Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça. Por dentro e por fora.
[Jaime Miguel] Fora Dessa Casa
Nem o primeiro nem o segundo volumes de HIATUS nos passaram pelos ouvidos em tempo útil na janela de oportunidade que esta coluna, pela sua cadência semanal, exige. Felizmente, já com Fora Dessa Casa o caso foi diferente. Teria sido uma pena passarmos mais uma ocasião em branco, sem destacar um novo trabalho de Jaime Miguel, rapper — se assim o pudermos definir — que, muito discretamente, tem explorado o canto e a palavra de formas que dificilmente vemos replicadas. Chama-se a isso identidade própria, não é?
[Stay Real] PERLE NOIRE
Para quem se apresentou com tanto para dar só faltava mesmo uma prova mais expressiva desse valor. E para começar chega-nos uma mão cheia de faixas compiladas em PERLE NOIRE, EP desenvolvido por Stay Real com Vulgare Beatz do seu lado na produção, canções essas que confirmam o que os singles anteriores nos tinham feito crer: estamos perante um dos grandes novos valores do rap crioulo a despontar em solo português, técnica e conceptualmente.
[Psyco] “Ganha”
Quem também está na iminência de apresentar novo trabalho digno de nota à praça do rap crioulo feito em Portugal é Psyco. Aliás, o próprio título do seu próximo projecto evidencia a importância deste disco: Portugal needs me poderá parecer um statement ousado, mas tem todo o cabimento neste contexto. Quando falávamos de novos valores do rap cantado em crioulo em solo português em relação a Stay Real, Psyco seria um dos “outros” sobre os quais estaríamos a pensar. E este seu EP em forma de manifesto, à imagem do que nos tem vindo a provar até aqui, há-de vir, seguramente, reforçar essa certeza.
[xtinto] “Berço”
Por muito que xtinto se afaste do rap, o rap teima em não sair dele. Pelo simples facto de esse afastamento não ser propriamente premeditado, muito menos definitivo. O seu “Berço” bem pode ser o hip hop, mas o autor de Latência não podia, de maneira alguma, ficar-se por aí. E quando finalmente Francisco Santos começou a ser reconhecido como um dos melhores a fazê-lo, mandou essas palmadas nas costas às favas e deu o salto a fazer o que lhe dava na real gana. Que tanto é rap do mais elaborado que se pode pedir como pop da mais fina gama — muitas das vezes, em simultâneo.
[Mizzy Miles] “Bênção” feat. Van Zee & Bispo
De cowboy ou outro qualquer, tire-se o chapéu a Mizzy Miles. Se há mérito que o produtor tem, independentemente de se gostar mais ou menos das suas composições, é juntar talentos improváveis e fazê-los casar à primeira vista. No caso de Van Zee e Bispo, esse casamento não se afigura assim tão improvável, e sobre “Bênção” em particular o desafio até se revelou bem mais fácil para Mizzy. Porque ter de um lado um prodígio melódico, e do outro uma aposta mais do que garantida, acaba por ser meio caminho andado para o sucesso. A outra metade deve-se ao seu toque de Mizzy Midas.
[Big Jony] IV Período
Prometeu e cumpriu, pelo menos na medida das esperanças que nele depositávamos. Depois de “Winna” abrir caminho ao álbum de estreia de Big Jony, IV Período chegou ainda com o single de antecipação bem fresco. Defraudadas as expectativas só no aspecto em que do sucessor de Ascensão, caracterizado como primeiro longa-duração de estúdio, se esperava, efectivamente, uma duração longa. Mas isso só pode ser bom sinal: é indicativo que nove faixas, por muito bem conseguidas que estejam, não nos chegaram para saciar a vontade de ouvir um dos newcomers mais entusiasmantes da escola do Porto. Se fosse por nós, editava-se o dobro das faixas num só trabalho.
[Fizz] The Ghost II
Nem um ano dista a edição do primeiro para o segundo volume. The Ghost foi revelado no último dia de Abril passado e tem nova aparição no primeiro dia deste mês Março. A simbologia adensa-se se tivermos em conta que os últimos trabalhos de Fizz Escobarra (e ainda são uns quantos…) foram todos lançados a dia 30 do respectivo mês. Agora, desta vez, em ano bissexto, Fevereiro não chega ainda assim ao trigésimo dia, pelo que a revelação recaiu sobre o primeiro em vez do último. A que propósito vêm estas coincidências enigmáticas? Nenhum. Mas sobre Fizz pouco mais há a dizer além de que a sua música, na génese, é sempre a mesma base. E isso, em casos como o do rapper do Miratejo, é exactamente o que se quer.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)