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Publicado a: 22/09/2017

Orelha Negra 2010-2017: Uma mixtape 100% nacional

Publicado a: 22/09/2017

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Vera Marmelo

Prosseguimos aqui a publicação de uma série de textos do arquivo de Rui Miguel Abreu que abordam diferentes momentos da história que os Orelha Negra iniciaram em 2010. Desta feita, as escolhas de Francisco Rebelo e Fred Pinto Ferreira para uma mixtape 100% nacional. O motivo para este regresso ao passado é, claro, a edição recente do terceiro ópus do grupo de Sam The Kid, DJ Cruzfader, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes. Podem para já ler entrevista com o colectivo e a nossa visão crítica do novo álbum antes de mergulharem nesta viagem ao passado que agora vos propomos.

 


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O desafio aos Orelha Negra, que acabam de editar Mixtape II, em que retrabalham o seu segundo álbum com a colaboração das vozes de gente como Fuse, Mónica Ferraz, Da Chick ou Osso Vaidoso, para regressarem ao tempo das cassetes e a gravarem uma mixtape 100% nacional. Este é o resultado. Podem carregar no play

 


[LADO A: Francisco Rebelo]

Heróis do Mar – “Saudade

(Heróis do Mar, 1981)

Os Heróis do Mar foram uma banda que introduziu uma série de novos conceitos na música portuguesa. Foram mal interpretados, mas eu vi-os sempre como alguém que fazia muito bem a colagem da alma portuguesa com o que se passava na música lá fora, dos Japan aos Spandau Ballet. E depois havia uma marca africana no som deles. E tudo isso influenciou-me muito.

José Mário Branco – “Inquietação

(Ser Solidário, 1982)

Esta geração toda – do José Mário Branco, do Fausto e do Zeca Afonso – influenciou-me de muitas formas. E sempre achei o José Mário um caso muito especial: é um grande arranjador, mas também um grande “desarranjador” – consegue interpretar o seu reportório todo só com guitarra acústica, vi assim muitos recitais dele. Admiro muito isso.

UHF – “Estou de Passagem

(Estou de Passagem, 1982)

Devo ter visto o meu primeiro concerto dos UHF num comício do partido comunista na Praça Paiva Couceiro para aí em 1980 ou 1981. Não os conhecia, apanhei o concerto por acaso, mas percebi logo que havia ali algo muito genuíno, selvagem e diferente. E segui-os nos anos seguintes. Este tema também marca uma certa viragem nos UHF, porque o António Manuel Ribeiro começou a usar mais o sintetizador. Talvez inspirado nos Cure. Aquela formação original fez coisas importantes e o AMR era um grande escritor de canções.

GNR – “Hardcore (1º Escalão)

(Independança, 1982)

Os GNR foram a minha banda favorita no período pós-adolescente da minha vida. Vi imensos concertos deles, adorava todas as músicas e sabia tocá-las todas. Detestava o Jorge Romão porque queria ocupar o lugar dele (risos). E tinha – e tenho – uma grande admiração pelo Alexandre Soares, que eu acho um guitarrista fora de série. Quando ouvi essa música a primeira vez na rádio aquilo soou-me a algo completamente novo, nem sabia que eles eram portugueses.

Xutos & Pontapés – “Dantes

(1978-1982, 1982)

Os Cool Hipnoise fizeram uma versão deste tema na compilação que marcou os 20 anos de aniversário dos Xutos, uma versão bossa nova. Conheci os Xutos muito cedo, com a minha primeira banda e chegamos a tocar juntos em Pedrouços. Essa minha banda chegou a estar na lista de edições da Rotação, que editou este álbum dos Xutos, foi finalista no concurso Só Rock em Coimbra, mas não ganhou. Eram os Improviso. A editora faliu antes de gravarmos. Mas sentia essa ligação aos Xutos, vi muitos concertos e adorei o disco quando saiu.

Septeto de Tomás Pimentel – “Raiz

(Descolagem, 1994)

Esta escolha representa em primeiro lugar, a minha grande homenagem a todos os músicos portugueses que escolheram e escolhem o jazz como o caminho para se expressarem musicalmente. Este álbum é para mim uma grande pérola na discografia nacional do Jazz. É um disco muito bonito, de um fraseado melódico lindíssimo, com uma carga lírica muito inspirada, e que coloco a par com outros grandes discos do Miles, Chet, Mingus ou do mais contemporâneo Kenny Wheeler.  Apesar da participação como músico em centenas de discos de outros artistas, este é o seu único registo, como compositor e jazzman assumido,  editado em 1994, pela El Tatu.

Ithaka – “Stonemobile

(álbum Flowers and the Color of Paint, 1995)

Começaria por aqui porque foi este o álbum que me lançou mais na direcção do hip hop tuga. Na fase em que o Pedro Passos falou connosco, estávamos mesmo na génese dos Cool Hipnoise. E apesar deste ser o disco de um rapper americano, considero-o um disco português, de hip hop tuga. Lembro-me que quando o Pedro Passos foi ter connosco, estávamos os três (NR: Francisco Rebelo, Tiago Santos e João Gomes) de volta de um gravador de cassetes de 4 pistas a gravar as primeiras ideias de canções para os Cool Hipnoise. E eu olho para esse disco como o início do meu percurso de músico de sessão. Gravei de forma muito espontânea, quase à primeira. E depois seguiram-se Mind da Gap, Boss Ac, Fuse e tantos outros…

Cool Hipnoise – “Soldadinho

(Nascer do Soul, 1995)

Este tema reflecte um pouco o que era o meu estado de espírito na altura. Tem o General D e o Melo D e sintetiza aquilo que era a minha visão musical na altura: mistura de hip hop e acid jazz, que começava com um certo swing e depois pegava no hip hop puro e duro com o Melo e o General a falarem sobre Angola e o pós-guerra, a ressaca colonial. A sessão de estúdio foi engraçada.

Fuse – “Prémio Nobel

(Sintoniza…, 2003)

Este tema foi importante e tem de certa maneira uma ligação aos Orelha Negra. O tema foi produzido pelo Sam The Kid e na altura eu fui desafiado a criar uma versão instrumental, com banda, deste beat. “Descasquei” o tema com o João Gomes e com o Rui Alves e fizemos uma demo. E esse tema provou-me que era possível fazer arranjos para banda que soassem a hip hop. E começou aí um caminho que nos traz até ao presente: o Fuse está na mixtape de Orelha Negra.

You Can’t Win Charlie Brown – “In The End We Start Again

(Chromatic, 2011)

Banda que eu conheci via Internet e achei que aquelas canções têm um brilho e uma personalidade fora do comum. Gosto imenso do disco deles e acho que representa bem o que é a nova realidade musical: o crowdfunding, a independência…

 


[Lado B: Fred Ferreira]

Três Tristes Tigres – “Zap Canal

(Guia Espiritual, 1996)

É outra daquelas coisas com que eu cresci. Tinha os discos dos Três Tristes Tigres e criei uma adoração por eles, nem sei bem porquê, porque até fugiam às coisas que eu costumava ouvir. Mas pronto o Alexandre Soares tinha qualquer coisa e quando ele fez este projecto com a Ana Deus eu fiquei fã instantaneamente, mas infelizmente nunca os consegui ver ao vivo. Nesta época de regressos – e até já disse ao Alexandre Soares – eles faziam bem em voltar a reunir-se.

Mind Da Gap – “Dedicatória

(Sem Cerimónias, 1997)

Este é mais um daqueles sons que esteve sempre presente na minha vida. Lembro-me de fazer a primeira parte de um concerto deles num pavilhão na Guarda, com os Yellow. E eles nem nos deram hipótese de falarmos com ele nem nada (risos). Mas nós também éramos uns putos muito chatos. Gosto deles na mesma, claro.

Da Weasel – “Pregos

(3º Capítulo, 1997)

Podia perfeitamente fazer uma cassete só com as músicas dos Da Weasel, da carreira toda, porque para mim tudo o que eles fizeram é importante. Mas o 3ª Capítulo saiu quando eu tinha 15 ou 16 anos e por isso mesmo bateu forte. Ouvia-o em repeat todos os dias, em casa e na escola. Foi assim até fazer os Yellow (NR: Yellow W Van), que não enganavam ninguém: eram um tributo aos Da Weasel. Eu estava a começar a tocar bateria e só imaginava poder um dia tocar músicas assim.

Xana – “Manual de Sobrevivência

(Manual de Sobrevivência, 1998)

É uma música que ouvi muito quando era mais novo e estava a crescer e que por isso mesmo me marcou. Se eu pudesse mandar uma cassete alguém com uma carta a dizer “tens aqui umas coisas boas para ouvires, umas mais antigas e outras mais recentes”, este tema estaria lá certamente.

Kilu – “Girar o Planeta

(Um Outro Lado da Versão, 2002)

Este é um grande disco, faz parte da história do nosso hip hop e tenho pena que hoje quem segue esta cultura não conheça este disco. Vale mesmo a pena ir procurá-lo. Eu tenho-o em rotação constante na minha playlist de iTunes. Nunca passa muito tempo sem que eu o ouça.

Sam The Kid – “À Procura da Perfeita Repetição

((Pratica)Mente, 2006)

Como acontece com os Da Weasel, também do Sam The Kid poderia escolher qualquer uma. É um grande amigo, que eu adoro como músico e como pessoa. Esta é uma música excelente para se ter numa cassete. Acho que ele é um dos melhores produtores do mundo, dos melhores MCs. É fantástico.

Capicua – “44 Barras”

(Capicua Goes Preemo, 2008)

A mixtape é muito boa, gosto de todas as músicas. Escolhe esta porque tem que ser. Gosto muito do trabalho que ela anda a fazer, acho que ela escreve muito bem, que tem uma caneta fantástica. Não conheço muito a cena feminina no nosso hip hop, mas ela de certeza que estará entre as melhores.

1-Uik Project – “Brada”

(E Spam 001, 2010)

Escolhi este tema para representar o início de uma história feliz: da Enchufada e dos Buraka Som Sistema e todo o movimento daquela malta que tem trabalhado muito e levado o nosso país para todo o lado. Gostei muito deste projecto, que penso que representa bem a cidade de Lisboa.

Capitão Fausto – “Sobremesa

(Gazela, 2012)

Não os conhecia, mas depois de os conhecer e ouvir a música que fazem percebi que eles representam muito bem uma certa onda que também traduz Lisboa, o nosso presente. São uma banda muito divertida, com uma atitude fresca e um som original.

Samuel Úria – “Lenço Enxuto

(O Grande Medo do Pequeno Mundo, 2013)

O Samuel é um artista que tem tudo para ter uma longa e óptima carreira. Ainda agora estive a ouvir esta música e de facto deixa claro que o Samuel Úria tem qualquer coisa de especial.

 


  • Texto originalmente publicado na revista Blitz

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