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Texto: ReB Team
Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 23/11/2022

"Se gostas de hip hop uma vez, gostas de GROG para sempre..."

Oito canções para recordar a eterna juventude dos GROGNation

Texto: ReB Team
Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 23/11/2022

Um mês depois do anúncio que colocava um ponto final na história com mais de uma década dos GROGNation, a equipa do Rimas e Batidas mergulha no catálogo do grupo e escolhe os seus favoritos, indo buscar temas de Dropa Fogo (2013), Sem Censura (2014), Na Via (2015) e Nada é por Acaso (2017).


[GROGNation] “A Casa dos 20” feat. NBC

O tempo perguntou ao tempo: quanto tempo o tempo tem? E eu que com ele fui crescendo, pouco ou nada da resposta sei também. A adolescência é um período de desabrochamentos de flores que aprendem a aceitar os seus espinhos. Explora-se uma dinâmica de tentativa-erro do que é crescer sem manual de instruções para fazê-lo. No polivalente da minha escola secundária, cabiam todas as idiossincrasias da juventude: os folhados de pizza do Lidl e as crises de identidade, os adidas Superstar e a Liga Knockout, as perspectivas de quem se seria e a realidade de quem se era. Também foi lá que coube o primeiro concerto que vi dos GROGNation. O adeus aos GROGNation é um adeus saudoso a parte de mim também.

“A Casa dos 20” foi a preparação para a aventura de aceitar que o tempo não pára e a vida avança com os ponteiros.  Fez-me ter saudades de uma fase que ainda não tinha vivido à altura do seu lançamento, mas agora sei e também me questiono: “entre tudo e entretanto viver feliz custa quanto?”

– Shirley Van-Dúnem


[GROGNation] “Salva de Palmas”

Sem Censura, o primeiro trabalho de originais dos GROGNation, tem lugar cativo no meu coração. Surge numa altura em que comecei a explorar mais hip hop (obrigado, Kendrick) e foi das primeiras coisas do estilo cantadas em português que ouvi. É um disco marcante na minha relação com o estilo, na percepção, para mim, daquilo que podiam ser barras cantadas em português (a descoberta mais a fundo de Sam The Kid e dos grandes do hip hop tuga viria após ouvir os GROGNation com atenção).

Escolher uma faixa de Sem Censura para destacar é complicado – é um disco seminal, para mim, no hip hop tuga. Contudo, “Salva de Palmas”, com produção de Factor, é uma faixa que me transporta para a adolescência. É um dos melhores beats a servir Papillon, Harold, nastyfactor, Prizko e Neck, toda a faixa grita jovialidade inocente, perfeita para adornar os ouvidos de qualquer adolescente (ainda hoje!) a descobrir-se (innuendo intended).

No verso de Papillon em “Salva de Palmas”, a dado ponto este canta: “O que seria de um storytell/ Sem um final feliz”. Bem, o que seria… No final de contas, agora no fim, resta dizer aquele sincero obrigado. Nação GROG é para sempre.

– Miguel Rocha


[GROGNation] “Dá-me Espaço”

GROGNation era sinónimo de qualidade e agora de nostalgia, por alguns dos maiores clássicos e hidden gems do rap nacional, e “Dá-me Espaço” é o exemplo perfeito disso. O grupo, ainda “Distante” do burburinho comercial que 2014 lhes traria, entravam no último trimestre de 2013 com esta faixa onde Papillon, Harold e Neck deslizaram de forma sublime, suave e algo melancólica. Importante referir que a raiz desta faixa leva-nos à mixtape Dropa Fogo, lançada no mesmo ano, e por lá temos produções de grande quilate, como é a desta faixa, criada por Sounwave originalmente para a faixa “His Pain” de BJ The Chicago Kid e Kendrick Lamar de 2011.

Apesar da faixa-mãe ter uma participação imaculada de um jovem Kendrick Lamar, os jovens de Mem-Martins também não lhe ficam atrás. O piano melancólico e nostálgico dá lugar a um Papillon insaciável, cheio de energia e garra que vai debitando várias barras carregadas de experiências, vivências, reflexões ao longo de mais de um minuto. Harold (ou melhor, Tem-P na altura) segue a metodologia agora aplicada à sua realidade, num contributo recheado de wordplays e trocadilhos que vão agarrando quem ouve, linha atrás de linha. Como não há duas sem três, também há espaço para Neck, que quase nem dá tempo a Tem-P de encerrar a sua passage, e resolve encerrar a faixa refletindo sobre o seu passado, sobre o seu quotidiano, num tom melancólico em que desabafa sobre algumas amarguras, sempre de maneira melódica e crua, com a última rima a referenciar um outro clássico da GROG, “A Casa dos 20”.

É nessas faixas que encontramos a verdadeira essência deste quinteto que deliciou imensos jovens, iguais a eles, que ali se reviam com o hip hop descomprometido e apaixonado que iam concebendo: jovens no pico da adolescência, cheios de sonhos, ambições e sobretudo muita garra, palavras que sempre definiram o que foi e será a GROGNation, que agora, feitos uns homenzinhos e cheios de sucesso, dizem adeus à cultura enquanto grupo, mais de uma década depois do início desta jornada, marcante e delineada por alguns dos momentos mais importantes da última década do hip hop português.

– Carlos Almeida


[GROGNation] “Ganda Parvos”

Nada o fazia prever, mas o fim chegou bem mais cedo do que, apesar de tudo, seria de esperar. E, para muitos, esse é, mais do que o término de um colectivo cuja maioria dos membros há-de continuar activa individualmente, o fim de um tempo que o síndrome de Peter Pan não deixava findar. Foi com esta turma de bons “parvalhões” que várias gerações cresceram, e este final inesperado representa um duro choque com a realidade que a todos aflige: o tempo passa inexoravelmente, os miúdos tornam-se homens, a vida acontece a todos. É um desfecho que pesa, sobretudo, pela carga simbólica. Afinal, o que os GROGNation deixaram é mais do que suficiente para não lamentar uma falsa precocidade deste ponto final. E, em boa verdade, a nostalgia revelada a posteriori em grande parte do catálogo do grupo de Mem Martins já se fazia sentir na devida altura. A própria “A Casa dos 20” surgia à data muito à frente do seu tempo, como banda sonora da saudade de tempos que ainda estavam por vir. Canção fatal para quem vive de olhos fixos no futuro e pés presos no passado.

Mas é “Ganda Parvos” que transmite um presente transversal à longa e frutífera carreira destes cinco amigos responsáveis por um legado incontornável: aqui, todos ao mesmo nível, mais incisivos que nunca, por um lado, e magnéticos como só eles, juntos, conseguiam ser, por outro. “O tempo é pouco p’a poder perdê-lo”, já avisava Prizko na primeira linha do tema. Chorem agora, que não volta a haver uma crew de parvalhões como esta.

– Paulo Pena


[GROGNation] “Distante”

O ano era 2014 e as férias de Verão que duravam meses, para muitos, já lá iam. E para resgatar esse sentimento de entusiasmo de se ter todo um Verão pela frente — e a fugacidade de se ser jovem com outras responsabilidades — surge a banda sonora perfeita, mesmo no início da época balnear: o álbum Sem Censura dos GROGNation, que viria a tornar-se numa obra de referência e com ela “Distante”, uma das mais acarinhadas baladas do rap tuga até hoje.

Comecemos por falar da proeza conseguida pelo dedo de mestre de Sam The Kid, que ao produzir este beat arranjou maneira de encher uma cápsula do tempo com a dose certa de nostalgia, amor efémero e aquele sentimento de fugacidade na juventude; o resultado é que até hoje, assim que começa a tocar a música, somos transportados de imediato para um estado enamorado, como se nos lembrássemos da última relação que nos marcou, prontos para meter o dedo na ferida; algo capaz de exaltar um sentimento que tem tanto de agridoce como de viciante.

E para ajudar a isso temos uma letra à altura, que catapulta este som para o pedestal onde o põem, quando se fala das músicas mais adoradas do grupo; afinal de contas, um coração partido calha a todos e “isto do amor tem muito que se diga ‘Chica’/ Até o homem mas forte frita, fica/ O mais fraco, partido em cacos, com papos estranhos/Feito num oito, feito em trapos”, e quem melhor para cantar uma balada de hip hop estilo old school do que cinco rapazes que se despem de qualquer tipo de máscara e mostram que um homem também chora, nem que seja pelo meio da arte, com versos como “esperava ter-te ao lado enquanto a velhice vinha” e “Ainda sinto o teu perfume quando me deito/ ainda espreito a tua janela pra te ver no parapeito”. Que atire a primeira pedra, não é?

Os anos passam, vamos crescendo e mesmo que já nenhum de nós seja adolescente – pelo menos de idade — vão sempre haver histórias de amor(es) e desamor(es) e, consequentemente, músicas que ressoam intimamente connosco. Só temos a agradecer aos GROG, que também eles cresceram e tomaram o seu caminho, mas deixaram anos de músicas suficientes para acompanhar várias gerações, da fase de “ir para um spot diferente onde não se note que o nosso mote é fazer o que não se pode, fumar… “ (percebe-se a ideia), até à hora de ficar a matutar num “olha para mim/ E diz-me lá porque/ tu te afastaste/sem sequer perceber”, com todas as nuances poéticas, ou não, lá pelo meio.

Das histórias mais distante(s), às mais próximas, que faça agora o grupo uma boa viagem: até sempre, GROGNation.

– Beatriz Freitas


[GROGNation] “O Panorama”

Em 2013, os GROGNation arrancavam o ano a todo o gás com a aposta na sua segunda mixtape, Dropa Fogo, a surgir logo em Janeiro. Depois de uma experiência a sete vozes, que resultou em Segunda Vaga, o colectivo de Mem Martins dava por fechada a sua formação com Tem-P (agora Harold), nastyfactor, Papillon, Neck e Prizko, notando-se desde logo a coesão destes cinco magníficos no projecto que integrou temas como “Na Casa”, “Dá-me Espaço”, “Dropa Fogo” ou “G.R.I.N.D.”.

Ainda antes de terem acesso ao vasto leque de produtores com quem viriam a trabalhar, os GROGNation tinham de dar o dobro para se fazerem sobressair em cima de instrumentais já popularizados por MCs americanos. Essa tarefa parecia impossível mal os acordes de Barney Kessel se fizeram soar à 10ª faixa. Afinal de contas, estávamos perante uma das peças mais mágicas que J Dilla imortalizou nos Slum Village. Sem receios de embarcar na intimista viagem que o beat exige, o grupo recrutava a amiga Mariana para um refrão que havia de perdurar nas nossas memórias e que mostrava logo à partida o tom que a canção iria tomar. “O Panorama” é Mem Martins, a “zona maratona”, vista à lupa: um local demasiado perto da capital para servir de dormitório a quem anda na correria, mas suficientemente afastado do centro para que se possa levar a mão ao peito e reflectir sobre todos os “vícios” que as grandes sociedades trazem consigo — do crime e da segregação social aos açaimes que, através de fake news e da cultura do medo, nos tentam fazer calar. Com Tem-P de fora, são os versos de Neck, nastyfactor, Papillon e Prizko que nos trazem os sentimentos ao de cima, com o último dos quatro rappers a puxar dos galões num extenso poema que poderia viver por si só e que até deu vida a esta “versão extensa” aqui destacada em que o banho de realidade passa de duche a imersivo.

– Gonçalo Oliveira


[GROGNation] “Na Via”

“Lembro-me que para o ‘Na Via’ o Papillon me disse ‘tens de produzir um beat que seja característico e que tu quando ouvires vai-te soar só àquele beat. Não pode soar a outra cena qualquer’. ‘Tás a ver? Foi mais por ai. Ir mais à procura de coisas próprias do que seguires certos caminhos”. O impulso foi dado pelo autor de Deepak Looper, mas nastyfactor, o responsável por estas palavras e pelo instrumental, pegou nisso e fez a base para uma das faixas mais notáveis (entre as menos óbvias) da discografia dos GROGNation, criando algo que soa a um cruzamento hipotético entre a banda Nirvana (o nervo de “Love Buzz” aparece em espírito) e o produtor Timbaland (o bounce que António Silva encontrou é completamente inebriante e desconcertante).

No embalo do beat e do refrão, a corda soltou-se e os rappers foram atrás: todos os versos, sem excepção, contêm argumentos que justificam a escolha como o “melhor”, expondo as qualidades próprias que identificam cada um dos MCs. Uma performance de elite de um grupo que deixa uma obra que não se esgotará assim tão cedo.

– Alexandre Ribeiro


[GROGNation] “Chama-me Nomes”

Os GROGNation eram criadores de autênticas canções rap coming of age, num espírito simultaneamente descomprimido e ambicioso que embutiam na composição e escrita ao longo do percurso. Nestes 10 anos uniram-se várias vezes com produtores que foram ganhando cada vez mais espaço no panorama do hip hop português, paralelamente com o espaço que a própria banda criava para si. A crew de Mem Martins tinha barras para dar e vender, para amar e não esquecer, parafraseando-os. Souberam abrandar quando foi preciso e olhar para o que o “Coração” lhes cantava mas também na icónica “Voodoo”.

Nesse plano, entre o acelerar e o etéreo, habita “Chama-me Nomes”. Melodiosa, repetível, e talvez um dos momentos mais memoráveis do grupo em conjunto. Se tivermos de colocar uma música de GROGNation numa cápsula para passar às gerações que não os conheceram… pode ir uma canção de amor?

– Vasco Completo

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