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Os retratos do hip hop tuga

[TEXTO] Ricardo Farinha [FOTOS] Sebastião Santana

Quando vieram a público, houve quem dissesse que estas fotos do Vodafone Mexefest dariam uma dissertação, estávamos nós ainda embrenhados no espírito intenso do festival.

Já passaram duas semanas, mas — reflexões feitas — o legado do Mexefest com mais hip hop de sempre soma e segue. Desde então, foram lançados inúmeros singles, vídeos, álbuns, e anúncios de outras coisas importantes que estarão aí por vir… o Mexefest foi mais um passo — e um bem importante — num 2016 intenso e extremamente produtivo para a afirmação do rap português.

Há muitas leituras possíveis das óptimas fotografias tiradas pelo Sebastião Santana para o Rimas e Batidas no Mexefest. Em primeiro lugar, reflectem a união de uma cultura comunitária que cresceu pequena e dentro de si própria e se foi alargando ao longo dos anos até se tornar impossível de perceber onde começa e acaba. Segundo, porque, apesar de todas essas fronteiras turvas, é uma cultura que se celebra a si própria, orgulhosa e convicta, feliz consigo mesma, e prosperamente mais aberta à mudança do que presa ao conservadorismo. Estamos aqui, mais vivos do que nunca.

Terceiro ponto: só podemos imaginar o que sentem Bambino ou Bomberjack, nomes históricos das primeiras gerações do rap português, quando vão a um dos principais festivais lisboetas assistirem a concertos de gente como Large Professor & Diamond D, Talib Kweli ou Digable Planets; isto sem referir os rappers portugueses, já lá vamos. Sem nunca nos conseguirmos colocar na sua posição, quem foi ao Mexefest conseguiu ter uma ideia, olhando para a felicidade que transmitiam. Não são apenas bons concertos, batidas funky e rimas endiabradas, ou nostalgia da juventude. Também representa o sucesso de um amor único — pelo hip hop —, um modo de vida que foi certamente desafiado no seu início e ao longo dos anos.

 


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Em quarto, o mais óbvio. É verdadeiramente bonito ver estes artistas tão diferentes todos juntos, em comunhão e irmandade. O lema de Valete, “Um Só Caminho”, poderá ser a descrição perfeita para estes retratos.

ProfJam e Mike El Nite representam uma ala moderna ligada ao trap, às sonoridades contemporâneas mais cantadas e à Internet, especialmente o segundo, que também tem um lado cómico mais visível, olhe-se para a primeira foto; Beware Jack & Blasph — acompanhados por DJ Sahid e um pouco mais experientes — são alguns dos novos melhores representantes do boom-bap; Xeg e Valete, dois amigos com estilos muito diferentes mas duas referências de alta instância que surgiram na mesma altura, num boom do hip hop português, no fim dos anos 90/início dos 2000; e, claro, Bambino, dos Black Company, e DJ Bomberjack, dois pioneiros clássicos que merecem todo o respeito pelo caminho que desbravaram para os que se seguiram.

Sim, esta primeira foto (assim como as outras) não representa todas as facetas do rap português, até porque seria injusto e redutor categorizar matematicamente e enfiar todos os artistas em pequenas gavetas. Uma nota especial para o capítulo alternativo-industrial que o outsider L-Ali representa e que, por uma questão de enquadramento, acabou por ficar de fora da fotografia. Ficam sempre a faltar muitas gavetas no gigante closet que é o hip hop nacional.

No segundo dia — marcado pela curadoria Ciência Rítmica Avançada, na Garagem da EPAL, do director desta casa, Rui Miguel Abreu —, a foto de família ficou mais completa. Além de incluir mais artistas, tem um elemento crucial em toda esta jornada: os ouvintes comuns, que podem ser tanto ou mais apaixonados por esta cultura do que os seus intervenientes mais directos. São, na verdade, a força motriz que faz a máquina mexer-se e as coisas acontecerem, aqueles que concretizam sonhos. São os nossos leitores, também.

 


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Nesta terceira fotografia também aparecem os inigualáveis e não-categorizáveis Nerve e Keso (que actuou brilhantemente com o Oliveira Trio naquela noite); nomes consolidados e grandes impulsionadores do movimento como TNT, Gijoe e Sensei D; ou novos valores como Mass, dos Orteum, GriLocks e Oseias. Abraçado ao Justiceiro Mike El Nite, está o Inspetor Mórbido Fuse, dos Dealema — que também actuou naquele serão, abrindo um pouco a sua Caixa de Pandora —, um bom exemplo de como se pode ser genial a atirar punchlines verbais aos seus pares, enquanto se também é uma pessoa generosa e um grande amigo na vida real; o paradoxo entre o “ser real” e o interpretar uma persona hiperbolizada tão existente (e talvez tão pouco admitido) no hip hop; mas que é certamente positivo se for coerente.

Esperemos ver estes retratos emoldurados num futuro museu do hip hop tuga (ou pintados num hall of fame). Fica aqui registado o apelo, para o eventual caso de não sermos nós a montar as vitrines e a escrever os textos das plaquinhas informativas.

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