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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 16/08/2019

O rapper da Força Suprema lançou a versão portuguesa de Castelos, que conta com duas faixas-bónus.

Prodígio: “Eu não acredito que me reinventar seja fazer o que está a ser feito agora”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 16/08/2019

Castelos é o título do mais recente álbum de Prodígio, experiente MC que representa as cores da Força Suprema, grupo que faz parte do cartaz da edição deste d’O Sol da Caparica. O projecto foi editado em Março, mas a versão física só agora chega ao mercado português, apetrechada de duas faixas-bónus que transitam também para as principais plataformas de streaming — “Reebok” e “Down”, esta última em parceria com Gson e Mike11 e alvo de tratamento visual.

O longa-duração é o sucessor de Lua, o projecto que serviu para assinalar a data do 29º aniversário do artista da Linha de Sintra. Nele colaboram alguns dos parceiros que têm acompanhado Prodígio durante a sua longa caminhada no hip hop nacional, como NGA e Deezy, ou os produtores Madkutz, Ace Bankz, Ghetto Ace ou Gaia.

O Rimas e Batidas foi até aos escritórios da Sony Music Portugal para conversar com o rapper sobre a concepção e as temáticas de Castelos.



Quando estava a vir ter contigo vinha a pensar: tu és, provavelmente, o primeiro caso de um hustler “a sério” no panorama musical em Portugal. Estiveste quase uns 20 anos sempre ligado às ruas, a fazer a tua cena de forma independente, e passado este tempo todo dás o salto para uma editora major. É algo que tem sido comum nos Estados Unidos, mas que por cá não se verifica com essa regularidade. Vês as coisas desta maneira?

É uma forma de ver as coisas. Mas a forma como eu vejo é que, até uma certa altura, isto [de assinar por uma grande editora] sempre foi algo opcional. Foi até conhecer pessoas como o Rui [Miguel Abreu] ou como a Paula [Homem]. Cotas como estes. Até aí isso estava fora de questão. Eu sempre achei que as majors “comiam” demais para aquilo que faziam. Então, foi preciso conhecer pessoas como estas para, de alguma forma, ganhar uma outra visão — mais ampla, de negócio — e perceber quais eram realmente os ganhos neste tipo de parcerias. Tens razão quando dizes que levou algum tempo, mas antes também não fazia sentido para mim.

Ao dizeres-me isso, significa que já tinham existido abordagens antes e que tu rejeitaste?

Já tinham existido conversações, de alguma forma. Já tínhamos tido pessoal muito próximo de nós que quis trazer o fulano da editora X ou Y. Nós é que nunca estivemos muito abertos para esse tipo de coisas. Inclusive já recebemos pessoas no nosso quartel general, onde tu também já estiveste, e não se deu um passo em frente porque não nos sentimos confortáveis com isso. Mas também não foi muito antes da primeira vez em que eu vim à Sony, em 2015. Não foi muito antes disso. Foi naquela fase em que a panela começou a borbulhar para um público maior.

A ligação à Sony culminou agora no Castelos. Quando é que este álbum começou a ser delineado na tua cabeça? Foi logo depois do Lua?

Sim. O título não ficou logo decidido mas a temática, aquilo que é a viagem do álbum, já tenho em mente há muitos anos. Imagina, há rappers que o pessoal curte bué — e com todo o direito, porque é merecido — mas às vezes eu fico de pé atrás por causa da idade. “Esse gajo não tem filhos. Esse gajo não passou por aquilo e está a dizer isso”. Eles podem ter talento mas eu inclino-me mais para aquelas coisas, que eu costumo dizer que são “real shit”. Tipo, cenas que tu viveste mesmo. Tu passaste por aquilo e estás a falar sobre aquilo. Há pessoas talentosas mas, por vezes, soa-me só a poesia. Eu queria viver certas coisas, passar por certas coisas, aprender certas coisas para fazer este álbum. Mesmo dentro da música, do negócio e tudo mais. Foi o álbum que me levou mais tempo a fazer. E é também o que tem mais músicas — são 18 faixas, na edição portuguesa. Estive a trabalhar no álbum, no conceito. Queria trabalhar ao detalhe mais ínfimo. Desde o Lua que não fiz mais nada sem ser isto.

Ou seja, tu levaste um período em que apenas coleccionaste experiências e que, se calhar, nem fizeste assim tanta música? Uma espécie de estágio, antes das gravações?

Exacto. Eu estive envolvido em projectos com empresas, como a Common Goal, em que tive muito contacto com o people de uma camada socioeconómica muito baixa. Os mais carenciados mesmo. Então estive aí a dançar um bocado em cima disso, a ter o contacto com as pessoas, a entender quais eram as inquietações, as enxaquecas, que problemas é que assombram realmente o nosso people. Estive a fazer estudo de terreno.

Para quem acompanhou o teu percurso de perto, deste um twist muito grande na forma como te expões ao microfone. Há uns anos estavas a apresentar-nos projectos mais virados para o egotrip, barra sobre barra. Este é um álbum mais maduro, não é? A Lua já o era, mas este está num nível acima.

E se fores ouvir o Prodígios também é um bocado assim. Mas este álbum tem uma particularidade, que é a escolha dos singles. O que fica na cabeça das pessoas são os singles. E, por norma, eu tinha uma escolha de singles mais direccionada para essa cena, da barra sobre barra. Eu agora escolhi fazer coisas com as quais o pessoal se vai identificar mais. Eu próprio estou a crescer, já estou nos 30, o meu puto tem 11 anos. A gente conversa… Na verdade, este álbum começou a fazer sentido quando o meu filho — que vive em Londres com a mãe — me disse “pai, a situação em Angola não está muito boa, o que é que estás a fazer em relação a isso?” Eu disse-lhe que tenho feito isto e aquilo e ele diz que não é suficiente. Fez-me bué impressão. Então eu fiquei a pensar que, se calhar, não era mesmo o suficiente. As coisas que se passam aqui, no dia a dia… Eu, durante a minha adolescência, como todos nós, passei por aquelas coisas de andar à pica no comboio, ir à esquadra e levar um raspanete. Até aí tudo bem. Agora eu entro no meu Instagram e vejo um vídeo de uma cota a ser espancada pela polícia, quando ela podia estar simplesmente a ser algemada… Estás a entender? Eu acho que ela não representava qualquer tipo de perigo para aqueles homens grandes, com armas, cassetetes, spray pimenta e tasers. Isso são aquelas coisas que me fizeram acreditar que estava na altura de fazer uma coisa assim. Estava na altura de falar para as pessoas directamente. O Castelos não começou assim mas acabou por terminar assim.

E agora que já colocaste o álbum nas ruas, qual foi a reacção do teu filho aos novos temas que apresentaste?

Ele está cá de férias. Quando o levo a passear tenho visto a reacção dele. Mas a verdade é que ele tem 11 anos e acaba sempre por se inclinar para aquelas músicas mais de egotrip, e tudo mais. Eu vou vendo o que ele canta. “Oh pai, mete o ‘Reebok’” [risos]. Na verdade, ele quer que eu cumpra com a minha parte mas ele também quer continuar a ouvir o que ele gosta. Se calhar ele quis-me induzir a fazer mais do que aquilo que eu já estava a fazer, com 30 e poucos anos. Ele é um bocado precoce, o meu puto. Tipo “eu não vou andar a ouvir essas músicas de cota, mas tu devias de estar a fazer música de cota” [risos]. É mais ou menos isso.

No Castelos tens participações do NGA e do Deezy, contas com produções do Ghetto Ace, Ace Bankz, Maskutz… Praticamente tudo nomes que têm sido uma constante nos teus trabalhos anteriores. Parte de alguma tomada de posição que decidiste para o teu percurso, manter sempre as mesmas pessoas por perto?

É espontâneo. Penso nisso quando me perguntam. Imagina: tem que aparecer alguém na tua vida, provavelmente, para te levar a um restaurante novo. Alguém tem de te dizer “’tive na Expo e há lá um spot…” Porque, se não, tu vais sempre ao mesmo spot, o teu cantinho, se calhar até é aquela tasca que não é XPTO mas tem aquela comida que tu gostas. Então quando eu penso em beats penso no Ghetto Ace, penso no Ace Bankz, no Maskutz, no Gaia… Embora tenha algum tipo de interacção com outros producers, como o Stereossauro, só que ainda não aconteceu fazer nada. Mesmo o Charlie Beats, também é uma pessoa com quem eu falo. Em termos de sonoridade, eu não tenho noção do catálogo de todos os producers de hoje em dia. E não é que eu não me identifique com o que se anda a fazer, porque o que se faz é fresh e é novo. Só que eu não sou novo, estás a entender? Eu faço isto desde ’98 ou ’99. Eu tento não cair em ondas. Tento não prestar atenção ao que a rádio passa e tudo o mais. Ouço, como fã de música, mas não é o que eu faço porque é uma sonoridade nova e eu não sou um artista novo. Eu não acredito que me reinventar seja fazer o que está a ser feito agora. Eu acredito que reinventar-me é eu arranjar uma forma de encontrar o meu espaço naquilo que é o mercado musical de hoje. Então eu acabo por não trabalhar com os artistas e produtores que hoje têm mais relevância. Eu gosto. Sou fã e ouço tudo o que está a ser feito. Mas, para mim, isso ia soar um bocado como alguém que se está a afogar e precisa que lhe atirem a bóia. “Olha, eu estou aqui também”. Não funciona. Eu tive o meu tempo de new kid on the block. Foram anos… Eu fui o Prodígio do “Cara Preta”. Esse sou eu. Fui o Prodígio player, das meninas, eu já fui isso. Valeu pelo que valeu.

As tais experiências.

Lá está. E eu agora já não me vejo a querer tanta atenção para mim. Quero ir passear com o meu filho. Não quero voltar a ser o new kid on the block. Eu acho que entrei para as famílias, para a casa de muita gente, e quero manter-me lá desta forma. Quero conversa com os pais. Se os filhos quiserem ouvir a conversa e sentarem-se à mesa, são bem-vindos para aprender. Mas eu não quero estar no quarto ou na sala de jogos com os miúdos. Não creio que seja o meu lugar, porque há miúdos [a fazer música] para isso. Cada tampa na sua panela, não é? A chamada que eu faço para o Kutz baseia-se nisso: ele vai-me responder com aquela tarola que é do meu tempo [risos]. Passa um bocado por aí.

Sempre tive essa impressão, de que trabalhas com os produtores meio que à distância. Não tens muito aquele hábito de te fechar em estúdio ao lado de um produtor, não é? Os beats chegam-te mais por encomenda?

Não. Também acontece o contrário. Com o Kutz, por exemplo, somos nós que vamos lá ao laboratório dele. Vamos lá ouvir beats e trabalhos dele. Com o Ghetto Ace também acontece, mas com ele não é tanto em estúdio. Ele é meu amigo de infância. Então com ele é tipo um fim-de-semana no Algarve, numa mansão, à beira da piscina a ouvir samples antigos e depois ele sabe o que fazer. “Olha, estou mais ou menos nessa vibe. Estou a sentir isso e isso”. É aquela conversa. O barbecue grill está ligado. Toda a gente está a pensar que nos estamos apenas a divertir mas eu e ele sabemos o que estamos a fazer. O Ace Bankz, como viaja muito — por acaso até acho que está em França agora — é mais à distância. Com o Gaia, sento-me ao lado dele quando vou a Luanda. Ele vai normalmente ao nosso spot, lá. Às vezes até dorme lá. Ficamos a noite toda a ouvir beats, a produzir e a mudar ideias. Comigo as coisas funcionam de ambas as formas. Porque eu tenho tanta confiança nesses artistas, que a única coisa que preciso é de uns toques na pós-produção. Aquele grave flat. Enviar acapellas e tudo isso. Há algum trabalho a ser feito depois de eu ter as coisas gravadas. Funciona muito à base da confiança. Se calhar, se fosse um produtor novo, eu era capaz de não querer enviar os vocals. E a tecnologia veio também eliminar algumas limitações em todo este processo.

Apesar desse circulo muito fechado em que te posicionas, acabaste por te cruzar com o Gson e o Mike11 na “Down”. O que é que viste neles e que te fez abrir-lhes a porta a uma colaboração, tendo em conta tudo aquilo que me falavas há pouco da maturidade que os novos artistas nem sempre têm?

O Gson é muito bom. Eu sou fã. Gosto muito do trabalho dele e quando eu o ouvi… Eu funciono muito com o sentimento. Ele é alguém com quem eu mantenho o contacto. E o Mike11 também. O Mike11 cresceu, de alguma forma, a ouvir Força Suprema. Ele já esteve em minha casa. E aquela guitarra não tem idade. Acho que são dois manos que, de alguma forma, têm a alma velha e conseguem vaguear pelos dois mundos. Acho que foi por aí.

Já os conhecias bem, então.

Eu conheci o Gson e o Kroa em 2009 ou 2010. Eu fui dar um concerto em Alverca e, depois do concerto, o Kroa queria fazer freestyle e nós ficámos uma hora a fazer freestyle. O Gson estava lá, parado, ao pé do Kroa, muito pequeno ainda. Acho que eles têm uns 20 e poucos, não é? Então isto foi há quase 10 anos atrás. Eles eram mesmo adolescentes ainda. Existe um elo muito forte nas histórias. Provavelmente famílias parecidas. Aquela cena do “vim de muito pouco”, que pode parecer cliché mas acontece e é comum. Principalmente no rap. É comum olhares para o hip hop como um tubo de escape. Daí haver pessoal que coloque uma linha que separa isso de todo aquele rap, mais de gimmick.

Tu estás a promover o Castelos agora, mas o álbum já tinha saído em Março. A que se deve este período que separa a edição da promoção do disco?

Em Março nós fizemos a edição digital para o mundo inteiro, com 16 faixas, 8 faixas em cada lado do disco. O formato físico saiu apenas em Angola, porque estávamos a tentar entrar na Fnac e da última vez não tinha corrido muito bem. Então desta vez quisemos fazer as coisas como deve de ser. Agora já conseguimos marcar a Fnac e, como houve todo este tempo de espera, por parte do people de Portugal, eu decidi fazer duas faixas exclusivas para a edição portuguesa. As pessoas podiam sentir que já tinham ouvido o disco, mas se repararem agora há duas faixas novas. As vendas estão a correr bem, entrámos em quarto lugar no top de vendas nacional. Graças a Deus que está a correr fixe.

Seguem-se agora os concertos de apresentação?

Fiz a apresentação na Fnac do Colombo. Correu super bem. Foi top. Como estamos em Agosto, é complicado. Calhou… Não gostaria de dizer que é uma má fase, mas pronto, é uma fase complicada, em que está tudo a ir de férias. Então, se calhar, a partir de Setembro, começamos a planear isso com mais calma.

Para terminar: eu sei que estás envolvido em outros projectos — já falaste na Common Goal — mas pareceu-me ver também por aí uma marca de roupa. Estou certo? O que há mais para conhecer do Prodígio, para além da música?

Quando faço muita música, chega a uma altura em que eu penso que me vou repetir e preciso de escapar disto tudo. Às vezes fico farto dos promotores, dos shows, dos camarins, de estar à espera da viagem. Eu sofro de ansiedade. Então, às vezes, preciso de abrir a janela e olhar para o mundo de outra forma. Foi daí que surgiu a parceria com a Pelcor. Fiz duas t-shirts com a marca, que é portuguesa. Levaram-me algum tempo mas fiz com bué carinho. Ficaram nice. Mas há outros projectos. Estou metido na Bantumen. Estou também envolvido numa cena que se chama Mobizno, um site de classificados de Angola mas que também vai passar a funcionar do mundo inteiro. É tipo o OLX. E estou metido em outras tantas coisas…

Acabam por ser as tais experiências de que falavas, de estar a “estudar o terreno” para te inspirar para uma próxima obra, não é?

Mas é que é mesmo isso. E digo-te isso do coração. Nem é pelo dinheiro, para ser sincero. Eu vivo fixe da música. É mesmo uma cena de ir buscar… Fazer outras coisas para sentir que aquilo que faço na música vem com mais armamento, com mais munições, que não vou fazer mais do mesmo. É isso que eu busco nessas experiências. Algumas podem até servir de estágio, só para não estar sempre a fazer a mesma cena.


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