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Texto: ReB Team
Fotografia: JohnCanon
Publicado a: 04/02/2019

#ReBPlaylist: Janeiro 2019

Texto: ReB Team
Fotografia: JohnCanon
Publicado a: 04/02/2019

De Atlanta a Londres, passando por Lisboa e Fortaleza, da pop ao trap, passando pela música electrónica e Conan Osiris — cada vez mais difícil de encaixá-lo nalgum lado… -, as escolhas de Fevereiro traçam uma rota do que se anda a fazer por esse mundo fora, focando desde o maior trapper dos Estados Unidos da América até ao rapper mais underground de Portugal.

Agarrem-se aos vossos bancos: a viagem vai ser longa e atribulada…


[21 Savage] “a lot” feat. J. Cole

Desde o início da sua carreira que 21 Savage adoptou uma persona (?) de assassino a sangue frio, o tipo de rapper que não tem medo de premir o gatilho e de cuspir umas barras no funeral. Mas em “a lot” vemo-lo no seu mais confessional registo possível, contrastando a violência lírica pela qual é conhecido. A música é um dos (poucos) destaques do novo álbum do artista de Atlanta, i am > i was, e ,fazendo jus ao título desse projecto, transporta-nos numa viagem de trapper tornado rapper em que Savage pondera a sua vida e tudo o que o trouxe até ao auge do hip hop norte-americano. Não há a procura incessante de riqueza ou a ostentação descarada, há apenas verdades que surgem com o passar do tempo, e o ponderar de uma realidade cada vez mais sorridente: “I been through the storm and it turned me to a G/ But the other side was sunny, I get paid to rap on beats”.

DJ Dahi assume os comandos na mesa de produção e os seus bombos secos e tarolas epilépticas são perfumados por um sample de “I Love You” de East of Underground, algo que acrescenta corpo e carácter a uma recatada batida de trap. Neste caso, a repetição de Savage nunca soa em demasia e dá força à ideia de uma música sobre as vicissitudes de uma vida difícil mas que atinge agora o seu momento mais tranquilo. Mas é um momento tranquilo numa indústria que por vezes se apresenta mais perigosa que as ruas de onde Savage “escapou”, algo descrito por J. Cole na sua estrofe. “a lot” é sobre o passado e o presente mas sem nunca deixar de ter os olhos postos no futuro, seja ele qual for: “I’d rather be broke in jail than be dead and rich”. É um Savage mais maduro e crescido e que mostra definitivamente uma nova etapa na sua carreira musical.

– Miguel Santos


[Maggie Rogers] “The Knife”

A fórmula matemática de Maggie é uma conta feita já há algum tempo: o apelo à indietronica passa pelos soalheiros campos de Kimbra, ou até mesmo Carly Rae Jepsen, enquanto a voz poderia ser facilmente confundida pela de Ellie Goulding. No entanto, o que adiciona nova informação a esta equação é o idiossincrático sentido de melodia que marca este álbum de estreia. Em “The Knife”, somos confrontados por um baixo arrojado, um hook que passa grande parte do tempo em loop pelos versos e um jogo de palavras que brinca com justaposições e antíteses: no fundo, é um r&b que se camufla de synthpop, nunca, ao mesmo tempo, deixando para trás as sensibilidades folk que a acompanham desde os seus primeiros passos dados no mundo na música. Há também algo relativamente humano e tangível, fácil de ser tomado por qualquer um; aliás, tal como grande parte da sua discografia, este single, no seu núcleo, é uma colecção de momentos de auto análise — flashes de realidade mental de uma jovem adulta que tenta ao máximo ajustar-se às mudanças sónicas que acontecem ao seu redor.

– Miguel Alexandre


[Estraca] “Qual a Razão?”

“Qual a Razão ?” é o mais recente (e feroz) single de Estraca. Mais uma música do rapper de Lisboa que se tem destacado na nova onda de artistas dos últimos 5 anos. E tem-lo feito precisamente por seguir uma fórmula muito simples — recriar aquilo que o movimento significava. Para Estraca, o hip hop não é só música, é (citando o excerto no fim do vídeo de “Qual a Razão ?”) “política nas ruas”, “uma cultura”, e isso parece ser algo que noventa por cento dos artistas esquece ou deixa para trás. Estraca volta atrás no tempo com as suas batidas de boom bap clássicas e com “knowledge” em todas as suas letras, algo que, saliente-se, não é comum.

Nesta faixa específica repete simplesmente a fórmula que tem usado sempre, e resulta. Aliás, há-de resultar até alguém tentar fazer igual, mas aí há-de-lhes faltar a destreza lírica que Estraca sabe que tem. “Qual a Razão ?” não deixa mesmo assim de ser mais um capítulo na disputa que coloca Estraca contra benji price, e leva-a mesmo a um outro patamar, porventura mais agressivo. Novamente, o movimento old school a manifestar-se pelas palavras do MC. Os beefs são e serão sempre parte do hip hop, e sejamos sinceros — se isso gera temas destes, todos os rappers deveriam ter um “bife” de vez em quando. Esta faixa são dicas agressivas mas sobretudo bem construídas, com sentido e um significado maior do que o que deixam ler. Quem não tinha saudades de um duelo assim?

– João Daniel Marques


[James Blake] “Where’s The Catch?” feat. Andre 3000

Uma das faixas com mais valor de replay de Assume Form do artista inglês é também uma das mais obscuras do mais recente longa-duração. Dotada de uma quantidade de samples a guiar a faixa; de distorções e camadas de voz que lhe dão cor; de órgão, piano e batida a segurar todo o esqueleto de “Where’s The Catch?”; e principalmente de um incrível verso de André 3000.

O rapper surge com o seu desabafo “Hey, alright, now this may be a little bit heady / And, y’know, I hate heady-ass verses”, de modo a preparar o ouvinte para o surpreendente verso que inicia num four-on-the-floor . A batida ainda ganha dinâmica, a acompanhar dignamente o incrível wordplay cheio de duplos sentidos, até às palmas metronómicas que encerram o ponto alto da música. Numa nota mais optimista, cantam em conjunto “Everything’s rose”, a desaguar uma última vez no tenso refrão da música.

Certamente também uma das músicas com mais energia neste registo de James Blake, ao criar tensão com passagens, a desenvoltura do arranjo e as mudanças de beat, e constrói a dinâmica de um modo narrativo. Tem todos os elementos para sobressair entre as 12 faixas de Assume Form, mas também de figurar entre as mais notáveis da sua discografia.

– Vasco Completo


[Beak>] “Brean Down”

>>> ou Brean Down, o terceiro disco para Beak>, o trio liderado por Geoff Barrow, passou algo despercebido à crítica no ano passado. O krautrock dos ingleses é estranho demais para que consiga atingir massas — “you don’t like our music coz it ain’t upon the radio” — e discreto demais numa altura em que os nossos ouvidos não têm mãos a medir para toda a música entusiasmante que sai a cada semana. Mas o vídeo lançado este Janeiro para “Brean Down” veio corrigir a injustiça: durante quatro minutos, filmados em one-take, sustemos a respiração e não conseguimos desviar o nosso olhar do b-boy Vladislav Platonov (Bullet From Space), que se debate com o chão, numa marcha ora agonizante, ora gloriosa, dando toda uma outra expressão à tensão desta faixa. Este vídeo é dedicado a todos aqueles que a cada dia se levantam e fazem de cada queda um novo começo, uma nova oportunidade — “trying to be someone, make a new start” — mesmo que no final regressem ao ponto onde começaram.

– Vera Brito


[Conan Osiris] “Telemóveis”

A reinvenção do Festival da Canção e a vitória inesperada de Salvador Sobral na Eurovisão injectaram um novo fervor na cena pop nacional que não esmoreceu perante o insucesso na edição de 2018 da canção assinada por Isaura e interpretada por Cláudia Pascoal. Com o anúncio dos participantes na edição de 2019 regressou o entusiasmo e a esperança de repetição do feito de há dois anos. E isso graças a “Telemóveis”, a canção com que Conan Osiris participa este ano.

Conan, já todos o sabemos, teve um excelente ano: Adoro Bolos foi aclamado na generalidade das listas de melhores álbuns do ano e Conan pisou o palco de vários festivais sempre de forma triunfal, participou na popular campanha publicitária da NOS e afirmou-se como uma clara referência pop de topo. Ainda assim — e ainda bem, digo eu… — Conan conseguiu evitar ser uma proposta consensual e unânime: para cada sinal de adoração há outro em sentido contrário e têm-se gerado muitos anti-corpos em relação à sua figura, postura, discurso e, claro, música. Tê-lo no Festival da Canção foi, por isso mesmo, uma decisão arrojada e quem a tomou merece sincero aplauso.

E cá estamos, com “Telemóveis” a ter já passado um milhão de streams no YouTube após duas semanas de “airplay“, coleccionando aplausos Europa fora que, aparentemente, o tem colocado entre os favoritos para a edição deste ano do Festival da Eurovisão. Claro que para lá chegar, Conan tem que se sagrar primeiro vencedor na edição caseira do Festival da Canção. Se o fará ou não, não interessa. O que realmente importa é que ganhámos uma nova canção de Conan Osiris que dessa forma prova que Adoro Bolos não foi um acidente feliz, resultado de algum improvável alinhamento astral irrepetível. Há ali real talento e nervo e isso é o mais importante.

Que Conan participe neste evento com uma canção em que fala de “escangalhar” “telelés” e de “matar a saudade” e de “ligar para o céu” por cima de um beat que cruza elementos rítmicos de kuduro com pormenores melódicos que soam orientais é uma delícia adicional. Se Deus quiser (olá, mãe…) este tema merecerá videoclipe gravado no Martim Moniz em lojas de telemóveis de indianos com apoteose bollywoodesca filmada com drones a sobrevoarem o centro da praça enquanto Conan, com asas de anjo, é elevado nos ares por uma grua, disparando uma seta que acertará em cheio no centro de um gigante coração de filigrana desenhado por Joana Vasconcelos. Senhores produtores do vídeo, mandem se faz favor mensagem privada para que vos possa fornecer o meu NIB. De nada…

– Rui Miguel Abreu


[Injury Reserve] “Jawbreaker” feat. Rico Nasty & Pro Teens

Se tivéssemos que fazer uma lista com grupos do universo hip hop que não se cansam de explorar caminhos menos óbvios, os Injury Reserve apareceriam no topo, certamente. Stepa J. Groggs, Ritchie With a T e Parker Corey formam o trio que, sem grandes preocupação com o “trono”, fazem o seu caminho com barras, flows e instrumentais que podem remeter-nos para os Neptunes e, ao mesmo tempo, levarem-nos para a era Yeezus de Kanye West, por exemplo.

A caminhada para o álbum de estreia começa com “Jawbreaker”, malha com críticas (umas mais directas, outras mais subtis) a um mundo de aparências, versos superlativos dos três MCs (a feroz Rico Nasty entra sem pedir licença) e um refrão catchy, algo que também já é uma imagem de marca da banda. Para ficar de queixo caído.

– Alexandre Ribeiro


[Uno] “Raio de Apagão” feat. Cadela

Diogo Colaço é um dos casos mais precoces do hip hop em Portugal, que ganhou alguma notoriedade na Internet por fintar as modas do egotrip e da punchline, tão em voga no nosso circuito até meados da presente década. Ainda antes de atingir a idade adulta, “Eu e o meu comparsa, Carlos” dava a entender que Uno tinha tudo para se tornar num caso peculiar — desde a escolha do instrumental, um clássico de Bonobo, à introspecção poética presente num extenso verso com o sentimento à flor da pele.

O amadurecimento pode ter-lhe roubado parte da quantidade de palavras debitadas por minuto, mas permitiu-lhe ir ainda mais a fundo na busca pelo “eu”, um encontro dos anjos e demónios que pairam nos cantos mais escondidos do seu pensamento. Depois da estreia, em 2016, com Teorias que não interessam a ninguém, o arranque de 2019 trouxe-nos o segundo álbum de Uno, que continua a optar por percorrer O Caminho Mais Difícil, o da poesia enquanto principal objecto artístico.

“Raio de Apagão” é um dos temas de rap clássico dentro do disco, que faz uso da técnica de corte e costura de samples de Pilha, seu fiel parceiro no Consultório. A uivar à luz do luar, solitário numa qualquer madrugada e já com a cabeça a fervilhar, sedenta por um diálogo consigo mesmo, Uno coloca a mão na consciência à procura de um perdão e implora por companhia momentânea, ciente de que voltará a cometer os mesmos erros e a gerar um novo desencontro, num loop emocional que, por consequência, o levará novamente a desabafar com a tinta no papel.

– Gonçalo Oliveira 


[Nego Gallo] “Onde Há Fogo Há Fumaça”

Janeiro chegou Veterano. A mixtape do rapper de Fortaleza, Nego Gallo, é o segundo trabalho a solo desde que Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa, a mixtape de 2007 dos Costa a Costa que fundou ao lado de Don L, se tornou uma peça importante para começar a ampliar a geografia do rap brasileiro. Em 2019, Gallo traz o reggae e o dub – com assinatura óbvia de Leo Grijó (Stereodubs, Flora Matos, Lay) e Coro MC – numa bandeja de trap quente como o Verão nordestino.

De refrão chiclete (e Veterano tem vários), Nego Gallo contou que “Onde Há Fogo Há Fumaça” é “justamente sobre a ideologia de medo da cidade, de tentar colocar as pessoas nesse espaço de impossibilidade, de inércia”. 2017 e 2018 entraram já para a história como os anos mais violentos de sempre do estado do Ceará, registando-se 5 mil assassinatos por ano, a grande maioria relacionada ao tráfico. “Não vou ficar parado, a cidade é minha. Sei que ela tem problemas, e eu não vou poder esperar esses problemas se resolverem. Estou vivo e a vida vale mais do que qualquer coisa, estar perto dos meus amigos, das pessoas que eu gosto. Pode estar uma guerra lá fora, mas isso não vai me impedir de reconhecer os lugares e as pessoas, independente do que a grande mídia diga.”

– Núria R. Pinto

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