[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados [ILUSTRAÇÃO] Dialogue
Prosseguimos aqui a publicação de uma série de textos do arquivo de Rui Miguel Abreu que abordam diferentes momentos da história que os Orelha Negra iniciaram em 2010. Desta feita, o press release do segundo álbum de originais. O motivo para este regresso ao passado é, claro, a edição recente do terceiro ópus do grupo de Sam The Kid, DJ Cruzfader, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes. Podem para já ler entrevista com o colectivo e a nossa visão crítica do novo álbum antes de mergulharem nesta viagem ao passado que agora vos propomos.
You can’t go home again, garantia, já há uma década, DJ Shadow. De facto, não se pode regressar a casa porque lá chegando cedo se descobre que somos diferentes e já nada é igual. Os Orelha Negra sabem bem isso. Ao segundo álbum, homónimo, uma vez mais, evitam a armadilha tentadora de se limitarem a replicar ideias e fórmulas. Evitam, enfim, a simples tentação de regressar a casa. Porque tanto aconteceu desde 2010 que esse regresso seria, de qualquer maneira, impossível.
A experiência generosa de palco – em clubes, festivais, salas de concerto – e os aplausos consequentes são parte de uma história que obriga a que estes Orelha Negra, os de 2012, sejam diferentes dessoutros que há um par de anos apanharam a música portuguesa desprevenida, impondo um sucesso tão improvável como merecido com a sua estreia.
De regresso ao estúdio – a casa… – os Orelha Negra criaram mais uma brilhante colecção de temas. São 15 os do novo capítulo. Instrumentais, pulsantes, musculados, sinuosos como tudo o que tem groove, pesados, densos, carregados de histórias, polvilhados com algumas palavras, memórias, lenga lengas, com farrapos de poesia, com malhas de órgão e de guitarra, com scratch e linhas de baixo gordas, com bateria que pinga funk para cima de tudo, com samples que são peças de puzzle de um quadro que continua a ser montado.
Os Orelha Negra estrearam-se em 2009 com um single, “Lord”, impuseram-se em 2010 com um álbum, Orelha Negra, e confirmaram tudo o que havia para confirmar em 2011 com uma mixtape que uma vez mais oferecia apenas Orelha Negra como título e que abria o quinteto de bateria, baixo, teclados, gira-discos e sampler a colaborações externas: Orlando Santos, Roulet, Tamin e Filipe Gonçalves, Xeg e Hulda, Nerve, Os Tornados, Dedy Dread e Mr Bird, NBC, Mind da Gap, Junior Thomas, Conductor, Lucia Moniz, Tiago Bettencourt, Valete e Riot transfiguraram a música de todas as formas possíveis. Encaixaram palavras onde antes havia apenas espaço instrumental, remisturaram, criaram novas versões e reinventaram a proposta original sem nunca a desvirtuarem, provando que esta é uma música aberta a um mundo de possibilidades. E Vhils explodiu todas as barreiras ao criar um vídeo que ajuda a explicar porque é que a sua arte já não conhece fronteiras.
2012. Novo capítulo. Orelha Negra na capa, mais uma vez. E a verdade é que os Orelha Negra não regressam a casa. Antes procuram descobrir novos caminhos, mantendo a proposta inicial de criação de música livre a partir de uma memória generosa: não é à toa que este é um grupo onde o gira-discos e o sampler têm papéis de destaque, abrindo o groove à história, ao passado, ao presente e até ao futuro. Continua a haver aqui funk e soul, disco e até energia rock, alma portuguesa, espírito universalista, 70s, 80s e todo o tempo do mundo. Hip hop. Sempre. O que há aqui é uma vontade de transformar o mundo pela música que se oferece nua, sem máscaras e sem rostos, sem vozes e sem poses, só com o seu próprio poder invisível. E memória. Muita memória. Muito mais memória do que a que cabe nos megas do sampler, nas rodelas de vinil do gira-discos ou nos dedos que tocam baixo e teclados, nos membros que fazem vibrar as peles da bateria. Ouvir a música dos Orelha negra é recordar o que ainda não se conhece, redescobrir o que é familiar. E de quanta música se pode dizer tanto?