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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/12/2025

No estágio final ao som de WONDER.

Papillon: “Este álbum é muito mais uma pergunta que uma resposta”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/12/2025

Ovo, larva, pupa e ímago: os quatro estágios cronológicos e previsíveis da vida de uma borboleta, certo? Errado. Pelo menos desta borboleta chamada Papillon. Questionar a linearidade deste ser tornou-se a premissa que acompanha os estágios de vida do rapper de Mem Martins, que desde 2018 exterioriza os vários ciclos da sua passagem terráquea em forma de música a solo, quase que personificando-a num ombro amigo que só ouve e não julga. Volvidos sete anos, seria expectável que a previsibilidade cíclica da vida de uma borboleta o atingisse e estivesse agora na sua fase final, pronto a voar na sua plenitude. Mas parece que não — ou melhor, parece que ainda não. 

O trio de álbuns conceptuais à volta desta ideia daquilo que é uma borboleta conhece agora o seu último capítulo, sob a forma do álbum WONDER. É um disco mais reluzente e colorido, alicerçado na nova experiência que é ser pai. Se há três anos contrastava esta aura com a escuridão e o momento de luto de um muito denso Jony Driver, o seu novo WONDER celebra a vida de forma muito contempletativa e recheada de questões que mereceram verdadeiras dissertações ao longo de 13 faixas. 

Além de tudo isto, este longa-duração gira muito em torno daquilo que são ciclos, fases, dualidades e escolhas da nossa efémera existência enquanto seres vivos no planeta Terra. Muitas camadas que o Rimas e Batidas desconstruiu à conversa com Papillon à margem do lançamento deste novo trabalho.



Este título, WONDER, tem alguma inspiração no Stevie Wonder? Pensei logo nisso mal soube desta novidade. E já agora, um abraço ao Paulo Pena, que falou noutra entrevista sobre as semelhanças desta capa com a do Songs In The Key Of Life do Stevie.

Eu vou dizer que sim, foi um álbum que passou por mim não só na criação deste álbum mas também numa altura em que estava a começar este gosto por escrever canções e o valor que elas têm, como atravessam gerações. No meu caso específico, como venho do hip hop, temos a arte de samplar muita música antiga e quando me passaram esse disco e percebi a quantidade de samples e a riqueza que aquilo tem, automaticamente pensei que era o tipo de álbum que queria fazer, o tipo de música que quero fazer. Queria música que de alguma maneira possa ficar no tempo e que sobreviva a esse ditador do tempo, para também inspirar as gerações futuras. Curiosidade: soube que há uma música nesse álbum que o Stevie fez para a filha e isso de alguma maneira também me fez sentir alinhado com esse disco. O WONDER foi todo inspirado na minha experiência de ser pai, portanto diria que quase todas as músicas que são sobre amor são direcionadas para ela. 

Essa questão da parentalidade dá-te uma luz nova, fresca, bonita e com muita cor, a contrastar bastante com aquilo que representou o Jony Driver, um álbum mais de luto. Atravessas uma fase de luz, bem diferente de há três anos.

Mais de cor, mas sim. O momento que estou a viver agora é disso, sinto que era uma maneira bonita de encerrar um ciclo de álbuns conceptuais e acabar com uma nota positiva. A melhor maneira de acabar é com luz e cor. 

Falas também desta questão da parentalidade no skit da ¡ OI RIO !“, onde não sabias muito bem o que tinha acontecido, mas percebeste que era algo positivo. Isso foi um choque positivo que ainda agora te inspira?

Acho que foi mais uma surpresa, foi algo que não estava à espera. Daí ter feito um som de como processei essa surpresa, dos medos e receios de ser pai, mas depois com a experiência sinto que encontrei o caminho. A maneira de processar esse sentimento foi fazer música, fazer terapia, ter conversas comigo próprio para de alguma maneira me encontrar e perceber que está nas minhas mãos ser um bom pai. O nosso medo acho que é sempre esse, de sermos maus pais ou não nos sentirmos preparados. Sinto que grande parte da ideia e mensagem deste disco é sobre descoberta e estarmos abertos à incerteza, sem ser que isso seja uma âncora que nos pesa, mas como algo que nos eleva. Eu não sei se vou ser bom pai mas estou disposto a ser o melhor pai possível, prefiro ter o mindset orientado para isso e essa foi a maneira que encontrei para encarar essa realidade. É uma experiência que só mesmo passando por ela é que entendemos o que isso significa, tentei fazer o meu melhor para passar isso pela música, mas quem passa por esta fase é que entende o que eu quero dizer.

Há um verso que me chocou neste álbum, na “¡ SOMOS !”, que foi: “Treze anos atrás pensei na ideia de deixar de existir, mas algo maior não foi capaz de me deixar desistir”. É um verso duro, mas até inspirador.

Sim, é duro, mas ao mesmo tempo a questão da saúde mental é algo que temos de tratar hoje em dia com a relevância necessária para, ao mesmo tempo, não haver bloqueios para quem precisa de uma ajuda. Isto não é propriamente uma raridade, não é? Quando tu és mais novo não entendes o que leva as pessoas a esse extremo, quais são os fatores que levam a isso, mas tens dois: um fator mais circunstancial ligado ao que a pessoa está a passar, mas também há desequilíbrios, patologias nesse sentido. Acho que uma das formas de tornar isto algo que se resolva, como se resolvem outros temas, é falar sobre eles, é expor essa verdade, não esconder esse tipo de coisas. Acredito que quanto mais falarmos sobre estes assuntos, permitimos que as pessoas tenham soluções para não se sentirem sozinhas e para que não continue a ser um problema individual, para não se tornar um estigma também. Eu entendo o que dizes de ser duro, mas acho que essa dureza e desconforto é importante para nós, enquanto sociedade, conseguirmos ultrapassar, para percebermos que é uma coisa muito recorrente pela forma como vivemos e consumimos as coisas. É muito provável que em 100 pessoas exista uma grande parte que passa por essas ideias e ideações. 

Até falas num dos temas que uma fã tua te abordou relativamente a estas questões, se passavas por uma depressão, porque ela também passava. Acabas por contar a história de muita gente que não tem jeito para a música.

Na realidade, não foi propriamente uma fã, nem tive oportunidade de falar com ela ainda, quando estamos em modo de criação isto acontece. Tenho todo o prazer em dizer quem foi, estava a conversar com a Marta Ren. Cruzámo-nos na estrada e ela fez-me essa pergunta e eu nem sabia o que responder. De repente, se alguém te pergunta isso, eu não sei mesmo dizer. Sei como me sinto mas nunca fui ao médico diagnosticar nada, de alguma maneira encontrei na música a minha forma de lidar com estes problemas emocionais. Para mim foi interessante ela ter feito essa pergunta e, de alguma forma, isso ter sido uma semente que foi germinando dentro de mim e originou essa canção. A pergunta dela fez-me arrumar algumas coisas emocionalmente dentro de mim para me sentir melhor.

Estás neste processo de álbuns há uns anos. Começaste com um Deepak Looper mais agressivo, irreverente e até imaturo nas letras, e agora estás numa fase mais introspetiva, reflexiva e também mais suave musicalmente. Sentes que o teu crescimento musical é assim tão grande? 

Epá, imagina… eu quero acreditar que sim. Eu acho que fazer os álbuns ajuda a ganhar essa perspetiva sobre o crescimento, sinto que evoluí bastante ao longo do tempo, mas eu vivo comigo todos os dias, portanto a diferença não é muito grande, mas eu consigo percebê-la. Sinto-me muito eu próprio, com algumas questões, e ainda há caminho para o meu amadurecimento, mas sinto que já fiz uma caminhada boa. Fico grato de ter estes álbuns como pontos de referência dos meus vários estágios. 

Até começaste numa fase de estágio mais à frente daquilo que é a vida normal de uma borboleta, mas deste um passo atrás no Jony Driver. Como estamos em 2025?

Essa é a pergunta que não quer calar… já a fazem desde o primeiro álbum, aquela ideia de chegar à final form da borboleta. A minha ideia é que vou estar à procura disso, estou na busca dessa versão, mas já não é necessariamente uma obsessão chegar lá. Este álbum é muito mais uma pergunta que uma resposta. É perguntar se isso vai sequer acontecer. Estou feliz com a versão que tenho no momento. Quero começar a olhar para a vida dessa maneira, em vez de estar nessa busca incessante pela melhor versão, quero já encarnar essa melhor versão. Já não é propriamente uma busca, agora é mais desfrutar do tempo, da experiência humana, de ser pai, das relações que tenho, da música, e continuar a querer fazer melhor. Não estou a desistir de melhorar, mas não há uma fasquia, uma meta, é desfrutar do processo e ver a melhor versão em tudo o que faço. Acho que a proposta é essa: não me sinto necessariamente no casulo, mas também não sei se já estou na borboleta, estou neste espaço a perceber.

Falando nesta questão das metamorfoses, dos ciclos, o álbum anda todo à volta disso, há aqui algo engraçado. Tu és rapper e o rap é um estilo musical que vive muito de ciclos, de repetições, loops. O primeiro álbum até se chama Deepak Looper, portanto diria que ciclo/loop é aqui a palavra-chave disto tudo. 

Diria que sim, estando muito orgulhoso do que fizemos nos outros dois álbuns, olho para essa trilogia como sendo um loop. Este ciclo iniciou-se com o Deepak Looper, que foi um género de premissa do que íamos fazer, mesmo sem saber o que ia acontecer no futuro, o que é mais bonito e impressionante disto tudo, entender como as coisas se acabaram por alinhar e fazer todas sentido. Então é isso, os loops e os ciclos foram a melhor ferramenta para aprender mais sobre mim, sobre o mundo, sobre as pessoas, foi ver padrões de comportamento e como as coisas se repetiam. É grande parte da fonte de inspiração para aquilo que eu faço, é observar e ver como as coisas se repetem, como a história se repete e aprender com isso.

Há dois detalhes nesta trilogia que acabam por ser quase falaciosos se os compararmos. Falas muito sobre a borboleta, que é um animal simétrico, até despoleta o butterfly effect, mais uma vez a questão do full circle, mas há um outro detalhe que me intrigou: todos os álbuns desta trilogia têm 13 faixas. O número 13, a nível mais espiritual/religioso, é um número quase demoníaco, popularmente é o número do azar, mas também quebra aquilo que é a perfeição, porque temos 12 meses, 12 signos do zodíaco, 12 horas no relógio, etc. É um ciclo imperfeito isto tudo?

Acho que estás muito perto, é por aí. Quando comecei a fazer música, acho que tinha uma vontade de escrever a minha própria história, de não deixar ninguém definir o que é que eu sou, quero que isso fique bem claro. Depois, eu questiono muito as coisas, era a criança chata que não aceitava só o “porque sim”. Essa questão do azar, não gosto que definam coisas com uma conotação negativa, é óbvio que posso estar certo ou errado, não quero mudar nada, mas ao longo da minha vida sempre me conotaram alguma coisa negativa, por vários fatores, não vale a pena enumerar. Então, sempre que vejo algo com a mesma conotação negativa, eu tento perceber o porquê de tratarem as coisas dessa maneira, então eu sinto uma vontade de testar se isso é mesmo verdade — somos nós que damos significado às coisas ou as coisas é que já têm o seu próprio significado? Esta questão do número 13 foi mais um desses estudos de mim próprio, olhar para a minha vida e ver a quantidade de vezes que ele surgia, apercebi-me que havia uma conexão, peguei e estiquei esta ideia até onde dava para ir. É por aí, esta ideia do 13 ser o número do azar e eu querer fazer a minha própria sorte é uma das razões pelas quais eu escolhi fazer 13 faixas. Há mais camadas nisto, mas esta é uma delas. A premissa também sempre foi fazer uma trilogia, portanto também queria deixar algumas pistas, de ir do 1 para o 3, fui fazendo estes exercícios ao longo do tempo para, por um lado, me manter na minha própria missão, e por outro lado eu adoro fazer estas coisas, adoro consumir a minha arte assim, fazer estes exercícios de estimular o cérebro e fiz isso para quem se interessa. Tudo isto são pistas e fico muito feliz que tenhas reparado nesses pormenores, faço com o propósito de que as pessoas encontrem e questionem o porquê disso. Acho que fazer arte é muito isso, deixar perguntas e fazer as pessoas exercitarem aquilo que sentem e pensam.

É algo que também adoro, esta parte mais geek do rap é algo que me fascina e me deixa muito cativado. Adoro essa arte. 

Adoro, dá-me sempre um prazer enorme fazer isso, é a ideia de uma prenda que continua a dar. A experiência a ouvir música e em tudo o resto é, passado uns anos com uma perspetiva diferente, uma capacidade de ver o mundo diferente, eu olhar para a mesma peça de arte, música ou filme e ver coisas novas. Acho que isso é muito rico. Estou só aqui para continuar aquilo que me foi passado, não estou a inventar nenhuma roda, só estou a fazer aquilo que me entusiasma, porque eu vi os grandes a fazerem.



Já agora, na tua música reparei em mais um pormenor. Na curta-metragem SONHOS há um shot da tua versão mais nova a sair da cozinha do restaurante onde trabalhaste, e o corredor até à saída é o mesmo corredor de uma parte do videoclipe do “Metamorfose Pt. 2”, em que estás de frente para a câmara e nesta curta-metragem estás de costas. Novamente um ciclo…

Certíssimo, teres encontrado esse pormenor e dar-lhe esse significado para mim já é bom o suficiente. No que toca ao filme, tenho que dividir todos os louros com o Miguel Mendes, que é o Made In Lx, eu dei-lhe a matéria prima e ele foi o escultor. Grande parte das coisas bonitas desse filme é responsabilidade do Miguel e saiu da cabeça dele, só estive a tentar ajudar e fui mais a cobaia. Felizmente eu e o Miguel temos uma relação de muitos anos e ele entende a minha linguagem e percebe como gosto de fazer as coisas, é bonito ver como é que o trabalho dele se encaixa naquilo que estou a fazer.

Por falar na curta, já a mostraste ao Danilo Pereira?

Ya, ya, gostou, ainda bem que sim [risos]. É um pouco da nossa história, na realidade é muito simbólico. Óbvio que não dá para captar a vida real, mas é bastante simbólico não só para o Danilo, mas muitos amigos meus que partilharam estes momentos e sonhos de ser alguém na vida. Queria deixar isso retratado. Este filme representa muito a fase entre os 16 e os 20 anos. 

Do ponto de vista visual, o WONDER e o Jony Driver também são bastante antagónicos. No Jony Driver tens uma curta-metragem mais ambígua e abstrata e esta é bastante honesta e literal. Quiseste seguir essa estética na SONHOS, de não deixar nada aberto, querer que fosse mesmo honesto? 

Eu acho que os dois se complementam, na realidade. A matéria é sempre a mesma, a falar sobre a minha vida e a minha perspetiva de vida. Foi sempre um bocado neste jogo do abstrato e do concreto, da cor e não cor, da luz e da escuridão, é nessa dança que vamos encontrar a nossa verdade. É por aí, bem observado. O short film do Jony Driver é simbolicamente igual a este, ou seja, até pode funcionar um bocadinho como o inverso, como um espelho que divide os dois e nas pontas estão os dois momentos importantes, a felicidade de eu ser pai no final do SONHOS e do outro lado o sentimento de tristeza de estar a passar pelo luto. São essas duas realidades que me moldaram ao longo deste tempo.

Falando ainda deste teu mundo mais visual, li também que te inspiraste no Christopher Nolan. Se pensarmos na sua cinematografia, encaixa bem, pois ele também fala muito sobre linhas de tempo, cronologias, ciclos. Temos um Papi Nolan aqui?

Essa é nova, vou adotar [risos]. É uma das minhas referências, adoro o trabalho dele, não devo ser o único, ele é daqueles realizadores que tem fãs de culto, por razões óbvias. Inspira-me bastante e porque não tentar pelo menos chegar perto daquela maneira de fazer as coisas, aquele nível de mestria? Tudo o que eu tenho a dizer é um bocado por aí. O que eu faço é música, não é filmes, apesar de lançar umas curtas-metragens de vez em quando [risos]. Essencialmente é só tentar perceber como é que aquela arte me inspira e como consigo traduzir essa inspiração para o que faço.

Ouvi dizer que te inspiraste muito no The Prestige dele.

Sim, sim, foi uma mega inspiração para este álbum. Eu já o tinha visto, da primeira vez que vi gostei, mas a segunda vez foi durante o processo deste álbum e foi a vez que mais gostei, já estava mais maduro, tinha uma atenção ao detalhe diferente, foi uma experiência mesmo mágica. Identifiquei-me mesmo com as personagens, não como mágicos, mas como artistas, e aquela dualidade de seres um artista e um pai de família, o que o artista está disposto a fazer pela sua arte, até onde estás disposto a chegar por isso, aquela pergunta se a arte é para o artista ou para o público. São perguntas muito ricas, coisas que eu próprio tenho dentro de mim. Esse filme inspirou-me bastante a responder a todas elas. Esse filme retrata muito bem a vida de um artista, o que é ser um artista. Tem consequências graves, são consequências do quão longe estás disposto a ir pela tua arte, quais são os artistas que ficam, os que passam, etc. É um filme muito rico e que me inspirou muito para fazer este álbum. 

Fala-me sobre esta tua fobia que eu completamente desconhecia, a aibofobia, fobia de palíndromos. Originou um tema deste disco também.

Fico feliz que dê para fazer umas pesquisas com o meu álbum, para aprendermos todos um bocadinho mais! Imagina, essa fobia é simbólica, uma grande parte de nós a temos, temos todos muito medo da fobia do mesmo, de passarmos pelo mesmo, meio presos numa linha temporal que não progride. O que eu quis fazer foi conceptualmente agarrar na aibofobia, que é um palíndromo também — um palíndromo de si próprio, é uma coisa assim meio canibal. Adorei, achei a proposta fantástica, isso inspirou-me bastante para tudo aquilo que é esse tema, a viagem toda que vai dos pensamentos ruminantes, a ideia dos pensamentos gerarem os próprios pensamentos, a ideia de nos julgarmos a nós próprios, a ideia do julgamento ser um reflexo do que vemos em nós próprios. Toda este ideia da aibofobia encaixava nesta proposta que queria trazer. Ao mesmo tempo é uma coisa nova que faz pensar, perguntar, estava totalmente dentro do universo que queríamos criar.

Já conhecias a fobia, ou tropeçaste nela por acidente neste processo?

Por acaso já conhecia, esta ideia dos palíndromos é algo em que já estou deep há muito tempo! A ideia dos palíndromos não vem deste álbum, é algo que já me andava a coçar há muito tempo para fazer. Não sei se foi desde os tempos do Deepak que eu já tinha esta coisa. Quando começas a explorar um bocado conceptualmente como é que tu podes apresentar uma ideia nova, descobres coisas e esta foi uma delas, do palíndromo. Andava com esta ideia a borbulhar dentro de mim, quando percebi que dava para fazer neste álbum foi só rasgar.

Para alimentar esta ideia dos palíndromos só faltava teres tido uma participação da Capicua.

Ah pois é, não penses que eu não pensei nisso! Pode ser que ainda surja com alguma coisa. Imagina, isto é mais para mim, não tenho nada planeado. A Capicua foi uma pessoa que me veio automaticamente à mente como uma possível participação, não encontrei espaço, mas o WONDER está a começar agora, então na minha ótica, se tudo fizer sentido… Exatamente como foi o processo da Bárbara Tinoco ou da Carla Prata: se não for forçado, com certeza há de surgir alguma coisa. Eu ia adorar, dentro de mim são ideias que me entusiasmam, se bem que pronto, o truque já está cá fora, não é propriamente uma surpresa. Vamos ver, vamos ver, ainda há tempo.

Para alimentar mais esta tua veia geek, dentro das tuas convidadas do álbum, que são apenas duas já agora, a Bárbara Tinoco e a Carla Prata, em quem me vou aqui focar, porque ela tem um álbum também com referências a borboletas, chamado PUPA, e na altura até falámos aqui no Rimas e Batidas sobre ele. É uma coincidência engraçada, não sei se já tinham falado disto.

Por acaso não, por acaso não… esta ideia de borboleta e metamorfose é algo que vai passar por muitos artistas. Há muitos artistas que acabam por trazer simbolicamente uma componente relacionada com borboletas ou metamorfoses. É algo que não é assim tão raro, ou já fizeram uma música, ou um videoclipe a ver com borboletas e metamorfoses. É um espelho da realidade, acho que acaba por ser recorrente na vida de artistas. Lá está, pegando na conversa da numerologia, fascina-me que uma coisa frágil como uma borboleta possa ter uma capacidade enorme de mudança, tanto intrinsecamente como um bicho que se transforma, como também o efeito borboleta ou teoria do caos, uma coisa pequena gerar um outcome grandioso. Tudo isso fascina-me bastante, não vou deixar, por exemplo, que uma ideia de masculinidade ou whatever seja barreira para representar isso [risos]. Na altura que escolhi o nome Papillon, só por si isso já é um passo para a direção naquilo que eu queria ser, contar a minha própria história, não deixar os outros tomar esse contexto. 

Indo à Bárbara Tinoco, surpreendeu-me positivamente porque não a associava de todo à tua música. Diria que a única comum que têm em comum é serem da Linha de Sintra…

Ya, ya. Eu entendo, mas isso é o que acontece com duas pessoas quando se conhecem, né? Quando se conhecem, conversam e começam a perceber em que ponto estão na vida. Ela está a fazer agora o seu terceiro disco e eu também estava a fazer o meu terceiro, o WONDER, e no meio deste processo fomos ambos pais! Então, temos muito mais coisas em comum do que parece superficialmente. Posso-te dizer que ela é uma pessoa muito querida para mim, revelou ser uma pessoa espetacular nos últimos anos, das que me deu mais prazer conhecer na indústria da música. Tornou-se muito natural ela fazer parte deste disco, foi uma coisa muito orgânica. Foi um desafio para ambos no bom sentido, não foi difícil de fazer, até foi bastante orgânica, os nossos mundos colidiram e fizemos uma canção que a mim me diz muito. Portanto ya, também fazia parte da surpresa do WONDER.

Em estúdio, como fluiu? 

Foi muito bom, foi muito tranquilo. Era uma proposta que tinha, trouxe-lhe isso e fomos no nosso processo de estúdio testando, fazendo — fazer música não tem que ser sempre super romântico, estares ali numa tarde e sai tudo na boa, às vezes é um processo que tem altos e baixos. Nós conseguimos fazer de uma maneira relativamente fluída e num curto espaço de tempo, diria, funcionou mesmo bué bem. Até estivemos em estúdio há pouco tempo a fazer uma outra coisa, a energia é muito boa de fazer música com ela, sempre que estamos juntos ficamos muito felizes por colaborar, é continuar. Espero que esta não seja a única coisa que fazemos, ela é relativamente nova e eu quero fazer música durante muitos anos, portanto espero que seja a primeira música que tenhamos juntos. Esta música funciona ainda melhor no contexto do álbum, é uma peça que se a tirares do disco, fica tudo uma coisa completamente diferente.

A anteceder este ” ¡ N.M.N !” tens um dos temas mais íntimos e pessoais que já ouvi da tua parte, o “¡ A MÃE TE AMA !”. Foi difícil escrever isto?

Epá… levou a minha vida adulta toda para fazer. Acho que foi um passo em termos pessoais em direção a um perdão, perdoar as pessoas, perdoar-me a mim próprio. Ter essa humildade que faz parte de crescermos. Quando éramos miúdos pensávamos que sabíamos as coisas, mas crescemos, aprendemos umas coisas e é saber pedir desculpa, perdoar e saber ser perdoado.

Já mostraste à tua mãe este tema?

Vou-te ser sincero, ainda não tive oportunidade de o mostrar pessoalmente. O mais importante é a intenção de fazer a canção e meter isso cá fora. Vamos ver como funciona.

Tenho mais duas nerdices que queria esclarecer contigo. A primeira é a formatação dos nomes das canções: palavras em caps lock, com dois pontos de exclamação meio à espanhol, um invertido e outro normal a começar e a terminar. No Deepak Looper tiveste vários temas a começar com a letra i e no Jony Driver os pontos ou iniciais ou finais nas palavras. Muito simbologia, queres explicar?

Olha mano, acho que não quero explicar… Adorava dar-te esse brinde, mas acho que grande parte da ideia deste álbum é deixar as pessoas entrar nestas nerdices, explorar estes easter eggs, deixar à interpretação também. Fico feliz de trocarmos estes galhardetes aqui na entrevista, mas acho que é importante deixarmos isso para a interpretação e a riqueza que é a imaginação da própria pessoa que vai ouvir. Entrem no álbum, no universo, na trilogia, e tirem a vossa própria conclusão.

Então vou-te deixar com a minha interpretação, pode ser? 

Podes, mas não vou confirmar nem desmentir, vou ficar só feliz de ouvir [risos].

Muito bem. A interpretação que faço é que um ponto de exclamação invertido, especialmente no início da palavra, faz-me lembrar a letra i, que nos leva ao universo do Deepak Looper. Depois, um ponto de exclamação é, acima de tudo, um ponto, o que me leva ao Jony Driver também. O Jony Driver tem músicas a terminar com pontos finais e as do WONDER terminam com pontos de exclamação, o álbum tem uma textura mais feliz, portanto os pontos de exclamação podem estar a exaltar isso e a transportar uma energia mais positiva em contraste com a energia mais negativa do Jony Driver. É um bocado esta a interpretação que faço…

Ok, ok. Olha, não disseste nada que eu fique “epá não é isso”, estou contigo em tudo o que disseste!

Pronto, então fico feliz, vamos deixar o resto para a malta analisar, fica o convite. Outro detalhe que reparei é a referência que fazes ao Comida” do Slow J, ao dizeres “Música fez com o Rui o que a bola fez com o Cristiano”. O interessante desta rima é que ganha uma camada, o Slow J fala do Rui Veloso e tu falas do Rui Pereira, que és tu próprio. 

É a relação entre o que se faz e o que isso nos dá! Quero acreditar que a música está-me a dar a mim tudo o que a bola deu ao Cristiano, né? É um bom paralelismo com a dica do J, claramente é uma dica icónica e mítica, é isso mesmo que disseste. É uma ideia interessante esse paralelismo, acho que como é óbvio, o meu universo e do J estão muito ligados, então vais encontrar muito mais dessas por aí [risos].

Em setembro, revelaste-nos detalhes sobre o então recém-anunciado concerto no Coliseu dos Recreios, a 20 de março. Agora volto a reforçar a ideia, já que na altura o WONDER ainda era desconhecido para todos nós. O que nos podes contar sobre o que estás a preparar?

Vai ser aquela festa, uma congregação de muitas das pessoas que ouviram as minhas músicas, muitas dessas chegaram-se à frente e mandaram mensagens ao longo destes anos, malta com quem me cruzei nos concertos, colegas com que trabalhei… É uma oportunidade que temos para nos juntar e fazer uma festa, usar o meu álbum como uma desculpa para celebrar a música, termos a oportunidade de partilhar estes momentos. Assim como meto o cuidado e a atenção ao pormenor nos meus álbuns, vou fazer a mesma coisa neste concerto do Coliseu. Tudo o que posso prometer é um grande espetáculo, uma grande festa, tanto para as pessoas que já nos acompanham há muito tempo como para quem quer agora se juntar à festa e conhecer um pouco do que temos vindo a fazer. Acredito que não se vão arrepender porque, acima de tudo, é uma experiência que vou proporcionar a quem vai, vai ser uma boa memória.


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