viver num quase anonimato: recusam entrevistas, contratos com grandes editoras e comunicam com o mundo em exclusivo pelas redes sociais.
São independentes no sentido literal da palavra, postura que atrai milhões de fãs e transforma cada sinal de vida dos PNL numa espécie de acontecimento nacional em França: o vídeo de “A l’Ammoniaque” somou 9 milhões de visualizações em 24h, batendo uma série de recordes.
Para esta faixa, o primeiro teaser de um novo álbum, os PNL mantêm-se fiéis à sua fórmula original: um rap pesaroso, carregado de auto-tune e melodias distorcidas que, em conjunto, criam um ambiente tão artificial quanto nostálgico. Mas esse é na verdade o grande elogio que se pode fazer aos irmãos: inovam soando sempre ao mesmo.
Em “A l’Ammoniaque”, os PNL voltaram às grandes produções visuais (lembrando vídeos como “La vie est belle”), conduzindo-nos ao longo de um cenário idílico com imagens de deserto, mar e montanha. O vídeo está carregado de simbolismo e duplos sentidos que nos remetem para a realidade de Ademo e NOS: o dia-a-dia de um bairro nos subúrbios de França.
– Hugo Jorge
[Dillaz] “1100 Cegonhas”
Em 1994, Biggie lançava “Juicy”, o single de Ready To Die que abre com uma pequena dedicatória a todos os professores que lhe disseram que nunca iria alcançar nada na vida. Tal como Christopher Wallace, Dillaz não esqueceu os tempos de escola e a (des)motivação que recebeu por parte dos educadores, abrindo o seu último tema com uma frase de uma antiga professora: “André, tu assim vais acabar a varrer lixo”. Se o lixo forem vozes de desconfiança, desmoralizadoras, a competição e os chamados “haters”, então sim, a professora Ana Cristina teria muita razão. Dillaz não pede licença a ninguém para fazer a sua música e mais uma vez mostra que é um rapper com outra estaleca.
Com Here’s Johnny na produção, “1100 Cegonhas” é um tema que vem com força, graves a rebentar a escala, nunca parece monótono e utiliza os seus vários momentos para explorar todas as vertentes do rapper, mas também mostrar a versatilidade de Johnny. Se há quem critique o género por ser repetitivo, nunca ouviu um beat do produtor da Superbad que, tal como exemplifica o clipe, parece fazer música que poderia ser tocada por uma qualquer orquestra. As variações do beat criam uma paisagem sonora muito rica, quase como uma composição de música clássica.
Dillaz tem o dom da palavra e parece não ter fim para as inúmeras figuras de estilo que embelezam as sua escrita. As rimas, que poderiam muito bem ser escritas de forma simples e directa, são embelezadas por palavras encriptadas que nos põe a coçar a cabeça à procura do significado. Um aspecto que é uma lufada de ar fresco numa era em que a repetição parece ser a ferramenta mais eficaz.
“1100 Cegonhas” é um tema exímio e de excelência, que não falha em (quase) nenhum aspecto. Ficamos com vontade de ver mais desta dupla e, claro, ouvir mais um álbum de Dillaz.
– Luis Almeida
[Stereossauro] “Nunca Pares” feat. Slow J, Papillon e Plutonio
Se houvesse uma prateleira para “música motivacional”, Slow J e Papillon seriam os ocupantes da maior parte desse espaço. Basta ouvirmos as lições The Art of Slowing Down de Slow J e a escola da vida que Papillon nos trouxe com Deepak Looper para se perceber que os dois artistas não querem que os seus olhares sobre o mundo morram em si mesmos.
À receita deliciosa de “Nunca Pares” junta-se o beat de Stereossauro e as guitarras portuguesas de Nuno Cacho e Ricardo Gordo para trazer aos primeiros acordes a portugalidade de Carlos Paredes e do fado. A sonoplastia de um jogo de futebol acelera-nos depois o ritmo cardíaco e precipita o cair da letra e do flow de fôlego de Slow J. Atrevo-me a dizer que foi este sample, este agitar de vozes e gritos em festejo do golo de Éder em 2016, que fez com que a música seguisse três caminhos: o das rimas, o do vídeo e tudo junto. Sim, porque não é possível analisarmos este lançamento de 13 de Junho de 2018 no canal de YouTube do músico de Setúbal sem olharmos a tudo o que dele faz parte. A genialidade do realizador Vasco Reis Ruivo deu um novo sentido (e muito choro) à arte de Slow J, Papillon, Plutonio e Stereossauro.
Se ouvirmos só a música sentimos que “Nunca Pares” devia ter estado a tocar nos altifalantes dos estádios russos em todos os jogos da seleção portuguesa. Apesar de se aplicar a qualquer outra esfera da vida e a qualquer outro momento, a data de lançamento leva-nos também a esse pensamento. Nota muito positiva para o refrão catchy de Plutonio e as rimas cheias de garra e bem atacadas de Papillon. Nunca parem!
– Alexandra Oliveira Matos
[Diomedes Chinaski] “Comunista Rico”
A importância de Diomedes para abrir as comportas do rap brasileiro é indiscutível. Aqueles que vão seguindo o cenário do outro lado do Atlântico estão fartinhos de saber o quão fundamental foi a existência de “Sulicídio” para que os olhos dos MCs, do público e da indústria se virassem para o que se produzia não só no nordeste brasileiro como em todas as outras regiões do Brasil que, até hoje, continuam a não beneficiar da estrutura que o eixo SP-RIO oferece para novos — e até velhos… — artistas vingarem com mais facilidade.
De “Sulicídio” até hoje, Diomedes Chinaski tem vindo a fazer um percurso carregado de participações e lançamentos, que se fecha – ou será que se abre? – com o lançamento de Comunista Rico. Com uma lista de convidados de fazer chorar as pedras da calçada em 11 faixas que exploram os mais variados estilos, sem nunca perder a base trap, a escolha do mês recai para a faixa solo, segunda na lista e que dá nome ao trabalho – “Comunista Rico”.
É aqui que se encerra toda a simbologia do caminho traçado por Diomedes e que se ouve ao longo da mixtape. Uma partilha de conquistas bem assente na ideia de que o sucesso de um é tanto mais válido quanto mais visível for o sucesso de todos, num álbum que entra directamente para o que de melhor o Brasil produziu em 2018.
– Núria R. Pinto
[The Carters] “APESHIT”
Não é de hoje, na verdade: o videoclipe foi sempre laboratório de teste de avançadas ideias pop (e podem recuar até “Thriller” para confirmar essa ideia), mas há uma nova mentalidade em jogo graças ao titânico esforço criativo de artistas como Kendrick Lamar (“Alright”, “Element”…), Kanye West (já se esqueceram de “Famous”?), Beyoncé (“Formation”), Childish Gambino (“This is America”) ou, agora, The Carters. O vídeo como, a um único tempo, veículo de mensagem de protesto, de afirmação de carisma pop, de promoção de um produto comercial, de agitação das águas – sociais, políticas, económicas, morais, filosóficas, espirituais… you name it.
A edição de Everything Is Love por Jay-Z e Beyoncé — THE CARTERS — não foi realmente uma surpresa. Eis um casal que soube transformar a mais íntima vida pessoal em arte, com Lemonade e 4:44 a funcionarem como reveladores elementos de um diálogo que, apesar da franqueza, nunca comprometeu o mais sagrado e íntimo plano familiar. O duo de super-estrelas resolveu o que tinha que resolver, meteu a “Becky with the good hair” onde tinha que ser metida, fez a terapia necessária e protegeu o seu secreto plano familiar dos olhares vorazes do mundo. Como? Fazendo arte.
E depois de expostos os pontos de vista de cada um, eis que THE CARTERS serve para mostrarem a aliança indestrutível que mantêm, a cumplicidade, o amor… E a primeira amostra disso foi um extraordinário “Apeshit”, que é, mais uma vez, um complexo trabalho com inúmeras camadas que ainda vamos andar a ler por muitos e bons anos.
Por um lado, Bey rima como gente grande, mostrando que é uma rapper de mão cheia, capaz de punch, de flow, de métricas ousadas, de braggadocio saudável. Uma rapper suficientemente boa para dominar um tema em que Jigga larga apenas um verso e em que Quavo e Offset são contratados apenas para polvilharem de “ad libs” uma música em que o que interessa mesmo é o recheio.
E o vídeo. Meu Deus, o vídeo!!! O casal mais invejado do planeta em frente da obra de arte mais visitada, eles mesmos a apresentarem-se como obra de arte no museu de todos os museus, expondo a pele negra como a tela de um novo tipo de história, e ainda por cima no Louvre, de todos os lugares possíveis… O museu que é talvez um dos maiores símbolos do espírito imperialista e colonial que fez a história do Ocidente alugado (imaginem Shawn Carter a dizer, ao telefone, “sim, mandem a factura…!) para um clipe pop que é ele mesmo objecto tão artístico que poderia ser exibido em continuum nesse mesmo museu, num plasma de generosas polegadas, ao lado das obras dos Delacroix, dos Da Vinci, dos Durer, dos Buonarroti que a história soube guardar.
– Rui Miguel Abreu
[Westside Gunn] “Wrestlemania 20” feat. Anderson .Paak
Juntos, o instrumental despido de 9th Wonder, a voz singular de Anderson .Paak e a entrega mortífera de Westside Gunn formam o hino de Verão para todos os hustlers que sonham com aquele carro descapotável e uma viagem sem destino.
O tema faz parte de Supreme Blientele a.k.a Chris Benoit a.k.a. God Is The Greatest, o novo álbum do rapper da Griseldao. Para os mais indecisos ou para aqueles que simplesmente não sabem do que falo, tenho aqui algo que talvez ajude: The Alchemist, Harry Fraud, Pete Rock, Daringer e Statik Selektah também deixaram instrumentais na caixa de correio do FLYGOD. Imaginem. É possível que juntar gente deste calibre no mesmo alinhamento seja uma espécie de crime em alguns países. Quase de certeza.
Voltando ao loop (e aviso):
“I didn’t come for jokes, I didn’t come for games
I didn’t come to play with you lames
No, oh, all these games”
– Alexandre Ribeiro