“A pupa é o estágio de vida de alguns insetos que sofrem transformação entre estágios imaturos e maduros”. Cientificamente, podemos resumir assim o título do novo trabalho de Carla Prata, mas de forma mais musical e até humana, podemos dizer que a sua PUPA serviu exatamente este propósito. Um projeto que simboliza a maturação e crescimento desta jovem que, de há uns anos para cá, tem vindo a apresentar-se como um dos talentos lusófonos mais interessantes, culpa da sua esbelta voz e bom ouvido, brindado-nos com algumas sonoridades bem groovy e dançantes.
Depois de alguns anos pautados por projetos mais curtos e músicas soltas, eis que a pupa cresceu e se tornou uma borboleta com o primeiro álbum do catálogo para Carla Prata. É um projeto maioritariamente cantado em inglês, mas os poucos temas com passagens em português fazem adivinhar um futuro mais “misturado” para esta artista, que apesar de residir em Inglaterra tem raízes angolanas e também portuguesas.
À beira da sua primeira apresentação em nome próprio em solo lusitano, o Rimas e Batidas esteve à conversa com rapper e cantora, que sobe ao palco do Musicbox já este sábado, dia 26 de Outubro, para um concerto intimista e recheado de convidados.
Em 2018, numa entrevista ao Rimas e Batidas, disseste que eras uma artista ainda a descobrir o seu som/identidade. 6 anos depois, como está a Carla de hoje em dia, já se conhece melhor?
Muito melhor. Obviamente estou sempre a crescer e a cada dia tenho novas inspirações, os meus gostos também estão sempre a mudar, mas hoje em dia a minha sonoridade cresceu e amadureceu bué. Estou mais confortável na minha própria pele.
Ok, então já passaste a fase da… pupa. É assim que podemos resumir os teus últimos anos, de crescimento, de estágio para uma nova fase de vida, uma fase “no casulo”?
Comecei a fazer o álbum em 2020 sem saber que ia dar nisso, mas foram 4 anos de crescimento e maturação. Foi um processo longo, 3 anos a criar e 1 ano a preparar o lançamento do álbum, toda a parte de marketing, contratos, etc. Mas ya, a Carla Prata que ouvem agora é a borboleta. É um capítulo que já posso fechar, o da pupa.
Se o próximo álbum se chamasse Borboleta não era descabido, então.
É uma ideia…
Recuemos a 2020, ano em que começaste este PUPA. Como foram os primeiros passos?
Comecei quando voltei para Londres, tive sessões de estúdio com algumas pessoas, maioritariamente produtores, e comecei, sem saber, a fazer o álbum. Depois, acho que em 2023, sentei com a minha manager e tivemos essa conversa, de lançar um álbum, já tinha músicas suficientes e boas para lançar. Depois disso, começámos a pensar em nomes para o trabalho e foi aí que surgiu a ideia da PUPA.
Devem ter sido uns tempos solitários, muita hora em estúdio sozinha a trabalhar, não?
Por acaso até não. Quando estava em Lisboa senti isso, sim, mas em Londres nem por isso. Em Portugal senti que toda a gente estava bem mais cautelosa relativamente à pandemia. Em Londres a malta lidou de forma muito diferente, como se nada fosse. Estava em estúdio com outras pessoas na boa.
Olhando a quem tu és, acabas por ter “costelas” de 3 países — Portugal, Inglaterra e Angola. Sentes que a pandemia possa ter afetado a tua saída de Inglaterra para vires cá ou a Angola trabalhar com outras pessoas?
Acho que nunca vou saber porque não há algo assim óbvio que eu possa dizer que mudou assim tanto a trajetória da minha carreira. Aliás, se há alguma coisa que foi afetada pela pandemia é o meu projeto Roots, que lancei em março de 2020 e nunca tive oportunidade de o apresentar logo depois de sair. Tirando isso, não há muito que possa dizer, continuei a ter sessões de estúdio, a dar entrevistas mas online, a vida continuou minimamente normal.
Sentes que crescer em Londres te influenciou/inspirou a nível sonoro?
Ya, sinto bué. Crescendo cá, em Londres, ouvia muita música jamaicana, das ilhas caribenhas, nigeriana. Sendo angolana, também ouvia muita música de lá e música moçambicana, brasileira, cabo-verdiana e portuguesa… Muitas influências diferentes mesmo. É por isso que digo que todos os dias descubro uma inspiração nova.
Quando voltaste para Londres deves ter conhecido muitos dos nomes que fazem parte deste corpo de trabalho, não?
Sim, foi nessa altura que comecei a trabalhar com publishers que me puseram em sessões com produtores, artistas e songwriters, foi aí que comecei a alargar a minha rede de networking.
Dado que cresceste em Londres, no seio de uma família angolana, onde aprendias português? Sempre esteve presente no teu dia-a-dia?
É assim, a minha mãe fala português predominantemente, mas seria normal eu e os meus irmãos só falarmos quase inglês porque crescemos cá, mas a minha mãe sempre fez questão de termos aulas de língua portuguesa. E depois em Angola, pronto, tinha mesmo de falar em português. Apesar disso, inglês continua a ser a minha primeira língua.
A ligação à língua portuguesa neste PUPA também é notória, tens participações de malta lusófona, uma delas certamente muito especial, que é a do Paulo Flores no “Regresso”. Como surgiu a ligação a ele o porquê desse “desvio” no álbum para o português?
Essa colaboração surgiu por intermédio do Beatoven, que é angolano e português, ele é que fez a ponte, sou-lhe grata por isso. Na altura, quando falei com ele, eu só tinha essa música no álbum em português. Senti que era importante porque toca mesmo nas minhas raízes, é mesmo a minha cultura angolana, achei super necessário ter algo assim no disco. Quando mostrei ao Beatoven, ele fez a magia dele e pensou no Paulo Flores, e ya, fez a ponte. Fiquei super feliz com a colaboração, o cota Paulo é a nossa cultura em pessoa.
E depois dessa ponte com o Beatoven, como correram as primeiras interações com o Paulo?
Foi super tranquilo, perguntei se ele estava disponível para fazer uma colaboração, pediu-me o som, expliquei-lhe o tema — isto foi à noite, tipo 21h ou 22h — ele depois disse-me que ia estar em estúdio e só precisava de umas 3 horas para mandar o som com a parte dele. Passado umas horas ou um dia, mandou-me um áudio gravado no telemóvel com a parte dele e disse-me que ia gravar aquilo em estúdio logo no dia seguinte, foi super rápido. Acabou por me mandar umas 2/3 versões do verso dele, com frases diferentes, e escolhemos uma delas. Foi tudo super rápido e tranquilo. Aquilo mostrou-me mesmo que ele tem bué experiência, é o pai grande.
Acho interessante ele ser uma pessoa mais velha com uma carreira muito grande e ainda está tão aberto aos tempos e artistas mais recentes e modernos, o que nem sempre acontece com outros.
Nas gravações do videoclipe tive essa conversa com ele, de ser alguém bastante receptivo e aberto, e disse-me que para ele não tem de fingir se algo está bom ou não, ele faz se gostar e achar interessante, pode-se dar a esse luxo. Foi uma honra ele ter gostado do meu som, só o facto dele saber quem eu sou já é uma grande honra, fiquei orgulhosa.
Já outra referência, desta vez internacional, que sei que tens é o 50 Cent, que também está aqui citado de forma muito interessante no álbum. O refrão do “Can’t Touch Me” é uma reinterpretação tua do refrão do clássico “Many Men” do 50.
Ya, não sei bem como se diz em português, mas em inglês o que é fiz é uma interpolation. Basicamente é quando alguém canta mas com um pequeno remix. Na altura estava a ouvir bué o 50, gosto bué dele, os meus irmãos também. O “Can’t Touch Me” surge numa fase em que sabia que ia fazer um álbum, tinha já as coisas estruturadas, e sentia que o álbum precisava de mais um tema, estava-me a sentir confiante, e foi nesta fase que surge o som. Fiz este refrão na cama, já era tarde, estava a ouvir beats que o Coolie me tinha enviado, ouvi esse, e mal escutei tive esta ideia e gravei com o telemóvel, saiu logo.
Há pouco falámos da presença da língua portuguesa no PUPA e este é dos poucos em que também cantas, ainda que pouco, em português.
Ya. Na verdade, a primeira versão do som ia ser só em inglês, mas a minha manager sentiu que precisava de português e, então, alterei algumas partes do segundo verso, que ficou fixe, gostei bué do resultado. Foi nessa fase que sentimos que faltava mais português ao álbum num todo e decidimos também fazer o som com o SleepyThePrince, o “Cantinho Para Nós”. Não queríamos um álbum só em inglês.
Por algum motivo especial?
É o meu primeiro álbum, não queria meio que negligenciar essa parte de mim, e a partir de agora é algo que vou começar a fazer mais, vou começar a misturar muito o português com o inglês.
Não achas que isso possa vir a ser potencialmente confuso para o teu público? Não sei as percentagens a nível de nacionalidades, mas talvez vá ajudar a puxar mais pelo público lusófono.
Na verdade, o meu público é bué aleatório. Nos meus stats no Spotify, os países que mais me ouvem são Portugal, Alemanha, USA, Inglaterra e Holanda. São países meio aleatórios, não bem aleatórios, mas que falam em inglês. Por isso acho que só ajuda, como falo as duas línguas, não vejo porque não.
A minha pergunta até é mais no prisma oposto. Imaginas um alemão a ouvir um verso em português?
Sinceramente, acho que o pessoal curte. Eu quando mostro os meus sons aqui a pessoal que só fala inglês, eles dizem que querem ouvir mais em português. Mesmo que não percebam, a importância está no feeling, na emoção. Acho que é algo que ajuda a variar um pouco, para mim sempre foi isso, é algo natural para mim, quem me conhece sabe que eu consigo misturar de qualquer das formas.
Para além do Paulo e do Sleepy, tens uma participação da Anariii, que sinceramente está fora do meu radar. Fala-me dela.
A Anariii é um artista upcoming aqui! Para esse som procurava a voz perfeita, estive em estúdio com bué pessoal, mas não estava a gostar do resultado e falei com a minha manager, que é melhor amiga da irmã da Anariii, e foi assim que surgiu a colaboração. Mal fomos a estúdio gostei da voz dela e do seu timbre, foi assim que saiu esse tema. Também tenho a participação de alguns produtores um pouco de toda a Europa, foram boas colaborações, espero voltar a trabalhar com eles.
O “Enough Ain’t Good Enough” é produzido pelo Lazuli, que é português. Como se conheceram?
Sinceramente não sei, já falamos há bué tempo. Quando ele me enviou esse beat eu estava em estúdio a trabalhar noutro som e quando acabei ainda tinha algum tempo. Fiquei a procurar instrumentais no meu telemóvel e ya, encontrei esse dele, gravei o som bem rápido, em 1 hora.
Falando de outra participação portuguesa, a do SleepyThePrince, dizias-me há pouco que querias um toque mais de português no projeto. Porquê ele?
Já o conheço também há bastante tempo, curto bué dele e do seu trabalho e já tínhamos falado bastante em fazer algo juntos, e agora surge o primeiro publicamente, que é este, o “Cantinho Para Nós”, mas temos mais 2 sons juntos. Ele já os lançou e este aqui ia ser dele e ficar guardado para 2025, acho eu. Mas como eu precisava desse toque mais português, ele foi gentil o suficiente e deu-me o tema depois de lhe pedir, foi isso.
Dizias-me que também queres misturar mais o português com o inglês na parte lírica, e na parte instrumental, pretendes puxar por algumas sonoridades mais lusófonas também?
Ya, não vou entrar em detalhes sobre o que quero fazer, porque depois pode haver quem vá imitar ou copiar — que façam isso depois de eu já ter lançado [risos]. Mas quero misturar os 2, ou os 3 mundos em termos de produção. A ideia é mesmo fazer um blend dos 3 mundos.
Fiquei curioso, vamos ter algo moderno e inovador, então?
Sempre, sempre. Não curto de parecer que estou a repetir um som ou a repetir algo que outros já tenham feito.
Para quem te quiser ver ao vivo por cá, dia 26 de outubro tem essa oportunidade. Há concerto teu em nome próprio no Musicobox, em Lisboa, já este sábado.
Vai ser um show fixe, super íntimo, só para mim e os fãs. Eu e a minha equipa demos conta que nunca tinha feito um show só meu em Portugal, portanto quisemos apresentar este formato assim mais pequeno, mais íntimo para os fãs da minha música. Se correr bem, queremos no futuro fazer algo maior também. Para sábado, vou ter em conta o álbum na minha setlist, mas o foco é cantar músicas que o pessoal já quer ouvir há bué tempo.
Vais levar convidados?
Sim, sim. Vou levar o SleepyThePrince, os MOBBERS, o Altifridi, o Florito, o Beatoven e mais algumas surpresas.
Vai ser uma noite bem animada certamente. Olhando já ao futuro, que me parece bem delineado da tua parte, parece-me que a lusofonia vai estar mais presente. Tens alguns nomes brasileiros, angolanos, moçambicanos ou portugueses com quem gostasses de colaborar?
De brasileiros, gosto do TZ da Coronel e MC Cabelinho. De portugueses, gosto do Slow J. Já no panorama internacional, adorava fazer um dia um som com o Frank Ocean [risos].
E do UK, há alguns nomes que estejam debaixo de olho?
Seria bué fixe fazer um som a RAYE. Curto bué de um gajo chamado AntsLive. Também seria fixe com a Tems ou o Rema.
A sonhar alto!
Porque não…
E por falar em terras de sua majestade, para quem nos leia e esteja aí, tens alguns concertos pensados para aí no futuro?
Por agora não, vai ser um fim de ano tranquilo. Vou passar mais tempo em estúdio, a trabalhar em colaborações que penso que vão ficar fixes. O plano é lançar outro projeto, em janeiro de 2025.