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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[AMARAL] “INVERNO 99”
“Inverno 99” é o segundo tema de Amaral Jones debaixo da asa da RAIA, depois de se ter estreado nas águas profundas desta editora com “Não Descer”. Ao lado de Bambino (metade de In3gah, dupla dividida com Sanryse na mesma casa), que ficou a cargo da produção, e com Sebastião Santana no vídeo, Amaral volta ao activo com a punchline apurada que sempre o caracterizou. E as barras que edificam esta faixa formam paredes onde reza uma boa parte da história de vida do rapper.
[Fizz Escobarra] “Mob Ties”
Fizz abre “Mob Ties” (faixa do álbum Igual a Ninguém) a falar sobre Harehills, Leeds, um bairro numa das zonas mais periféricas da cidade onde o rapper do Miratejo residiu. Porém, a pobreza e consequente marginalização não derrotaram Fizz Escobarra, que nos relembra, nesta faixa, quem é e porque faz o que faz. É um rapper que, apesar de distante, não cai no esquecimento.
[Chek1] “Ainda não é tarde” (c/ Dj Crava)
Enigmacru é sinónimo de sinceridade, de brutal honestidade (como se ouviu recentemente no primeiro disco a solo de Each1); é rap portuense com pressão acentuada no nervo, que prima pelos valores incutidos no hip hop. As palavras de Nas abrem “Ainda não é tarde”, precisamente sobre essa dedicação que Chek1 confessa num tema dirigido aos que com ele cresceram enquanto pessoas e artistas, numa cultura que, aos seus olhos, vê cada vez mais os seus ideais serem distorcidos e negligenciados. Os nomes associados à música não são surpresa: Dj Crava nos pratos, Each1 na gravação, Johnny Virtus na mistura, Keso e Dekor nos agradecimentos – os do costume. E a boa notícia é que ainda há quem a ouvir a sua música cresça. Sem aspas.
[Vado Más Ki Ás] “Tribunal”
Vado Más Ki Ás voltou às novidades com um par de lançamentos. Da “Vida Louca” ao “Tribunal” o rapper do bairro 6 de Maio continua a descrever e percorrer o seu percurso a pulso, como um dos grandes embaixadores do rap crioulo em Portugal. A expressão “do bairro para o mundo” assenta em Vado como em mais ninguém!
[nastyfactor] “já não sei amar” ft. prizko
A parceria entre nastyfactor e prizko continua a dar frutos. Desta vez, os dois rappers do colectivo GROGNation saltaram da “MOB” para “já não sei amar” e surpreenderam pelo registo cantado de ambos. Se já vínhamos a descobrir essa faceta em nastyfactor, no histórico de prizko este tom é praticamente inédito. Mas eles já vinham a dar sinais desde a “vila”…
[Lucy X Mass X Romeu] “Engano”
Romeu definiu os tempos relaxados num boom bap jazzy, e Mass e Lucy só tiveram de escorrer versos pelo instrumental; os rappers de Odivelas deslizaram pelas batidas e deixaram-se embalar pelo loop das notas sopradas. “A escrita é sobre a vida, então tu vai falando” – e foi isso que fizeram.
[FRANKIEONTHEGUITAR] “Imagina” ft. Ivandro & Slow J
“Imagina” Frankieontheguitar, Ivandro e Solw J juntos num tema. E não é que aconteceu mesmo? O recurso à imaginação não será, ainda assim, forçoso; é dado adquirido o facto de que estes três nomes somados numa faixa têm como resultado algo de surpreendente. Resta carregar no play, deixar a guitarra de Frankie entrar pelas paredes das nossas divisões, que, por esta altura, tanto precisam desse preenchimento, recostar a cabeça com a voz de Ivandro num ouvido e a de Slow J no outro, e ver o filme realizado por XZ. Por momentos, até o tempo pára, imaginem…
[KrazyDread X Tommy el Finger] “Saudades”
KrazyDread, certamente um dos muitos rappers educados por Praso (directa ou indirectamente), mereceu o privilégio de rimar num instrumental do produtor de Artesanacto, com Tommy el Finger no scratch. Em “Saudades”, o rapper de Évora recorda os primórdios do seu percurso, que, apesar de relativamente curto, já conta com alguma obra feita. Também é feita a devida homenagem às várias influências que o moldaram, e no fim fica a promessa de que a jornada ainda agora começou.
[UnderZ x Cachapa] “DOPE”
Zero, o EP que junta Cachapa a UnderZ, está a ganhar forma e “DOPE” é a faixa número três deste projecto. Nesta, o “Cacha” aventura-se pelas batidas drill e volta a mostrar por que razão é uma das grandes apostas (seguras) do rap alentejano. Ainda é nova escola e já promete fazer escola com as suas rimas. “Seja em trap ou em grime, um boy racha”.
[MAJESTIC T.K.] “DISTRITAL”
Também Majestic T.K. galgou as batidas drill, uma vertente que vem a ser cada vez mais explorada no panorama nacional por toda a “espécie” de rappers, dos mais estabelecidos aos novatos. O rapper que se destacou na Liga Knockout apontou o dedo aos orçamentos das distritais do rap em “Shoo Pamus” e voltou a pôr o dedo na ferida em “Distrital”. “Cena esquisita… deve ser do conteúdo da marmita” – será certamente a melhor descrição de Maje, um MC que por entre altos e baixos consegue sempre intrigar quem atenta à sua escrita.
[Damz] “Às vezes”
Damz anda a fugir às partidas que a vida “às vezes” prega e que o deixam triste. Mas o rapper que se destacou, a título de exemplo, em “Kuzas Muda”, com Tchapo e Xina RBL (faixa de Turbuléncia, álbum editado pelo rapper de Chelas no ano passado) escreve direito por linhas tortas. Por entre esses sobressaltos, o MC discípulo de Beto Di Ghetto revela na voz e nos versos força suficiente para continuar a sua caminhada ascendente na estrada do rap.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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