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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[guilherme] “mais logo, agora não”
guilherme não esteve propriamente parado desde que nos surpreendeu com SINTO LOGO EXISTO, mas foi numa sucessão de três demos conjuntas que voltou a uma espécie de continuidade desse projecto revelador. A linha continua a ser paralela a uma escola muito específica da nova vaga no underground nova-iorquino. Há, aqui, muito mérito na reinvenção.
[Otto] “SOL” (ft gonsalocomc) (prod DoisPês)
E quem diz guilherme diz Otto, gonsalocomc ou DoisPês. São eles três o “SOL” dest’A Viagem ao Centro, mais um projecto do universo agitado de ensemblu encabeçado por Otto. É ele que, constantemente, se confronta com o seu centro introspectivo, mas assinale-se também a notável transição de gonsalocomc das rimas para as batidas, cada vez mais maduro numa forma tão ambígua de pisar nervos muito concretos.
[NOIATT] “Presença Inócua” (ft. Ferry)
A presença de Ferry no novo tema de NOIATT, depois de assimilada, revela-se tudo menos inócua. Pelo contrário: acrescenta, e muito, ao jogo de palavras a que o rapper e produtor se propôs. Inócua não é, também, a mensagem; mas o frente-a-frente preponderantemente técnico acaba por vidrar atenções na forma, mais do que no que ela procura subentender.
[KILATE] “QUEM” FEAT SP DEVILLE
Foi a representar o Prior Velho que Kilate nos chamou a atenção, mas o nosso radar não voltou a sondar essas bandas desde então. Tempo suficiente para perder em primeira mão algumas novidades interessantes, entre elas a estreia em tempo real do programa televisivo Cala-te & Canta, com a participação de Toni Toques, Gui, Rock Funkeiro e o próprio Kilate (todos eles interpretados pelo rapper). Agora em “Quem” faz só dele próprio, e o único participante é SP Deville, mas a vontade de marcar pela diferença é cada vez mais notória. Rapper, produtor, actor e o que for preciso — Kilate está a fazer uso de todos os recursos que tem para mostrar o que vale.
[Psyco] “N’ta Amau”
Falar com o e ao coração é coisa que distingue Psyco, e “N’ta Amau” é exemplo disso por excelência: a celebrar o primeiro aniversário da sua filha, o rapper dedica este novo tema, em solo britânico, à sua primogénita e traduz por palavras uma ínfima parte do que representa o amor de pai para filha e da luta que travou com a vida até chegar à paternidade.
[Regula] “John Doe”
Finalmente. Não há outra forma mais directa de dizê-lo. O tão aguardado (talvez como nenhum outro por cá, à data) álbum de Regula, Ouro Sobre Azul, saiu da gaveta para os expositores e, dentro da significativa quota de previsibilidade, trouxe algumas boas surpresas. Temas como “PAYDAY”, “WAKE N BAKE”, “NADA A VER”, “GENUÍNO” e “TARZAN” não foram, afinal, incluídos no novo longa-duração do rapper do Catujal, dando espaço, assim, a mais inéditos aos ouvidos do público. Entre eles, “John Doe” é capaz de ser a versão mais crua do Don Gula — e uma das facetas que melhor lhe assentam.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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