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Texto: ReB Team
Fotografia: Driely S.
Publicado a: 05/01/2021

Contagem final.

#ReBPlaylist: Dezembro 2020

Texto: ReB Team
Fotografia: Driely S.
Publicado a: 05/01/2021

Para o último mês de um ano cujo nome não deve ser pronunciado, nada melhor do que uma série de malhas que são perfeitas para meditar, reequilibrar e alinhar com as boas energias que o mundo ainda tem para nos dar. Com o alto patrocínio de xamãs como Madlib, Chloe & Halle, SZA, Navy Blue, Burial, Four Tet & Thom Yorke, GoldLink, Benny Broker, Kamau e BADBADBNOTGOOD com MF DOOM. E esta playlist, mesmo que não tenha sido pensada para homenagear o homem da máscara, acaba por servir esse propósito nobre. Que descanse em paz.


[Madlib] “Road of the Lonely Ones”

O último mês do ano é um período de reflexão, de abordarmos tudo o que se passou e que conseguimos nas nossas vidas e pensar no que vão dizer as passas de dia 31. E essa meditação torna-se mais fácil quando a banda sonora é patrocinada por Madlib. O mítico produtor norte-americano lançou “Road of the Lonely Ones”, tema que faz parte de um novo álbum em colaboração com Four Tet. E se todos os temas do álbum que será lançado em Janeiro forem como o primeiro single, 2021 já será ano infinitamente melhor que o seu antecessor (algo que certamente não será difícil…)

A simplicidade da canção é o seu maior trunfo. Na sua essência, é a união de samples de duas músicas pela mão de um produtor, mas consegue ser muito mais que isso. A maneira como a bateria sincopada e irrequieta soa superior a tudo o resto sem nunca o suplantar revela uma atenção especial ao detalhe e à mistura de som. A percussão samplada de Ode To Billie Joe” de Lou Donaldson  é efervescente, munida de uma tarola marchada que nos enche de tranquilidade, semelhante à satisfação de ver um comprimido de aspirina dissolver-se em água. “Lost in a Lonely Word” dos Ethics dá uma voz incisiva e urgente ao tema, e a guitarra que se dispersa em reverb deixa espaço para a ponderação. Todos estes elementos juntos revelam o metódico trabalho de um produtor experiente e conhecedor que sabe que muitas vezes é preciso pouco para fazer muito.

– Miguel Santos


[Navy Blue] “1491”

O som ensurdecedor das sirenes aproxima-se. Há demasiadas luzes; confundem-se umas com as outras. A visão começa a ficar cada vez mais turva. O frio paralisa os membros; só o fumo que sai pela boca revela sinais de vida. Os carros circulam a alta velocidade colados ao passeio. Os prédios multiplicam-se, crescem até ao céu nublado em fim de dia e fecham os caminhos da cidade. O pânico instala-se. Chegou Songs of Sage: Post Panic! – “1491, it’s one and done, this shit is fucked up”. 

Conseguem imaginar Nova Iorque – cidade que viu nascer Sage Elsesser tanto para o skate como para o hip hop – em 1491, antes de Cristóvão Colombo lá chegar? “Fuck Christopher Columbus”.  

“1491” foi o single que anunciou o novo álbum de Navy Blue, depois do disco de estreia Àdá Irin, lançado também em 2020. E não podia ser melhor o trailer deste filme em tons de azul, onde Sage caminha em grande plano pelo caos da Big Apple – “stepping through a city well known with no regrets” – atirando versos tão deslumbrantes quanto duros de ouvir. Intimamente ligado a rappers como Earl Sweatshirt ou MIKE, o artista partilha com estes uma linguagem própria de transmitir emoções através de rimas e batidas (todos eles inspirados pela lenda do hip hop que nos deixou recentemente, o favorito destes nossos favoritos, MF DOOM – em maiúsculas, como se deve escrever), que dificilmente se traduz em palavras analíticas. Escrevem música de peito aberto e mão solta, destinada, primeiro, a eles próprios, e só depois a quem procura uma terapia nestes espelhos do espírito, fabricados por quem mais necessita de uma cura. É por esse caminho cheio de poças que nos leva Navy Blue em “1491”. Navy, “I know the way, take me to where it rains”. 

– Paulo Pena


[Burial, Four Tet, Thom Yorke] “His Rope”

Dezembro, tradicionalmente, não é um mês de grandes lançamentos ou destaques, no entanto, num ano atípico como este, até essa regra foi, de certa forma, encostada com o lançamento de várias surpresas, entre elas a bombástica edição de um novo conjunto de canções do trio all-star Burial, Four Tet e Thom Yorke.

O reviver desta aventura, e lembrar que o encontro anterior já data de 2011, não podia ser mais surpreendente, além da falta de aviso e do número exclusivo de 12” disponíveis — foram apenas 300 as unidades prensadas. Os três músicos resolveram também manifestar a sua combinação numa fórmula distinta. As sonoridades do post-dubstep continuam presentes, mas, desta feita, realizadas de uma forma muito mais “trip-hopiana”. “His Rope” ainda consegue recuperar alguma batida e alma da composição de Ego/Mirror, mas o embalo deste tema é diferente. Aqui somos convidados a balançar a cabeça, mas não mais que isso. A dança é mental, feita de olhos fechado e em viagem pelas paisagens negras e lentas de Burial, na sua sujidade tão misteriosa quanto cativante, na sua percussão única, nos pormenores instrumentais de Four Tet e na subtileza e humanidade da voz e palavras de Thom Yorke. Este último canta sussurrante, mas cheio de emoção, quase a abraçar-nos, a proteger-nos e isso é o mais belo deste tema: o conforto que ele traz, a alma quente, o sentir que ele é nos tão próximo. “His Rope” é uma viagem, mas também é uma emoção, um abraço. Num ano tão complicado, merecíamos terminar com um mimo destes.

– Luís Carvalho


[Chloe x Halle] “Baby Girl” (Billboard Women in Music)

Nas provas de fogo, Chloe e Halle Bailey existem como unidade. Isso não anula as especificidades de cada irmã: em cada momento promocional de Ungodly Hour, um álbum que é uma dissertação em como criar um ideário pop, sabem ostentar o seu ouro — da perícia instrumental de Halle ao perfil de performer que aproxima Chloe da mentora Beyoncé. Mas é a unidade que incendeia o mundo: a escolha de “Baby Girl” para a gala Billboard Women in Music é uma clara licitação no sentido de torná-la um hino da mulher derrotada, que cedo se volta a sagrar triunfante. 

A marimba ressoa do teclado, os subgraves trazem o vento, os estalos castigam quem não estava atento (e, nesta performance, Halle traz a guitarra elétrica também). Dos grandes statements de 2020, que abre portas não para o céu, mas uma aproximação talvez mais tenebrosa (herética, sugere o álbum). “Do it for the girls/ All around the world” não é uma sugestão, é um mandamento. Assusta-vos duas mulheres a chegar aos píncaros da indústria musical?

– Pedro João Santos


[GoldLink] “Dunya” feat. LukeyWorld

“Dunya” é o lançamento de GoldLink que sucede a “Best Rapper in The Fucking World”, faixa produzida com KAYTRANADA. Lançada nos primeiros dias de Dezembro, o rapper junta-se a LukeyWorld para debitar alguns versos que refletem a sua vontade de alcançar uma maior posição no jogo do rap. O título da faixa remete para as noção islâmica do mundo efémero e as suas posses, e talvez seja por isso que a ostentação seja a forma que GoldLink usa para relembrar os fãs de que ainda existe no ano de 2020. A forma como coloca a voz faz lembrar uma gravação através de cassete, e quando conjugada com o hipnotismo da batida de Rascal, podemos imaginar um rapper que encontramos no limbo entre este e o outro mundo, e talvez seja por isso que a modulação de corpos e elementos do mundo real tenham sido renderizados tridimensionalmente para o videoclipe.

– Fábio Nóbrega


[Benny Broker] “Não Olhes, São Olhos” 

2020 brindou-nos com vários bons discos portugueses vindos de todos os quadrantes abrangidos pelo alargado horizonte que o Rimas e Batidas acolhe. No que toca ao rap na sua forma mais pura, centrado no domínio da caneta e na elasticidade da rima, a colheita esteve aquém de outros anos. Mas o melhor — ou, pelo menos, um dos melhores — nessa vertente estava guardado para o fim, com Benny Broker a fazer um retrato perfeito do circuito subterrâneo onde militam os poetas mais loucos. Fruto Do Sono é a maior obra do MC de Queijas até à data, uma prova de esforço sem recurso a dopings que assinala a maturidade adquirida durante os últimos anos e junta amigos e colaboradores que foram surgindo na sua jornada, como o malogrado Dente D’Ouro, que deu até origem ao tema introdutório do disco e serviu de inspiração para uma curta-metragem. Por entre palavras de intervenção, versos sonhadores e psicadélicos, encontramos Benny no auge do seu skill quando nos deparamos com “Não Olhes, São Olhos”, uma escarra venenosa cujo efeito se prolonga na nossa cabeça por quase três minutos e mete em sentido qualquer praticante deste ofício que passe mais tempo a posar para a foto do que no Ginásio do léxico.

– Gonçalo Oliveira


[Kamau] “Pensei”

“Fazer o quê se eu não caibo na caixa?” Há quem faça do mercado dos singles o seu ganha-pão, trabalhando em cima de modelos ready made — afinal é uma estratégia como qualquer outra — e há quem, quase sempre na contramão, subverta a dinâmica para, a espaços, passar as suas ideias avulso, sempre que o contexto peça uma observação mais sensata e inquisitiva da realidade. À quinta faixa do seu projecto Avulso, Kamau chega com “Pensei”: “entre os sem senso e os sensei”, o rapper brasileiro navega pela necessidade de manter a consistência nas mensagens e no trabalho sem cair nas armadilhas da gratificação instantânea em tempos de crise. Inquieto no seu canto, toma as rédeas das rimas e das batidas ao lado de Diogo Ville nas teclas e DJ RM nos scratches, e convida ao recolhimento produtivo, ao silêncio que questiona e à necessidade não de contar os feitos mas de se manter em constante evolução. “Silencioso e não silenciado”, “Pensei” é um convite à introspecção, ao empenho e à paciência necessárias para manter as bitolas cá em cima ao longo do percurso. 

– Núria R. Pinto


[SZA] “Hit Different x Good Days (Official Acoustic Video)”

A cozy season está aberta para ajudar a combater as baixas temperaturas e SZA (acompanhada pelo músico e produtor Carter Lang e um praticamente imperturbável cão) decidiu que tinha a banda sonora adequada para servir este modo de estar na vida: a versão acústica de “Hit Different” e “Good Days” saiu no dia de Natal e cumpriu com aquilo a que se propunha, garantindo calor e r&b etéreo a partir de uma cama onde todos nos podemos deitar confortavelmente. Bate diferente para quem consegue alguma paz nestes dias complicados.

– Alexandre Ribeiro


[BADBADNOTGOOD & MF DOOM] “The Chocolate Conquistadors”

Quando o hip hop me revelou que havia uma história, um passado, alcançável em mágicas rodelas de vinil negro onde se resguardavam os samples que os produtores reinventavam com golpes de puro génio ou de desarmante simplicidade, Gears, álbum que Larry Mizell arranjou para o organista Johnny Hammond em 1975, foi um dos primeiros a vir parar à minha colecção, sobretudo por causa do incrível break do tema “Shifting Gears”, samplado por The 45 King ou pelos Hieroglyphics.

Foi por isso mesmo com absoluta surpresa que a meio de Dezembro descobri que os canadianos BadBadNotGood tinham recriado outro dos clássicos desse álbum, “Los Conquistadores Chocolates”, tendo para a ocasião assegurado um verso de DOOM. Foi absolutamente delicioso (e surpreendente) escutar Dumile a reinterpretar a intro em castelhano originalmente debitada por William Jordan na peça composta por Hammond. Na versão dos BBNG, o tema de balanço mega funky, em que originalmente se destacava a bateria do gigante Harvey Mason, passa a ser um pedaço de algodão doce jazz-funk, com swing pronunciado que o MC mascarado aproveita como propulsão para a sua imaginação e para os seus sempre inesperados delírios poéticos. Classe absoluta, ter DOOM a mergulhar num clássico para emergir com um pedaço de “afrocentric syncronicity” antes dos BBNG levarem a peça para a estratosfera sem perderem a cadência que importa manter. Rap cósmico? DOOM estará, certamente, a sorrir por trás da máscara a esta hora.

– Rui Miguel Abreu

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