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Publicado a: 31/12/2015

Os sons que mais rodei em 2015 por Gonçalo Oliveira

Publicado a: 31/12/2015

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] João Varela

 

Hoje em dia ouvir hip hop é quase a mesma coisa que ouvir um bocado de tudo. Se antes vivíamos quase presos nos beats de 90 BPMs feitos a partir de samples de jazz, hoje temos abordagens cada vez mais electrónicas e o diggin’ vai muito mais para alem do jazz e da soul. Apesar de não ouvir exclusivamente hip hop, é o género pelo qual me apaixonei quando decidi dar os primeiros passos na música mais “a sério”. Como tal faço questão de o homenagear o mais possível. Seja na minha música, nos meus artigos ou nas minhas escolhas.

2015 foi um ano muito abusado para o hip hop, tanto cá dentro como lá fora. Assim sendo, há nomes mais do que suficientes para elaborar uma lista dos melhores deste ano contando apenas com nomes nacionais. Soa mais ou menos assim:

 


 

[SLOW J]

“Já ouviste falar no Slow J?” foi das perguntas que mais ouvi entre Abril/Maio. “Quem é o Slow J?”, pergunto-me eu. É estranho assistir à chegada de um newcomer já com tanto power nas rimas e nos beats. É verdade que não fui dos primeiros a ouvir o EP de estreia The Free Food Tape, mas de tanto se falar dei o braço a torcer e foi logo presença garantida para o primeiro episódio dos Subterrâneos. Se este foi o primeiro volume, como será o segundo? Digo isto porque Slow J, apesar de jovem, tem uma maturidade bastante acima da média e fala com a calma e sabedoria de quem anda nisto aos anos e sabe os segredos para fazer mover a máquina do hip hop. Fala sobre temas acessíveis e do interesse geral por palavras muito próprias. Faz beats simples, apenas com o suficiente para bater forte nos nossos sentimentos. O produto final sai com uma qualidade fora do normal e deixa-me perplexo pelo facto de ter sido feito por uma pessoa só.

No Festival Rimas e Batidas presenteou-nos com “Vida Boa”, single do próximo EP e conta com a produção do Intakto, outro monstro por detrás dos teclados. A nível de som já pouco ou nada tem a ver com o primeiro The Free Food Tape e isso deixa-me ainda mais expectante para assistir ao desenvolvimento de Slow J e para saber que tipo de sons/temáticas vai ele escolher para fazer alinhar no próximo curta-duração.

 


 

[VULTO.]

Como é possível não acompanhar este senhor? Apesar de já andar nisto há uns bons anos foi em 2014 que se deu o boom com o trabalho feito a meias com L-ALI, SURREALISMO XPTO. Mas esse ano já lá vai e 2015 foi o que viu mais trabalhos deste produtor nascer. Desde faixas soltas com L-ALI, fruto da química existente entre os dois, a álbuns de instrumentais (também enquanto Pedro, O Mau ou MAPAMUNDO) e até projectos com outros MCs. VULTO. é um homem com a cabeça no sitio, que sabe para que lado tem de se mover no momento certo e as suas jogadas no hip hop parecem ter vindo da cabeça de um super computador que analisa todas as jogadas possíveis para a vitória num tabuleiro de xadrez. Não deu um erro. Não há nenhuma edição sua que se possa apontar o dedo e dizer que não foi tão boa como a anterior. Não tem pontos fracos. É, para mim, o homem do ano no hip hop nacional.

O ponto mais alto da sua criação este ano é a concepção de AS IRMÃS REÚNEM. Uma espécie de equipa all-stars do underground nacional e contou com um alinhamento de luxo. Se me perguntarem qual é o tema do ano a resposta está neste álbum: VULTO. & TILT – “AQUILO QUE VÊS EM BAIXO“. O egotrip mais venenoso e desconcertante que o nosso país viu nascer nos últimos tempos.

“… dou pontapés de bicicleta e reanimo o ângulo morto / Sou poeta por desporto, a minha caneta atravessa o Zorro / Juro que dou um sentido inverso ao globo / E eu: ‘Alô, sou o Tetas, flow e letra sem caneta / Molho a pena na merda mais venenosa do planeta'”

 


 

[L-ALI]

É impossível falar de VULTO. sem falar de L-ALI. Afinal de contas foi com ele que VULTO. deu início a esta maré de sucesso. A explicação é fácil. Além de VULTO. ser um excelente produtor, L-ALI é, também ele, um excelente rapper. Tudo isto poderia ser posto em causa caso o rapper de Alfama se tivesse ficado apenas pelos registos em que acompanha o homem que o produziu em SURREALISMO XPTO. Mas L-ALI soube aproveitar o momento para se afirmar enquanto MC, mesmo trabalhando fora do habitat onde gerou as melhores faixas da sua ainda curta carreira e com diferentes intervenientes. Se havia dúvidas quanto a este newcomer as mesmas foram desfeitas com o lançamento de O Conto, aqui no Rimas e Batidas. L-ALI cercou-se de alguns dos melhores talentos da produção nacional e deu-nos um álbum completamente fresco. Não fugindo muito à sua onda habitual mas sem que o trabalho se parecesse uma repetição daquilo que fez no passado com VULTO.. É um rapper a ter em conta e já anunciou um novo projecto: o EP BAÇO com PESCA, que vai ver a luz do dia já no ano que vem.

 


 

[ALIEN X]

Alien X, Xzey, Jpes… São vários os alter egos deste talento em bruto da Linha de Sintra. Pouco ou nada se sabe sobre ele e foi com enorme surpresa que encontrei este “Unfuck The Mind” perdido no YouTube. Esta podia ter sido a única faixa deste ano por parte de Alien X, é mais do que suficiente para a coroar como o melhor tema dentro da onda boom bap nacional pela frescura que conseguiu atribuir ao tema com o seu vocabulário. Mas foi melhor que isso. Uns meses depois lançaria a mixtape de onde salta este tema, chamada Project Unfuck The Mind. Apesar de todo o processo de gravação e mistura não serem topo a coisa acaba por lhe dar um ar ainda mais místico. Como se uma lenda do underground se tratasse. É uma das escutas obrigatórias de 2015.

 


 

[FONSECA]

As voltas que tive de dar até chegar ao rap do Fonseca foram bastantes e, curiosamente, foi exactamente na altura em que lançou a mixtape Azquecessem, que me acompanhou grande parte do ano no computador e no carro. O Tilt falou-me no VULTO., que por sua vez se fez acompanhar de Jota em alguns temas. A minha curiosidade levou-me a procurar mais por ele até que cheguei ao núcleo do rap underground da Marinha Grande. Dissequei alguns dos seus projectos antigos até ao dia em que a mixtape do Fonseca chegou, onde alinhavam também o Jota e o Secta que me tinham cativado bastante com a mixtape King Kong VS. Godzilla. Tinha de ouvir este trabalho do Fonseca e acabei por apreciar imenso todo o seu conteúdo e foi, provavelmente, dos projectos que mais rodei na integra. O tema que escolhi acima, “Fuga”, conta com a participação do Jota e é das malhas mais sentidas que ouvi este ano, das poucas que me fizeram a pele arrepiar com as palavras.

“Não me chagam ao calcanhar, é que sou tão egocêntrico que nem dá para acompanhar / Um passo à frente como quem diz ‘sempre a milhas’ / Reformulo: não chegam ao calcanhar nem que fossem sapatilhas e eu andasse sem palmilhas”

 


https://youtu.be/iDX84j4qZwE?list=PLq_kbVvnBOMhnek3F4vFyW7bK5lT7QbAU

 

[MIC SELVA]

Este é um daqueles casos que apanhamos sem querer através de likes e shares no Facebook. Mic Selva lançou, juntamente com Last Hope, o EP Paradoxo no início do ano e, infelizmente, depois disso, desapareceu do mapa, ficando-se apenas pelo lançamento dos vídeos que acompanham o EP. Last Hope é um dos grandes nomes da produção nacional e Mic Selva assentou bem nos seus instrumentais com uma lírica fora do comum.

“C&C” foi o tema que mais ouvi. É extenso e conta ainda com Valas no refrão e Thomas e Adario na guitarra e baixo, respectivamente. É um tema muito orgânico, graças à introdução destes dois instrumentos. Vai ficar-me na memória e, embora seja uma espécie de balada, é um tema carregado de emoções. Podemos esquecer as batidas por um bocado e ficar concentrados apenas nas rimas e na melodia.

 


 

[LANDIM]

Landim teve um ano muito forte. Curiosamente, o tema que mais ouvi dele foi uma faixa solta que deverá fazer parte do alinhamento de KSDRAMA VOL.3 e conta novamente com o toque de Last Hope na produção. Outro ponto alto do MC de Mem Martins foi a mixtape TRAP’S’DRAMA que veio mostrar a versatilidade do rapper que se arriscou nos ambientes pesados do trap. Algo que à partida tinha tudo para dar certo. E deu.

Landim é já uma figura bastante respeitada no seio do hip hop. Alinhou também este ano num tema de Halloween e vêmo-lo a trabalhar com alguma regularidade com membros dos coletivos We$h e KBA.

 


 

[JOTA]

Colocar o Jota nesta lista pode ser algo arriscado tendo em conta que não desenvolveu nenhum projecto a solo este ano. Mas se parar para pensar por uns segundos todos os temas que saíram com o seu nome são verdadeiras malhas de rap e todas eles tocaram vezes sem conta no PC e no carro. Desde remisturas do VULTO. às aparições em beats originais do mesmo e ainda as colaborações na mixtape do Fonseca. Seria provavelmente a voz mais presente se tivesse de fazer um top 10 de faixas de rap nacional. Assim sendo, não o poderia deixar de lado.

OSSOS PORCOS“, “AMOR JAVARDO“, “Fuga“… São várias as preciosidades que vou guardar deste ano com Jota como interveniente. “O MEU NOVO BRAÇO DE FERRO” não foi das que mais rodou aqui, deixo isso para “A TUA MÃE“, mas é capaz de ser o tema mais complexo e bonito do rapper da Marinha Grande. Em 2016 vamos poder vê-lo ainda mais activo, já faltou mais.

 


 

[NERVE]

NERVE é uma escolha fácil. Tem provavelmente o melhor álbum de rap nacional deste ano na sua posse, o que fez com que a espera parecesse menos dura.

Durante anos foi-me entretendo com colaborações ou entradas em compilações/mixtapes e soube admirar sempre a sua grandeza. O álbum foi a prova viva disso. A escrita crua, sem rodeios, e toda a sonoridade que o envolve. Soube escolher bem os beats e fez um trabalho bastante contemporâneo e fora do comum. Parecem rasgos de textos de um qualquer poeta boémio do século XX guardados nas piores condições possíveis e encontrados por NERVE já próximos da podridão e da decomposição. É realmente um mérito bastante grande assinar estas letras. Agora sim, a vida já presta.

 


 

[SECTA]

Este foi o ano em que o descobri e passei toda a sua obra a pente fino. É realmente estranho como é que tanto talento pode passar despercebido a tanta gente. Secta é o geniozinho dos trocadilhos e das multies e, a par com o Jota, não há realmente mais ninguém que explore esse campo com tanta destreza e mestria em solo nacional. Felizmente juntou-se ao VULTO. para darem à luz este EP MARCHA que, embora curto, é uma montra bastante grande para aquilo que Secta sabe fazer, e bem.

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