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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/08/2020

Como é que te sentes hoje?

#ReBPlaylist: Julho 2020

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/08/2020

Continua tudo estranho. Chegámos a Agosto e o mundo continua a tentar perceber os limites do confinamento e da pandemia, com a percepção a mudar consoante a experiência pessoal e aquilo que rodeia cada indivíduo. Por aqui, a temperatura mede-se pela música: alguns projectos decidem reflectir sobre o momento actual, outros acham que a melhor ideia é ignorar completamente o assunto (em ambas existe consciência e inconsciência no acto criativo).

Para quem substituiu as discotecas e os bares pela sala de estar, temos Azar Azar, Kylie Minogue ou Highlimiter; para os que se querem sentar e deixar espaço para os pensamentos fluírem, recomendamos Joesef, Oddisee ou Marie. Para os que estão à procura de outras coisas, há ainda Atlântico e Gorillaz. As sugestões são nossas, mas os DJs desta pista são vocês. Mantenham-se ligados e seguros desse lado.


[Azar Azar] “Space Coconut Conspiracy”

O maior desserviço que se poderá prestar ao presente jazz nacional é manifestar algum tipo de desejo de que se aproxime dos modelos actualmente a serem ensaiados em LA, Chicago, Londres ou Melbourne. Lisboa, afinal de contas, e como acertadamente se proclamava em tempos pré-pandémicos (lembram-se?…), é a nova Lisboa e o Porto, sem ponto final que lhe dê pinta de marca, é o velho Porto, cidade de fundas tradições musicais que sempre soube olhar para o futuro.

E é exactamente isso que o projecto que vem inaugurar o selo Jazzego, sediado na Invicta, propõe: olhar para o futuro com os pés bem assentes no passado. Sérgio Alves, aka Azar Azar, recruta aqui Bruno Macedo (baixo), Ricardo Danin (bateria) e Manu Idhra (percussão) para co-conspirarem consigo uma visão do groove apreendida em cabines de DJ e poeirentas caves carregadas de vinil.

Jazz apontado às pistas não é coisa nova por cá: no passado recente nomes importantes como André Fernandes ou Rodrigo Amado colaboraram com Rocky Marsiano; DJ Vibe remisturou Mário Laginha e Maria João; e, recuando mais um pouco até, encontra-se logo no primeiro disco dos Cool Hipnoise, lançado em 1995, um senhor chamado Alexandre Frazão na bateria (e além disso o grupo lançou ainda o obscuro EP Instrumental Jazz junk, corria o ano de 1997) .

Sérgio Alves tem a sorte (sorte…) de conhecer muito bem essa história e a ambição de lhe abrir um novo capítulo no presente. Olhando para o que por cá agitou pistas passadas e continua a fazer sentido agora, oferecendo-nos uma sonoridade de declinação tropical, com balanço certo para dançar na pista, na esplanada ou na mesa de jantar. À moda do Porto, com sotaque carregado se preciso for.

– Rui Miguel Abreu


[Kylie Minogue] “Say Something”

Tanto há para guardar do novo single de Kylie Minogue, que é quase irrelevante o facto de ser outro “falso sinal dos tempos” – como uns Clã excitados, e não consumidos, pela véspera daquilo que os assusta. “Say Something” pré-data a pandemia, mas a banda larga da música pop é engenhosa ao ponto de tornar umas letras vagas, acerca de uma comunhão que não pode esperar mais, em versículos e oráculos para a vida confinada. (Antes do Verão, encontraremos o nosso caminho… Será?) Palavras… Dispam-nas da interpretação de Kylie, e ficam com um buraco negro – com margem para dançar, mas desses espécimes já temos bastantes. É nela que está a centelha de esperança, a capacidade de comunicar num momento de dolorosa necessidade. Como sempre, Kylie é a gravidade num espaço que nem sabia precisar dela. Afinal, há sempre quem não consiga ler os sinais, mesmo há 32 anos nisto.

A melodia de base namora o pulsar sintético: um satélite a ganhar vida após anos em órbita, mirando uma última vez os corpos celestes. Não é só um crescendo, é o som de fascínio e respeito. Fê-lo a vida toda. Falta-lhe algo: voltar à terra, e é só porque os satélites não podem explodir em supernova. O groove clássico da synthpop imprime-lhe a velocidade de escape; o acirrar da guitarra eléctrica rompe a crosta terrestre. Durante três minutos, vai chicotear a terra com percussão egrégia, regar o mundo com centenas de refrões, e lacrimejar ao dizer adeus.

“Say Something” é um embaraço para quem ainda nivela por baixo as lendas da pop: há quem ainda consiga ver o futuro e calar os prenúncios de decadência. Ou, pelo menos, fazer uma travessia cósmica. E essa é uma viagem para a qual nunca houve muitos bilhetes.

– Pedro João Santos


[Atlântico] “Favela Freestyle”

Atmos esteve “afastado do Clube [dos Poetas Loucos] mas observando o jogo”. O rapper que anteriormente respondia por Ariano esteve anos sem lançar novo material e deixou algumas saudades no circuito do underground nacional.

Ao contrário do que pensa Daniel Ek, o CEO do Spotify que foi alvo de críticas muito recentemente pelas suas declarações polémicas, a arte, quando levada a sério, demora o seu tempo a fermentar na cabeça dos criativos, porque nem todos têm como objectivo seguir o rebanho cada vez maior daqueles que fazem música descartável. E nós, deste lado, aplaudimos sempre quem imprime conteúdo original nas suas letras e ainda se dá ao trabalho de tocar instrumentos, de dirigir outros instrumentistas ou a fazer o seu digging por samples de forma justa e legítima ao invés de recorrer a um banco de sons que garantem êxitos imediatos.

Eliot, o irmão mais novo de Atmos, nunca deixou de carregar a tocha da família e foi sendo presença assídua na cena boom bap independente em Portugal, tanto em nome do CPL ou ao lado de outros dinamizadores do meio como Benny B ou Uno. No final de 2016, lançou o álbum de estreia LEITO, no qual deixou patente que a linha do seu horizonte era bem mais alargada do que aquela a que parecia estar confinado, adoptando uma entrega vocal digna de um fadista moribundo que acabou por morrer de amores pelo hip hop. Mas foi na produção que mais se destacou e, alguns meses antes do reencontro com Atmos num disco, registou as várias etapas da sua evolução num discreto e íntimo EP.

É precisamente o oceano que os tem separado ao longo destes últimos anos que serve de inspiração para dar o nome à dupla e ao primeiro álbum esculpido pelos dois artistas que partilham do mesmo sangue. Atlântico é o LP que todos aqueles que apreciam o que de mais cristalino se destaca numa letra de rap precisam de ouvir, sem o mínimo receio de que a mutação da sonoridade dos seus intervenientes estrague a base do conceito ou o produto final que nos foi apresentado durante a semana passada.

Esta é uma viagem impossível de se fazer por temas soltos e que nos obriga a uma escuta atenta — em repeat, pois claro — em busca de todos os pormenores cravados na escrita e na composição musical. É cliché dizer que escolher uma faixa favorita é uma tarefa quase impossível mas, à falta de outro critério, “Favela Freestyle” merece sem dúvida o destaque pelo derrame emocional sob a forma de palavras de Atmos, que com a ajuda do seu caçula teve finalmente a oportunidade de brilhar num tipo de álbum que já há muito merecia.

– Gonçalo Oliveira



[Gorillaz] “PAC-MAN” feat. ScHoolboy Q

Os Gorillaz já fazem parte do restrito grupo de bandas compostas por desenhos animados (partilham o pódio com um ou outro gigante), mas em 2020 procuram integrar um grupo ainda mais restrito: aqueles para qual o presente ano está a correr às mil maravilhas. Tentam fazê-lo através da fantástica Song Machine, um conjunto de singles que têm vindo a lançar desde o final de Janeiro numa sequência sonora quase perfeita, e certamente o período mais entusiasmante da carreira da banda virtual mais real do mundo desde que 2-D, Murdoc, Russel e Noodles saíram da ilha. Depois de colaborações com slowthai, Skepta ou o mítico Peter Hook, “Pac-Man” procura continuar esta série de sonho.

Há uma tristeza cartoonesca a permear todo o tema e a letra entrega-se ao niilismo e a um diletante passatempo. O escapismo surge no arcade, através dos videojogos, mas esta temática é também uma metáfora para a vida (“I’m a mad Pac-Man, livin’ in a leveled world”), e ScHoolboy Q traz-nos definitivamente de volta para o infeliz mundo real, em que a dificuldade muda consoante quem tiver o joystick (“’Fore I make it to jail, prolly put one in the head/ Fuck the judge and the prosecutor for hangin’ me dead”). A instrumentação abranda para o ouvinte absorver a estrofe confessional e necessária do rapper norte-americano, a mensagem é a força sonora mais poderosa neste momento. 

Mas em todos os outros instantes, a música respira Gorillaz. A voz rouca e pacata de Damon Albarn (membro dos Blur e cabecilha musical por trás da banda colorida), a guitarra seca aliada a uma paisagem digital, a melodia aguda e jocosa que tão rapidamente não sairá da cabeça, tudo isto é a essência da banda. O futuro continua sorridente para os Gorillaz, e consequentemente para todos nós.

– Miguel Santos


[Marie] “Journey”

O instrumento de origem de Marie foi a flauta transversal, mas talvez o seu universo fosse muito maior que o de uma ferramenta apenas capaz de criar melodia. E, não obstante, a parte melódica em “Journey”, simples e eficaz, compõe-se de uma beleza apenas elevada pela ambiência criada a partir do Fender Rhodes emulado e pela batida percutida frenética mas suavemente. 

Esta jornada é envolta num loop, um daqueles em que não nos achamos encontrar — portanto, uma espécie de Escada de Penrose, se a mesma fosse uma música de electrónica contemporânea, com saudações leves a Aphex Twin ou a um mais longínquo Skee Mask, talvez. Sem uma estrutura definida de maneira muito óbvia, na mesma linha de alguma cultura beatmaking electrónica de Nosaj Thing, TOKiMONSTA ou dos músicos já referidos, Marie desdobra este loop num arranjo minimalista, impossível de ignorar pela qualidade tímbrica que caracteriza o que parece ser apenas uma mão cheia de instrumentos (esplendidamente trabalhados). 

Com um background ligado à música erudita, Mariana Aguiar apresenta uma variedade de técnicas e estilos aliados a uma produção intensa: talvez estes ingredientes a diferenciem no panorama da música electrónica nacional (e internacional?). E a viagem só agora começou.

– Vasco Completo


[Highlimiter] “Other Sides, Dirty Love”

Com o regresso em força das estéticas dos 90s, a editora Posse Up tem-se revelado uma interminável fonte de vitalidade para a música de pista de dança. Olhando o techno, o house nas suas variantes mais ácidas e ghetto, e hibridizando-os com minuciosa inclusão de rave e ritmos mais elevados, o que não falta no selo é pica — têm-na para dar e vender, seja em que andamento for. Mais um exemplo disso é a compilação deste ano, o quinto volume, descrita como “Not suitable for bitch ass deejays“. Como para bom entendedor meia palavra basta, fica a sugestão da explosão bem ghetto de Highlimiter, que não se coíbe de ir buscar um bom amen break para trocar as voltas rítmicas e facilitar movimentos.

– André Forte


[Joesef] “I Wonder Why” feat. Loyle Carner

Num dia especial para o autor destas linhas (vá-se lá saber porquê), entrou-lhe pelos ouvidos adentro uma bela surpresa, capaz de tornar, de imediato, esse dia (e qualquer um) ainda melhor, passados apenas três minutos e quarenta e oito segundos. As batidas iniciais captaram rapidamente a atenção; as primeiras notas amoleceram instantaneamente o ouvinte; a voz de Joesef entrou, e a rendição nesta fase foi total. 

Em “I Wonder Why”, a melancolia domina a canção e, no preciso momento em que estamos prestes a afundar num sono profundo e sem retorno, Loyle Carner estende o braço e puxa-nos com o seu “uh”, para nos acordar com uns quantos versos entusiasmantes (como sempre). O tema por baixo deste leito sonoro não é o mais animador, mas o tom hipnótico anestesia-nos logo nos primeiros segundos. E sair desta cama, seja a que hora for, não se afigura tarefa fácil. 

Assim, “I close my eyes, I travel miles”, e a viagem parece não ter fim à vista. Como qualquer bom sono, este tanto aparenta durar uma eternidade, como acaba num piscar de olhos. Envoltos no sonho, perdidos entre a realidade e a ficção, quando tudo termina e os olhos se abrem novamente, um misto de emoções confusas invadem-nos o pensamento. E ainda a digerir tudo o que se passou em tão pouco tempo, o que fica é: “I’m still lost, I wonder why”.

– Paulo Pena


[Oddisee] “Still Strange” feat. Priya Ragu & Saint Ezekiel

Já estamos habituados a uma certa fasquia nos trabalhos de Oddisse, por isso é sempre importante quando nos consegue surpreender sem sequer precisar de sair daquilo a que nos acostumou. O calculismo com que aborda os seus versos e a maneira como reflecte sobre assuntos que nos dizem muito a todos (relações, inseguranças e valores) são uma certeza cada vez que agarra no microfone, tal como os beats — imaginados por si e, por norma, sublinhados por instrumentistas habituais –, que entram num espectro que engloba o boom bap, o r&b e o neo-soul.

“Still Strange” traz tudo isso à baila, mas, com todo o respeito pelo rapper e produtor, o show é roubado por Priya Ragu, cantora com alma e paz na voz. O melhor momento do EP ODD CURE, e o mais ligado aos tempos pandémicos que vivemos, e que ainda conta com Saint Ezekiel na guitarra.

No meio de tanta gente com certezas sobre tudo, há aqui um refrão que serve de tábua de salvação para aqueles que se sentem estranhos (mesmo quando são honestos e tentam fazer o mais correcto):

“We don’t make the mistakes that we use to
They’ve been replaced by something useful
But I’m still strange
Nothing’s changed
We told lies, now we’re truthful
Can’t go back to what we’re use to
But I’m still strange
Nothing has changed”

– Alexandre Ribeiro

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