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Publicado a: 14/09/2018

Os Mandamentos do Moisés #6: Matarás o game e a sua definição

Publicado a: 14/09/2018

[TEXTO] Moisés Regalado [ILUSTRAÇÃO] Riça

Segundo Chris Crawford, criador de jogos electrónicos, “there are two types of play-things. If you can play with the object and it is fun but there is no goal or objective associated with it, it is a toy. If there is an objective, now you are talking about a challenge“.

O “brinquedo” e o “desafio”. Se o “desafio” não for interactivo, trata-se de um “puzzle” ou, existindo envolvimento de novos agentes, de um “conflito” (oposição; disputa). E o conflito pode dividir-se, segundo o especialista, entre “competições” — sem direito a interferências, a exemplo do atletismo — e “jogos”, que não passam de competições cujos agentes podem interferir na acção dos pares.

A precisão das definições, fundamental para perceber a raiz de qualquer questão, não revela, ainda assim, toda a verdade com total exactidão. Basta pensar nos legos, que são brinquedos mas puzzles, ou no jogo de cartas a que todos chamam solitário (ou no solitário puzzle, jogado com cartas, a que todos chamam jogo…) e que foge à definição de Chris Crawford. Ainda assim, as suas palavras não estão livres de significados pertinentes. Parece que o “rap game” pode ser apenas um brinquedo (“with no goal or objective associated“) ou um desafio (“if there is an objective“); um puzzle (sem interacção) ou um conflito (com interacção); até uma competição, isto é, um conflito sem interferência, apesar da multiplicidade de agentes.

Mas será que afinal o rap e o hip hop podem, depois de encaixar em todas as definições de “play-things”, e contra todas as construções conhecidas, não ser um jogo? Olhar para aquilo que nos aproxima como um jogo é assim tão saudável e desejável? Não vale a pena esperar do rap o que não se pode esperar da vida, que é, sem dúvida, o mais alucinante dos jogos, com tudo o que isso arrasta, bom ou mau. Só que as tentativas de superar o conhecido são um dos mais pontos mais fortes de união entre camaradas, dentro ou fora do hip hop, e não há motivos para estacionar as ideias.

O trabalho de equipa é, muito provavelmente, o mais positivo ponto de comparação entre a música e o desporto. Voltando ao hip hop, qual é, no entanto, o motivo para que uma equipa queira interferir na acção dos seus oponentes? Vale a pena ter claques ou seguir o exemplo dos adeptos que se só se juntam em nome do bem maior (desporto) quando joga a selecção? Mesmo sendo óbvio que qualquer acção desencadeia séries imprevisíveis de acontecimentos (as tais interferências), vale a pena reflectir.

Venha daí o conflito (interacção) e a competição, mas matem o game e a sua definição. Se, como numa partida de xadrez ou futebol entre amigos — ou colegas, ou desconhecidos –, a acção se desenrolar com o propósito de mostrar quem é o melhor, mas sobretudo de melhorar, venha daí esse jogo. Mais do que isso já é batota.

 


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