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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/05/2022

De FUMU a billy woods.

#ReBPlaylist: Abril 2022

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/05/2022

Música que desorienta, palavras que deixam marcas, balanços que nos tiram o equilíbrio. Liberdade, liberdade, liberdade. Música que orienta, palavras que abraçam e balanços que nos dão equilíbrio. Liberdade, liberdade, liberdade. E ainda há muito para fazer, muito para cantar, muito para dançar. Nunca nos esqueçamos disso.


[FUMU] “Negative Feedback Loop” (com CURRENTMOODGIRL)

FUMU tem-se insinuado aqui e ali em edições curtas e compilações da editora de Manchester Youth. A antecipação não cai em saco roto, e finalmente a label britânica vem a jogo com o primeiro longa-duração, de onde se destaca esta malha. “Negative Feedback Loop” é tão parte do imaginário de Enter The Anima como uma boa carta de apresentação para as incursões mais pop da convidada CURRENTMOODGIRL. Graves em níveis gravosos, glitchs de percussões e apontamentos melódicos que insinuam o espaço para a voz da artista multidisciplinar pintar de forma assombrosa em várias faixas de encadeamentos esparsos e pouco definidos. Este FUMU pode dar algum fomo, fica o aviso.

– André Forte


[A garota não] “Não sei o que é que fica” (com Chullage)

Quem cresceu a ouvir os cantautores portugueses da segunda metade do século XX, sabe que não há nada tão redutor como o rótulo de “música de intervenção”. Desde logo pelas razões que o José Mário Branco elencava: sem comunidade não há obra, e por isso há sempre um compromisso, mesmo que o compromisso seja o de não assumir um compromisso. Neste sentido, no canto nunca há neutralidade. Mas para além disso, reduzir toda a inventividade poética, sonora e temática de um conjunto de artistas ao seu compromisso com as lutas sociais é não levar a sério a sua própria obra, avaliando-a apenas pelos seus usos instrumentais. O mesmo vale para Cátia Mazari Oliveira, que artisticamente conhecemos como A garota não. Apesar de se inscrever na melhor tradição poética da música portuguesa, falando de tantas das inquietações do presente, o seu gesto artístico vale por si próprio e vive da sua poesia desassossegada, inquieta e cuidadosamente harmonizada com melodias ternas, onde a contenção não deixa de ser profundamente impactante. A melhor prova disso é 2 de Abril, o seu novo e ambicioso álbum, onde encontramos esta poderosa “Não Sei O Que é Que Fica”. Cátia “só vinha falar de amor”, “mas na porta ao lado há mais um despejo”. Por isso é urgente voltar ao assunto da habitação, da justiça e da dignidade. E para a ajudar convidou Chullage que aqui demonstrou toda a sua mestria: uma cadência poética irrepreensível que faz justiça ao peso de palavras carregadas de implicação, compromisso e urgência. “E o que é que fica?/ Como é que fica?/ Quem é que fica?/ Como é que a gente fica?/ Quando essa gente rica gentrifica?/ Quando há uma gente que fica/ Com cada metro quadrado da nossa vida e memória onde é que a gente fica?” Perguntas sérias e essenciais onde ecoam as vidas de tanta gente que à nossa volta foi obrigada a sair das suas casas em nome de um suposto país cosmopolita, moderno e aberto ao mundo: “Excepto se é Calais/ Excepto sem vem de Calais”. Com tanta mentira a andar à solta, esta não é mais uma música de promessas e ilusões: é uma declaração de compromisso e, sobretudo, uma carta de amor a toda essa “gente com dente” que resiste e não aceita ser tratada como mercadoria. 

– João Mineiro


[Bruno Pernadas & Orquestra Geração] “O Governo do Povo”

Este é o ano dos governos. Arrancamos com um em duodécimo, recentemente falecido e posteriormente substituído por uma versão renovada de caras, mas nem por isso de vontades. Talvez por isso, nos tenha sido prometido, uma espécie de governo sombra pela oposição. Não se sabe ainda em que versão, se mais próxima do modelo britânico, se do modelo televisivo. Pouco importa, pois nenhum deles vai com certeza ter o brilho do governo que abriu as celebrações do último 25 de Abril. No ano em que Portugal finalmente tem mais dias de democracia que de ditadura, o Dia da Liberdade foi celebrado com a ajuda de Bruno Pernadas, que a convite, criou, e muito bem, “O Governo do Povo”, uma composição que contou com a preciosa ajuda da Orquestra Geração para dar vida a uma representação da liberdade, da luta, da conquista, das memórias, da vitória que é a democracia. Tratemos bem o que temos, pois nunca sabemos quando o podemos perder.

– Luís Carvalho


[Hatchie] “Take My Hand”

Três anos depois de se ter estreado com Keepsake, a australiana Harriette Pilbeam (aka Hatchie) regressou no passado dia 22 de Abril com o seu segundo longa-duração, Giving the World Away

Se Keepsake foi uma masterclass em como fazer um disco contemporâneo de dream pop e shoegaze, Giving the World Away é uma evolução de tudo aquilo que o seu predecessor já fazia com competência. Muita dessa evolução resulta das influências mais pop que Hatchie traz para a mesa neste seu novo trabalho, mas também do estilo de produção que Jorge Elbrecht (Sky Ferreira, Japanese Breakfast) incute nas faixas do álbum que permite criar uma atmosfera carregada de reverb a reflectir por entre a neblina, capaz de nos transportar para um universo sonoro que soa nostálgico e futurista ao mesmo tempo. Em suma, a música contida dentro de Giving the World Away são cantigas para chorar às três da manhã no autocarro de regresso a casa enquanto as luzes da cidade vão iluminando o que nos rodeia. Por outras palavras: é a cinematografia e ambiência de toda a cena que importa.

Num disco recheado de highlights, como é o caso de Giving the World Away, torna-se complicado escolher apenas uma faixa para “representar” o álbum. Todavia, lá estamos aqui a tentar esse feito quase impossível ao escrever sobre “Take My Hand”. A quarta faixa do longa-duração é uma canção que soa onírica e psicadélica que ao mesmo tempo faz-nos querer dançar, fazendo lembrar o baggy do final dos anos 80 de uns The Stone Roses, actualizado com as texturas dissonantes de uns My Bloody Valentine ou Spacemen 3, bem espelhadas nas paredes de sintetizadores e guitarras, cobertas de reverb, que cobrem a faixa. Claro está, mesmo com essa dissonância em conta, “Take My Hand” é, no final de contas, uma canção pop. Como ignorar a voz de Hatchie a indicar-nos “you don’t have to change” no refrão? Se souberem, digam-nos – está complicado por estas bandas fazê-lo.

– Miguel Rocha


[Aitch x Giggs] “Just Coz”

“Where would I be if I never met YBeeez, Giggs, Ghetts, Chip, Skep, Konan, Krept, Kano, Dev, Stormz, Hus, Dave”, agradece Central Cee em “Ungrateful”, faixa do seu mais recente álbum, 23. É dos versos mais marcantes do disco (e, num salto quântico, do drill anglo-saxónico) e salta, também, de imediato à cabeça mesmo antes de se carregar no vídeo de “Just Coz”.

O cruzamento das gerações que cresceram sem o poder da Internet e das que não precisaram de mais nada além desse poder para crescer é, ao contrário do que se possa pensar, cada vez mais comum — ainda para mais numa subcultura tão competitiva como é o hip hop do Reino Unido. 

As primeiras provaram o potencial do calão e da pronúncia britânica e as últimas tornaram-nos irresistíveis. Do grime ao drill, firmaram-se referências incontestáveis ao longo de todas essas gerações. E agora encontram-se para colher os frutos semeados em diferentes épocas e condições, sem choques geracionais, a tomar pelo exemplo de Aitch e Giggs. “Just Coz” é um desses casos em que a irreverência de um se confunde com a imponência do outro. É a diferença entre o sangue novo de um e o sangue fresco dos dois.

– Paulo Pena


[ESCALPE] “Quezília”

Comecemos por Il-Brutto que parece ter arrancado o sample principal para o novíssimo tema de ESCALPE, “Quezília”, ao gravar o próprio Diabo a bater com um martelo no velho portão de ferro de um qualquer cemitério dos nossos pesadelos: o beat faz-se de tensão gótica de fermentação lenta, banda sonora possível para um filme de terror italiano dos anos 70, cheio de freiras demoníacas e jovens virginais aos gritos. Se não se arrepiarem ao primeiro segundo, não se preocupem – significa apenas que este som não é para vocês.

Depois, acabadinhos de chegar do Hades, escutam-se Tilt e NERVE a dar porrada nos nossos ouvidos, acusando para aí 666 na escala de tremores de Richter: “Torno-me bode sem que água benta me acorde/ Arrumo o assunto c’a caneta tipo que vais p’ra gaveta da morgue/ Só te safas com uma letra caso te venda uma estrofe…”, cospe o primeiro. “Mesmo a bater no meio dessa massa cinzenta onde não chove/ NERVE morre no fim, não lido bem no meio das lides do bem/ Triplo seis é um dos meus apelidos do meio/ Um tipo porreiro (Yeah, o demo) / Eu sou ele me’mo, eu não sou tipo o rеi”. Word!

Dois MCs em estado de desgraça absoluto, em total e incondicional entrega à arte de nos fazer estremecer com palavras e flows, com um novo tema que só nos quer chupar o sangue todo, estruturado num alucinante duelo lírico que obriga a sucessivos rewinds. Dica do mês? “Mal cheguei e já tombei a torre”. Com mestres assim, é sempre xeque-mate.

– Rui Miguel Abreu


[billy woods] “No Hard Feelings”

Logo na segunda paragem de Aethiopes, o chão desaparece e ficamos a flutuar no nada. À nossa frente só vemos billy woods a debitar e a debitar e a debitar… e só à terceira ou à quarta (ou à quinta ou à sexta) audição é que conseguimos visualizar o(s) quadro(s) — entre a colagem e o surrealismo — que está a pintar com a ajuda de Preservation.

Apesar do início (“Black astronaut, cop a space suit and jet off my steps”), o rapper que forma parelha com ELUCID nos Armand Hammer não está a fantasiar com viagens ao espaço e finais felizes, muito pelo contrário, baralhando-nos os sentidos com a capacidade que tem para misturar diferentes narrativas. No caso de “No Hard Feelings”, o resultado final é vertiginoso e nauseante. Esperança? “It’s scars when you done healing”. Interpretem como quiserem.

P.S.: ficamos à espera do encontro musical entre woods e Shabaka Hutchings.

– Alexandre Ribeiro


[Pusha T] “Brambleton”

Por trás de todo o trapper tornado rapper, há uma história a desvendar. Ao longo dos anos, Pusha T tem descortinado mais e mais detalhes sobre o seu percurso e sobre o seu… chamemos-lhe “espírito empreendedor direccionado para a distribuição de estupefacientes”. Em “Brambleton”, o egotrip é substituído por reflexão, e o artista nascido Terrence Thornton conjuga o passado e o presente para discutir o azedar de uma das suas amizades mais antigas. 

O tema introduz-nos a It’s Almost Dry — o álbum que o artista lançou em Março — com critério e um beat de melodia gélida aliada a 808s capazes de aquecer o Árctico. Pusha T discute o ruir da relação com o seu antigo manager, Anthony “Geezy” Gonzales, e leva o ouvinte numa viagem por Norfolk, Virgínia. Com Thornton ao volante, são apontados locais e contadas histórias, sempre com a escrita incisiva e sem rodeios do rapper norte-americano. É um tema soturno, um dos mais pessoais até à data para este artista, e uma prova de que as histórias deste trapper tornado rapper nunca soam indiferentes. 

– Miguel Santos


[DUALPÊS, gonsalocomc, Sina em Órbita, Otto, Wugori, Herege] “FAROPA CYPHER”

Um grupo de amigos junta-se num KIOSK em tom de preparo para vender farofa avulso e o resto é história.

DoisPês, Dualus, gonsalocomc, Sina em Órbita, OTTO, Wugori e Herege trazem-nos uma cypher recheada de alimento suficiente para ninguém passar fome. Com flows bem cunhados dos MCs, mas que tão bem combinam, por cima de um instrumental digno de quem está a flutuar num planeta mais longínquo que o nosso, este conjunto traz-nos uma faixa de 4:20 minutos, pronta para suscitar essa mesma sensação de pouca gravidade. Como uma lufada de ar fresco acompanhada de uma nostalgia em nuances de Odd Future, “Farofa Cypher” deixa água na boca para as próximas refeições que poderão vir a ser servidas pelo colectivo. É esperar que o quiosque reabra ao público. 

– Beatriz Freitas

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