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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça. Por dentro e por fora.
[Il-Brutto] “Peitto Feitto” feat. Blasph & 9 Miller
É daquelas que, mais tarde ou mais cedo, tinha de acontecer. Combinar a acidez de Blasph com o picante de 9 Miller seria, por isso, uma receita destinada a cumprir-se — desde que na cozinha certa. Portanto, ninguém melhor do que Il-Brutto para promover esse encontro de excêntricos chefs de rimas, ele que tem reunido, aliás, uma turma de elite para o seu álbum de estreia, em que “Peitto Feitto” se afigura já o quinto avanço deste disco que será editado sob o título FUSCO. Agora, ainda a respeito dos MCs intervenientes em particular, versos como “Sabem que eu ’tou com pen game p’os pôr a suar do cu” só poderiam, muito provavelmente, ter sido protagonizados por um destes dois.
[Riça] Diabos m’Elevem
O destaque vai para o teaser porque, na verdade, é trabalho que merece ser ouvido por inteiro. Diabos m’Elevem, disco que Riça editou pela Biruta Records a semana passada, é uma boa surpresa não só para o rap “tuga” propriamente dito, mas também para a música tradicional portuguesa cada vez mais vista como património a preservar e, simultaneamente, herança cultural mutável. Foi nesse cruzamento — dissecado pelo próprio autor numa longa entrevista publicada por aqui há dias — que o rapper de Paredes, Porto, se encontrou para conceber o seu recém-editado álbum.
[Goose08] “Dubai (Freestyle)”
Versar sobre o que representa, realmente, fazer rap é um exercício habitual na escrita de Goose08. Isso e reflectir sobre o seu caminho de auto-superação artística. “Dubai (Freestyle)” é, assim, mais uma prova viva daquilo que o MC da Linha de Cascais pretende alcançar, ciente da sua capacidade, mas reticente do seu futuro. E a sua postura em relação a este jogo impiedoso é reveladora da forma como encara esta jornada ainda por trilhar: “Eu respeito homens, não respeito rappers.”
[Maudito] “Vem Só”
O duplo crédito que se vê atribuído à criação do instrumental de “Vem Só” ajuda a explicar o caminho pelo qual Maudito tem escolhido enveredar: Sien Flamuri e Lil Noon são duas figuras que, não sendo estranhas ao uso da voz em respectivas causas próprias, procuram na produção caminhos vanguardistas — e que não se encerram, necessariamente, numa estética hip-hopiana. Nesse sentido, estão eles totalmente alinhados com o ex-Weis, que já há muito deixou para trás o boom bap mais quadrado (ainda que a sua criatividade o destacasse, desde cedo, como um artista para lá de hexagonal). É para a frente que Gustavo Sousa quer ir, e isso implica ser cada vez mais frontal e honesto na sua proposta artística, faça espécie a quem fizer.
[J PURO & MainStorm] “ZETA”
Teríamos todas as razões para, à partida, não ir à bola com esta “ZETA” de J PURO e MainStorm. O registo está mais para lá do que para cá na fronteira do que consideramos ser, nesta sede, “Rap PT”, e a estética — sonora e visual — a la Bad Bunny em “WHERE SHE GOES” fala-nos mais alto ao ouvido. Mas, como já nos passaram temas suspeitos suficientes para engolirmos algumas das nossas próprias palavras, vá lá mais uma escuta só por via das dúvidas. E não é que à segunda, lá para meados do segundo minuto, a coisa começa a pegar em embraiagem acelerada pelas batidas que por essa altura se manifestam ribombantes. Palavras de sobra para complicar o que, modéstia à parte, bem resumimos preambularmente: aqui, “há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça”. Mesmo que, neste caso, seja só por fora.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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