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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[TOM] “Dominar o YouTube”
TOM voltou aos lançamentos com uma “faixa solta p’ra matar um bocado a ausência de barulho…”, com o tema “Dominar o YouTube” a assinalar o seu aniversário. Fez a festa com o OG Bambino e mais umas quantas caras mascaradas (entre elas a de Tilt, que se revela no final), pelo que o mote não podia ser outro: pregar os valores da escola de Almada.
[AVAN GRA] “JOGO DE CINTURA”
Os AVAN GRA estão a coser a sua manta de retalhos, que terá como produto final um álbum daquele rap verdadeiramente alternativo, não só em estéticas, mas também em abordagens e conceitos próprios. Educados pelos clássicos, reciclam material do mais variado – “IMPROMPTU #3 – MEDO DE ALTURAS” é uma feira da ladra de samples – e elevam o seu “JOGO DE CINTURA” entre rimas e batidas, frescas e antigas, de quem sabe de onde veio e para onde vai.
[Big Jony] “Ascensão”
Big Jony é um dos nomes mais entusiasmantes a brotar no rap nacional. “A pressão é outra quando tens a benção de Sams e Valetes”, mas pressão parece ser a única coisa que o rapper do Grande Porto não acusa. Nasceu para rimar, está-lhe no sangue – “Não há margem de dúvida, na veia corre música, eu nasci pa’ tar aqui” –, e com barras impactantes, directas e explícitas, o MC com “flows à Dave East” fez uma francesinha à Porto com o sauce de Madkutz, e desta não há como não gostar. Que delícia de rap!
[Gonsalocomc x Wugori] “Olhocerrado”
Já provaram o EP Mal Passado Bem Pensado de Gonsalocomc e Wugori? “olhocerrado” é a primeira de sete faixas que compõem o projecto, e mal o instrumental entra com vozes soul a criar o loop e Wugori arranca com os seus versos em múltiplas direcções imprevisíveis, num tom monocórdico, o Shazam das referências dispara de imediato para Earl Sweatshirt à cabeça, um rapper de culto que criou escola no rap norte-americano, sobretudo, mas que se vai espalhando um pouco por toda a parte. Em Portugal, também esta linhagem educou vários ouvidos das novas gerações, mas são poucos aqueles que seguem essa doutrina nas nossas fronteiras. Gonsalocomc e Wugori estudaram bem essas lições e estão agora a grelhar os próprios bifes, com temperos e molhos especiais à sua medida, que cada um come a mesma refeição à sua maneira. “Nostalgia bate forte mas é cagar se voltam”, resume muito do que se sente a ouvir estas malhas.
[Mini God] “Sai di La”
“Sai di La” é single de Nasci Pa Keli, o álbum de Mini God que estará para breve. O rapper de Oeiras cantou em crioulo, mas passou a sua mensagem também em português, através de legendas no vídeo do tema, para que as suas linhas fossem absorvidas por todos, já que o que tinha para dizer não podia passar ao lado de quem quer que fosse.
[Dekor] “Arco da Velha” (com DJ Flip)
Dekor contou histórias do “Arco da Velha” em nova faixa; a mensagem do rap nortenho mantém-se, regra geral, intacta, e neste single do álbum Estática, o rapper prolífico em projectos abriu portas ao seu novo trabalho “com rimas e batidas mais fodidas que ontem”.
[L-ALI] “PersPicasso” feat. Mirai
L-ALI e Mirai é uma daquelas colaborações que nem no jogo das duplas improváveis viria à cabeça, apesar da contribuição do vencedor de WTF – O Game ser bastante subtil. Mas o rapper da Superbad, que já passou também pela Think Music, está a metamorfosear-se, revelando camadas inimagináveis para quem o conheceu em Surrealismo XPTO, O Conto ou Baço. “PersPicasso” é nova peça de Raramente Satisfeito, o novo EP do artista que se revelou através da máscara, e está previsto para sair no dia 19 deste mês (com uma edição exclusiva em vinil a ser disponibilizada). De rapper invulgar a artista multifacetado, L-ALI ganhou cores nas asas que foram desenvolvidas num casulo de rimas calóricas e batidas de difícil digestão; de MC perspicaz a artista “PersPicasso”, a evolução tem sido constante e notória.
[YOUNGSTUD] “PENUMBRA”
Youngstud continua a vincar cada vez mais a sua identidade à medida que vai divulgando temas a solo com uma frequência assinalável – descansar na “penumbra” não parece ser uma opção viável –, identidade essa que não se define facilmente. É um artista que bebe de várias fontes (e que faz questão de as expor: “Na penumbra dou-lhe à Tyler olha o sunset/ Mesmo que eu seja mais como a Lana, Summertime Sad”), e nesta faixa solta volta a navegar pelos habituais sintetizadores, à procura de rimas internas com versos divididos em frases homófonas, divagando com os seus botões – os próprios e os das máquinas.
[Cookie Jane] “Lucy”
No dia a seguir a celebrarmos o Dia Internacional da Mulher destacamos “Lucy” de Cookie Jane, um tema que espelha muito do que se pretende defender nas lutas que justificam a celebração de um “dia da mulher”, especialmente numa cultura como o hip hop, predominantemente masculina, frequentemente misógina, mas que, em boa verdade, no cerne dos seus valores, nunca fechou a porta ao género feminino. Cookie Jane, mulher de armas, figura sozinha sem precisar de nada nem ninguém para fazer valer os seus dotes no rap, provando assim que o hip hop é para todos – para RAPazes e RAParigas.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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